Algumas Palavras Sobre Bela Lugosi

1900

 

Nascido no dia 20 de outubro de 1882. Bela Ferenc Dezsõ Blaskó partiu para o mundo aos onze anos, fugindo de casa. Para sobreviver, trabalhava na área de minérios. Nas horas de folga, dedicava-se ao teatro amador. Hábil com os diálogos e trejeitos, logo passa atuar em peças profissionais (Shakespeare, tornou-se sua especialidade). Olheiros convidam-no para atuar no cinema. Usa o pseudônimo de Arisztid Olt. O sucesso na grande tela, porém, não livra-no de servir na Primeira Guerra. Ferido, toma diversas vezes morfina — ponto de partida para o vício que iria perdurar até o fim dos seus dias.

Com o fim da grande guerra — início da era do jazz —, o ator casa-se pela primeira vez. Todavia, o país natal encontra-se em meio a discussões políticas, brigas e violência. Para sobreviver, faz mais doze filmes. No fim, parte para Alemanha — que não lhe é agradável — e, depois para os Estados Unidos.

Na “terra das oportunidades” — onde não havia mais, resquícios dos últimos quatro tristes anos —, o ator entra em contato com a comunidade húngaro-americana, especialmente com atores, escritores e diretores teatrais. Estava “em casa”, definitivamente. Sobrevivia das suas interpretações, era admirado pelos amigos e outros profissionais.

O escritor John Balderston apresenta ao grupo — do qual Bela era integrante — uma adaptação que fizera de um livro de Bram Stoker, chamado Drácula. Os atores ficaram pasmos — outrora, nunca uma peça de terror fora apresentada por eles —, e viram ali uma grande oportunidade. No teste, Lugosi conseguiu o papel principal. Segundo relatos, ele simplesmente se transformara no instante que pisara no palco, assustando atores, diretor e o próprio Balderston. Reza a lenda, que ele nem estava trajado com as vestimentas do personagem.

O espetáculo foi um sucesso. O público ficou pasmo. Noites e noites lotadas. Os que viam uma vez, retornavam. Os que ainda não haviam ido, escutam relatos de um ator que “parecia não ser um ator, mas um morto-vivo”. Pessoas religiosas proibiam seus filhos de verem aquela “peça do mal”. O que atiçava a curiosidade da garotada. Lugosi, quase não era visto durante o dia — o que aumentava mais as estórias ao seu redor. Alguns juravam que, ele saía de uma tumba que ficava perdida no centro do cemitério local pouco antes de ir para o teatro. Na volta, arrastava consigo “donzelas inocentes, fazendo-lhes mal no seu caixão”. Ou até que, “viera fugido da Europa, onde propagara a desgraça, sugando o sangue de milhares e milhares”.

Os “homens de bem”, insistiam em fechar o teatro “onde aquela monstruosidade era apresentada”. Promessas foram feitas, mas, a polícia tinha medo que “aquele ser” pudesse lhes fazer algum mal. Os mais instruídos reconheciam um excelente grupo de atores e um escritor talentoso em meio a tanta bobagem.

O importante é que, tudo isto chegou aos ouvidos do diretor cinematográfico Tod Browing.

Numa noite qualquer, resolve ver a peça. Pessoas na proximidade tentaram-no impedir de entrar, no intuito de “salvarem a sua vida”. Browing, no fim da peça saiu assustado de tal forma, que, não queria ver Lugosi nem em sonhos.

Mas a figura não saía de sua mente. Cogitou que ficara impressionado por causa dos comentários. Nova apresentação. Resultado: passara a noite em claro. Lugosi o surpreendera mais do que na primeira vez.

No escritório, as imagens viam e iam na sua mente. Nunca ficara tão impressionado com uma peça, um ator. Resolvera procurar Bela. Motivo: queria lançar Drácula no cinema.

Anos depois, Browing comentaria o quão doce era o ator húngaro, e que, pessoalmente nos bastidores, oposto era da personagem. “O problema estava na hora em que ele encarnava Drácula”, confessou. “Era difícil dirigir sentindo-se intimidado com aquele personagem. Ele, simplesmente assustava a gente”.

Lugosi — que ainda não estava debilitado pelo vício —, entrega-se de corpo e alma a cada cena. Respirava o terror, transpirava o medo, seduzia atrizes.

Drácula — o filme — lançou o ator para o sucesso. Mas, também deixou-lhe uma marca terrível: não conseguia ser reconhecido mais como “ele mesmo”, e sim, como o “Drácula”. Infelizmente, isto ocorreu com Rita Hayworth no clássico Gilda — a entrega fora tamanha, que ator-personagem confundem-se.

Lugosi segue em frente, fazendo outros filmes — alguns fora do gênero terror —, destaque para o raríssimo: Assassinato Na Rua Morgue. Mas junto com a decadência — o buraco para a heroína foi aumentando.

