O Poderoso Chefão (1972)

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A verdade é que hoje é difícil imaginar, mas O Poderoso Chefão (The Godfather / O Padrinho) poderia ter sido um fiasco, mas era isso que pensavam quando o filme foi feito.

A Paramount tinha problemas financeiros e não queria de forma alguma correr riscos desnecessários. Mario Puzo havia lançado há pouco tempo um livro, The Grandfather, que fazia relativo sucesso, e um roteiro começou a ser esboçado por ele e por um jovem cineasta, ainda desconhecido, chamado Francis Ford Coppola. Recém saído da universidade, Coppola era o protótipo de um jovem que desejava fazer cinema bom, tinha boas idéias e para isso inspirava-se no velho cinema europeu, fazendo curtas e filmes de baixo orçamento. Participar de uma obra como essa significava entrar num mundo para poucos e uma ótima experiência.

O roteiro havia sido negado por Elia Kazan, que não queria se arriscar com filmes de gângsters, que tinham um histórico tão malfadado em Hollywood. Decidiram por escolher o jovem Coppola, pois isso significava economia nos gastos e, sobretudo, alguém que eles pudessem moldar. Estavam redondamente enganados. Ainda na fase de pré-produção eles perceberam que o jovem diretor não seria assim tão maleável. Coppola, por sua vez, agarrava-se e se apaixonava cada vez mais pela obra, contribuindo com idéias para o roteiro, escrito a quatro mãos. Para o papel de Vito Corleone, o Padrinho, ele pensara nos grandes atores do momento, Laurence Olivier ou Marlon Brando.

Olivier encontrava-se doente, não poderia assumir, restando convencer os estúdios e Marlon Brando a aceitarem o papel. Resolvido o problema do protagonista, havia a escolha dos demais. Testes e mais testes foram feitos e Al Pacino, até então um ilustre desconhecido, foi escolhido para aquele que seria considerado o papel de sua vida: Michael Corleone. No livro de Puzo, Michael era louro, o que fez com que surgissem nomes como o de Robert Redford para o papel. Apesar de um mal-estar inicial, Pacino, para o bem do nosso cinema atual, permaneceu.

Logo na primeira semana de filmagens, os rumores de que o diretor seria demitido chegaram aos seus ouvidos. Coppola sentia-se encurralado, cobrado e desacreditado, mas prosseguiu. Confiava em seu elenco, alguns novatos, outros vindos do teatro, alguns familiares e seguiu em frente.

O casamento de Connie (Talia Shire – Rocky), a filha mais nova do Padrinho, deveria abrir o filme. As cenas levaram dois dias inteiros para serem feitas, apresentando os filhos Sonny (James Caan), Fredo (John Cazale) e Michael, além dos demais membros do clã. Muitos figurantes haviam sido escalados, assim como boa parte da família do próprio diretor (seu pai ficara responsável pela orquestra que tocaria ao vivo e sua mãe aparecia cantando).

Coppola também utilizaria reminiscências de sua própria infância, ao caracterizar uma festa tipicamente ítalo-americana. Mas ele achava que faltava alguma coisa para preencher a primeira parte. Decidiu justificar o título, apresentando inicialmente um dos “afilhados”, pedindo favores ao padrinho, algo que veríamos ao longo de todo o filme. Contando a história da família Corleone, O Poderoso Chefão desmistificava a forma como os chefões da máfia eram apresentados, humanizando-os ao estabelecer os crimes e justificá-los como sendo “apenas negócios”, sem deixar, com isso, de adotar uma abordagem realista.

Numa das cenas, Kay (Diane Keaton) afirma para Michael que ele é inocente ao afirmar que o pai dele faz “apenas” negócios, pois um trabalhador normal, justifica Kay, como um presidente ou empresário, por exemplo, não mataria por este motivo. Michael lhe encara e afirma que a inocente é ela por acreditar nisso.

Muitas seqüências do filme tiveram que ser feitas sem os atores principais, para preencher espaços que pareceram vazios, como na seqüência do hospital, em que Michael verifica que os corredores estão vazios e seu pai correndo perigo de vida. Revendo as cenas, Coppola verificou que precisava fazer novas filmagens dos corredores, aumentando, com isso, a sensação de que o Don Corleone corria perigo.

Na parte técnica a direção de fotografia e câmeras ficou por conta de Gordon Willis, que, tradicionalista como era, preferia filmar tomadas paradas e que não desviassem a atenção do público. Somente em alguns momentos, e poucos, veremos tomadas por cima sobre o eixo horizontal (na cena em que Corleone é atingido e as laranjas se espalham pelo chão e quando Michael se reúne com Sollozzo e o policial corrupto no restaurante para mata-los) ou em close up (quando Michael destila o seu plano para matar Sollozzo e a câmera vai se aproximando de seu rosto, para frisar o momento de decisão).

As locações são bem exploradas, aferindo um tom elegante e sombrio, enfatizado pela negritude das roupas e luz escassa em algumas cenas, colorizadas apenas por alguns tons laranjas quase sempre presentes em todo o filme, em forma de frutas, roupas e cenários. Sobre o tom laranja, algumas pessoas afirmam se tratar de um prenúncio claro de que novas tragédias ocorrerão a seguir. Não consegui ver essa relação subliminar, pois percebo uma constância da cor, em quase todos os momentos.

O elenco de peso, incluindo a ainda promessa Al Pacino, e os já consagrados Marlon Brando e Robert Duvall, oferece atuações competentes, fazendo-nos esquecer de atuações patéticas como a de Al Martino como o cantor Johnny Fontane (inspirado claramente na figura do cantor Frank Sinatra), tão sem inspiração que nas cenas em que se exige uma emoção maior são suas costas que vemos, sendo a câmera focalizada em Marlon Brando, que está à sua frente.

Os diálogos inteligentes acabaram tornando o filme uma espécie de manual de vida, sendo parodiados e usados à exaustão. É interessante verificar também que, de tão batidas, frases e cenas se tornaram conhecidas até mesmo por quem não viu o filme: “Apenas negócios”, “nunca deixe alguém perceber o que você está pensando”, “eu vou fazer uma oferta que ele não poderá recusar” são apenas algumas delas. E a trilha sonora de Nino Rota? A música não era inédita, já tinha sido usada em alguns filmes antes deste, mas Nino a refez para o filme, deixando-a mais lenta. Afinal, plagiar a si mesmo não é plágio, não é mesmo?

O filme dura quase três horas, na maior parte de diálogos, com poucas movimentações: um filme basicamente de homens sentados discutindo sobre negócios e mais homens. Don Corleone e companhia traduzem tão bem uma simples família italiana que por vezes sentimos a tentação de fazer parte dela. Bom… pelo menos nos bons momentos de espaguete e festas. Seja para cumprir com suas obrigações como cinéfilo ou para constatar a genialidade de uma obra, O Poderoso Chefão torna-se item obrigatório para quem ama o cinema ou para quem somente deseja aproveitar o tempo vendo um bom filme. Ou seja, para todos.

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