Perigosa (1935)

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Em alguns momentos de Dangerous, Joyce Heath é retratada como uma ménade, mulher mitológica que adora o deus Baco. As ménades eram mulheres conhecidas por sua personalidade lasciva, por sua liberdade e por um pensamento confuso, e que por isso entregavam-se às forças primárias da natureza. Acreditando ser uma mulher que traz o mal agouro para tudo o que toca, Joyce isolou-se da sociedade, entregando-se à bebida e a auto procrastinação. Uma atriz fracassada, vive pelos bares buscando esquecer-se de sua vida.

E é assim que numa noite ela é encontrada por Don Bellows (Franchot Tone), um antigo fã que não resiste aos seus encantos. Mesmo com o aviso de que está pisando em terreno escorregadio, a leva para casa. É romântico pensarmos no altruísmo de um homem que encontra uma gaorta no meio da noite, e sem nenhum interesse, a leva para sua casa de campo, deixando-a aos cuidados de sua doce empregada. Mas não. Don sente-se atraído por sua força desde o primeiro momento, mesmo que ela não a reconheça. Ela desperta o que há de bom nele, e também um pouco do que há de mal: Don termina seu noivado com a irritantemente feliz e bem humorada Gail Armitage (Margaret Lindsay), entregando-se a um romance que mesmo que fale que é fugaz, faz com que dispense toda sua energia nele. Joyce retribui seu afeto e também se apaixona. Don deseja se casar com ela, e investe em um espetáculo para que ela retorne aos palcos. É quando tudo parece evoluir na vida de Joyce, que o velho dilema do azar volta a lhe rondar.

Joyce é casada e seu marido, um homem que a culpa por ter perdido todos os seus bens, nega-se a dar o divórcio. Culpa é todo o sentimento que ela carrega por esse homem, que desde o início coloca-se como vítima dela. Na verdade ele se transforma em seu algoz, quando a prende numa dívida inexistente causada pela sua incapacidade de viver sem ela. “Liberte-me, Gordon!”, diz uma desesperada Joyce, que após inúmeras negativas, entra em desespero e decide acabar com a vida de ambos tentando sua sorte mais uma vez ao jogar o carro contra uma árvore. O egoísmo de Gordon é tão evidente, que mesmo em face da morte, ele prefere entregar-se do que libertar a esposa.

Isso mais uma vez confirma a tese da atriz, de que é aquela só traz desgraça a quem lhe cerca e tem por obrigação pagar suas dívidas. Os dois sobrevivem, Don descobre que ela já era casada e decide abandoná-la. Envolta em culpa, por o marido ter ficado inválido, ela decide pagar sua dívida, libertando Don e se prendendo para sempre a Gordon. Todos parecem felizes por cumprirem com sua obrigação: Don retorna à sua efusiva e alegre noiva, Gail. E Joyce cumpre sua sentença, amarrada eternamente a um marido inválido, que sorri feliz de uma janela.

O filme traz uma cruel moral, que ainda era aceitável na década de 30. A sujeição aos outros, pela personagem Joyce é condenável. Julgada por muitos, ela começa a acreditar ser realmente a culpada de todos os males que ocorrem aos outros. De vítima torna-se aos olhos de todos, uma algoz. Na verdade o azar natural que ela assume ter, seria o menor de seus problemas, sendo o maior a forma como acredita que está em dívida com os outros, eternamente.

Bette Davis ganhou seu primeiro Oscar neste ano, e apesar dela achar que quem merecia era a Katharine Hepburn, qualquer uma das duas levando seria justo. A atriz pensava que ganhara o prêmio como consolação, já que no ano passado perdeu por sua performance em Of Human Bondage. Desde o início ela tendia a não aceitar o roteiro, e chegou mesmo a recusá-lo, mas Hal B. Wallis a convenceu a fazê-lo. Joyce Heath teria sido inspirada na atriz Jeanne Eagels, atriz que ganhou o primeiro Oscar póstumo em 1929. Bette gostou tanto do resultado do corte que acabou por repeti-lo por toda a vida.

Franchot Tone, por sua vez, é daqueles atores pontuais, que não se destacam na carreira, mas estão sempre presentes em bons filmes de sua época. Ele foi emprestado após terminar Mutiny on the Bounty. Ele e Bette acabaram por se envolver durante as filmagens, surgindo daí o ranço entre ela e Joan Crawford, noiva do ator na ocasião. Mesmo sabendo do envolvimento da atriz com seu noivo, Crawford não rompeu o noivado e eles finalmente casaram-se pouco tempo depois. O casamento terminou em 1939, mas a rixa entre as atrizes, porém, durou toda a vida. Em 1941 a história teve um remake, desta vez trazendo a atriz Brenda Marshall no papel principal.

O filme foi lançado no Brasil pela Classicline e está à venda nas melhores lojas. Para adquirir:

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