A Marquesa d’O (1976)

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Heinrich Von Kleist foi mais um daqueles casos já conhecidos de grandes escritores que só tiveram sua obra reconhecida após deixarem este mundo. E depois de vagar durante 34 anos, o jovem afundado em dívidas decidiu por fim à sua vida. Não sem antes de combinar com sua amiga. Após atirar nela, o escritor se matou. Tal acontecimento trágico serviu de inspiração para “Amor Louco”, lançado em 2015 por Jessica Hausner. Em entrevista recente, a diretora afirmou que o único filme que ela levou em consideração na hora de fazer o seu, foi A Marquesa d’O, do aclamado diretor Éric Rohmer.

Primeiramente seria preciso distanciarmos no tempo para uma análise mais precisa da novela. Mas essa é uma tarefa árdua. Às vistas de nossa realidade atual, a história traz a nitidez de uma das maiores violências sofridas por uma mulher, mas romantizada por um homem. A conotação é assustadora ao pensar que implicitamente existe os devaneios de uma aceitação de um homem que a estuprou. Uma visão totalmente masculina sobre um fato que de romântico nada tem.

Julietta (Edith Clever) é uma mulher de moral inviolável. Viúva e com filhos, tem a vida transformada quando durante a invasão dos russos, é arrastada por um grupo de soldados que tentam estupra-la. Ao ver a situação extrema, o conde F. vestido com roupas brancas e parecendo ser o próprio anjo, a toma dos braços deles e a leva em segurança para sua casa. Após tomar um chá de papoulas, a mulher adormece e acorda muito tempo depois. Ao despertar, admirando a complacência do conde que a salvou, deseja agradecê-lo, mas ele está ausente. Seu pai (Peter Lühr) a leva para casa, e o agradecimento fica para outra hora.
Passa-se um tempo. A marquesa começa a sentir certa fraqueza, e chega a comentar que se estivesse casada possivelmente estaria grávida. Pouco tempo depois recebe a visita do conde, que lhe propõe casamento. Tendo jurado que após a morte do marido jamais voltaria a se casar, a viúva não o responde prontamente. Sua família vibra ante a possibilidade dela contrair matrimônio com um homem tão nobre de coração.
Após exames médicos, fica constatado que a marquesa está grávida, para a surpresa de todos. Quem é o pai? Ela não se recorda de ter sido tocada por nenhum homem desde a morte de seu marido. Embora tenha argumentado sobre isso, a desconfiança toma conta de sua família, que embora conheça sua reputação passa a duvidar de sua palavra, expulsando-a de casa e ameaçando tirar-lhe as filhas. Desesperada por uma resposta, Julietta tenta contato com o homem da única maneira que lhe é permitida, através de um anúncio no jornal. Ele responde, e a marquesa passa a esperar a revelação de quem teria sido o culpado de sua situação.

Aspectos sociais de uma era, em que a mulher pouco podia fazer por sua vida, vem à tona. Julietta teria que se submeter a um homem que a violentou. Algo que é uma degradação, mas que à vista da sociedade do século XVIII soa como romantismo, ao pensar que ela possa se apaixonar por alguém que cometeu ato tão insano. Mesmo que para nós pareça clara a sua inocência, ela pouco pode fazer a respeito a não ser perdoar a todos os envolvidos, família e homem. Julietta tem uma nobreza de espírito imaculada, tanto que chega a questionar se teria sido ela, também como a Virgem Imaculada, gerado através do espírito santo.



O filme tem um desenvolvimento lento e teatral que poderá não agradar a muitos. Os subtítulos designando a passagem do tempo fazem com que seja mantida a fidelidade ao texto original, excessivamente descritiva. A ausência de trilha sonora faz com que nos atenhamos ao texto e as expressões dos atores, bastante contidas, embora o desespero da situação exigisse mais realismo. Mas talvez essa tenha sido mesmo a intenção de Rohmer neste filme que ganhou o Grand Prix Spécial do Festival de Cannes daquele ano. Apesar da ausência de sentimentos mais profundos, A Marquesa d’O é uma obra a ser conferida e que gera debates sobre um assunto tão delicado e que merece ser tratado com toda seriedade.

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