Não Serás um Estranho (1955)

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Este foi o primeiro filme dirigido por Stanley Kramer, e apesar de contar com um elenco forte, é pouco falado. Mas vale a pena conferir a história de vida de um médico que evolui como profissional e pessoa.

Lendo a sinopse inicial, não tinha uma noção exata sobre o que seria Não Serás um Estranho (Not as a Stranger, 1955). Ela falava sobre Lucas Marsh (Mitchum, um estudante de medicina “ególatra”, intolerante com relação a erros e que não tinha sentimentos aparentemente. Aos poucos ele iria perceber que também era uma pessoa falha.

Ao ver o filme pude perceber, no entanto, que não era tanto assim. Lucas não era o monstro que a sinopse indica que seria. Filho de um alcoólatra, se revolta ao perceber que o pai “bebera” todo o dinheiro deixado por sua mãe para pagar sua faculdade. O discurso do pai sobre o filho que o abandona, “obrigando” o pai a gastar toda a herança da esposa em bebida devia parecer algo muito triste na década de 50, mas hoje em dia soa de maneira vitimista. Lucas tinha real necessidade de pagar os estudos, se quisesse realizar seu sonho. Ele não queria ser rico, mas um médico que atendesse pessoas pobres como ele.

Esgotadas todas as possibilidades de conseguir dinheiro, ele acaba por se casar com a doce Kristina (Havilland), uma enfermeira que segundo o roteiro, não chama a atenção de homem algum, porém é uma boa moça, trabalhadeira e gentil. É meio difícil engolir isso vendo-se uma bela e doce Olivia de Havilland. Sua personagem, de alguma maneira me lembra Melanie de E o Vento Levou, e não é apenas por ser a mesma atriz ou ter os mesmos trejeitos, mas como se porta sempre aguardando os elogios de terceiros. A força está nela, mas Kristina tampouco enxerga. Fica um pouco estranho perceber Alfred Boone (Frank Sinatra) tentando convencer o amigo de que ela não é uma mulher para se mostrar aos outros.

Falando nele, Boone, melhor amigo de Lucas, é um bom sujeito, mas daqueles cuja vida fácil não o deixa enxergar outras dificuldades. Boone vem de uma família abastada, não leva a sério os estudos, mas sabe que terá os mesmos benefícios que seu pai já tem. Ele reproduz fielmente o discurso de que enriquecerá com a medicina. Engole com satisfação os ideais de servir apenas quem tem dinheiro e pode pagar. Lucas detesta o posicionamento do amigo, e acha que pode ajudar a pessoas pobres como ele. É um idealista, e sabendo o quanto é dura sua lida para continuar estudando, dá mais valor aos estudos.

Mesmo sem amor, os dois se casam, e Lucas consegue se formar. Ao contrário dos colegas, parte para o interior, atendendo a pessoas pobres, tento como pagamento muitas vezes um prato de comida. Mas ele está feliz com seu ofício. Ignora, no entanto, a atenção que sua esposa necessita. Há uma certa forçação do roteiro para que isso aconteça. Faltam cenas que mostrem um pouco mais a vida do casal, enfatizando o abandono que de uma hora para outra a esposa acusa. O médico inicia um romance também pouco explorado com uma sensual Harriet Lang (Grahame), uma mulher livre que pouco se importa com o que a sociedade pense dela. Ela não oferece resistência nem ao início e nem ao fim do romance.

Carece energia em Robert Mitchum, paixão. Se eu não o conhecesse de outras obras poderia achar que ele entrou bem no personagem, mas não é bem assim.  Mitchum é um ator muito querido, mas estava anos luz de ser um bom intérprete. Estando alegre, triste ou raivoso o seu personagem, é a mesma face de Mitchum que veremos. Isso prejudicou demais o personagem. Nesse ponto, até Sinatra, que era mais cantor, demonstrava conhecer melhor o ofício de ator do que ele. Talvez por esse motivo o filme perca um pouco da emoção. Há mesmo momentos em que Havilland, esta sim uma atriz de verdade, parece estar interpretando sozinha.

No filme de Kramer fica clara a crítica ao sistema que até hoje permanece atual: o comércio das operações, os médicos que se formam não querendo salvar vidas mas ganhar apenas dinheiro, e falta de sentimentos no tratamento aos humanos. O personagem Lucas parece ser, em todas as suas falhas, um idealista que sonha em fazer algo diferente: servir ao próximo como acha que deve ser. Mas que na correria acaba deixando de lado a família. Sendo assim, humano, parece perceber que deve tratar a qualquer paciente da mesma maneira e não conforme ele possa lhe oferecer. O aprendizado que ele tem é o mesmo que qualquer um de nós deveria experimentar. Este é um bom filme que se abre para reflexões, e merecia ser mais visto.

 

 

 

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