Viciado, estereotipado, ninguém queria trabalhar com “aquele homenzinho”. Houve a oferta para que Bela interpretasse Frankstein — mas repudiou. Reza que, ao ler o roteiro, dissera que aquilo não passava de um personagem ridículo. O filme fizera sucesso. Ironicamente, interpretaria anos depois O Fantasma de Frankstein — superior ao primeiro —, mas que não alcançou — na época — sucesso entre público e crítica. Naquela época, monstros apenas serviam como motivo para comédias.

Mas se “no meio do caminho, havia uma pedra”. No meio do caminho havia “um anjo muito louco” para auxiliá-lo: Edward Davis Wood Jr. (Ed Wood), conhecido como o pior cineasta do mundo, procura Bela, visto ser um apaixonado por seu trabalho, e, convida-o para atuar em seus filmes. Wood na verdade é um diretor desastrado, que aproveita cenas de outros filmes que fizera — sobras de material — incluindo-as em suas películas atuais, não se importa com erros cinematográficos, além de possuir umas esquisitices: gosta de se vestir de mulher no camarim quando está nervoso, além de ser obcecado pela atriz finlandesa Maila Nurmi.

Desgraçado na morfina, sem perspectivas, Bela aceita. O primeiro trabalho deles juntos vem a ser Glen or Glenda? — uma bobagem dividida em duas partes, que sequer merece comentários. Se existe alguma validade histórica, é no fato que, tanto como Bela, Wood e a namorada Dolores Fuller aparecem na película.

Wood ajuda Lugosi a se internar — admirava-o muito. Essa relação é apresentada no filme Ed Wood (1994), com ótimas atuações de Johnny Depp no papel do diretor, Martin Landau (Bela Lugosi), Vicent D’Onofrio (Orson Well) e Sarah Jessica Parker (Dolores Fuller).

Este filme — que merece futuro artigo aqui no Purviance — possui duas cenas antológicas: quando a impressa que havia esquecido Bela, procura-o na clínica de reabilitação para fotografar sua desgraça. E os momentos finais do ator, filmados por Wood.

Livre por um tempo do vício, Lugosi filma sob o comando do diretor Bride Of The Monster (1955), The Black Sleep e Plan 9 From Outer Space (ambos de 1956).
Plan 9 From Outer Space — O Pior Filme de Todos Os Tempos

Wood tinha fascínio por Orson Wells , sonhava em criar um filme no mesmo nível de Cidadão Kane — eleito por duas vezes pela academia como o melhor filme de todos os tempos, a saber, nos ano de 1998 e 2008 — relegando ao meu amado Casablanca o segundo e terceiro lugar, respectivamente. E naquele ano de 56 estava mais do que decidido a criar sua obra-prima.

Lugosi estava então com setenta e quatro anos, saúde deteriorada. Mesmo assim, o diretor queria-o na sua película. Sim, ambos alçariam o sucesso com este filme. Wood como o melhor diretor de todos os tempos. Bela retornando em grande estilo ao posto que um dia lhe pertenceu na década de trinta, como um dos maiores atores de seu tempo.

Pouco antes do início das filmagens, Lugosi parte.

Vendo seu grande amigo dentro do túmulo, Wood jura torná-lo novamente no artista mais celebrado, e para tanto dá início as gravações de Plan 9.

Sem Lugosi. Wood — como costumeiramente —, utiliza gravações antigas deste — estas feitas semanas antes do falecimento do saudoso artista.

Consegue que Maila Nurmi participe do filme. Todavia, esta faz-lhe uma ressalva. Sem falas. Ela não diria um “a”. O que por final ocorre.

Em poucas semanas, o filme que por enredo conta a estória da vinda de alienígenas ao planeta Terra, no intuito de evitarem a construção de uma bomba que destruíra o sistema solar num futuro breve, é gravado. Na verdade, a idéia não seria tão má assim, se não fosse um pequeno detalhe: os visitantes para impedirem a construção da tal bomba, resolvem dar vida aos mortos para que estes dominem o planeta e evitem a construção da mesma.

Obviamente, o filme veio a ser um fracasso.

Wood prossegue na carreira, falecendo em dezembro de 1978.

Os anos transcorrem, sendo que, a película permaneceria esquecida por muitos. Isto, até o momento que a crítica especializada elege Plan 9 como “o pior filme de todos os tempos” — surpreendentemente ganhando de Glen or Glenda? —, e Ed como o “pior diretor de todo o planeta Terra”.

O que ninguém esperava, é que com isto, a curiosidade toma-se conta dos cinéfilos em geral. A procura pela película e tudo o que era referente ao seu diretor, ocorre.

Em tempos atuais, Plan 9 é considerado o maior filme trash de todos os tempos. Apreciadores desta arte obrigados são a tê-lo na sua prateleira. Ao mesmo tempo, o culto ao diretor cresceu — Tim Burton deu uma mãozinha com seu filme de 1994. E revisto hoje pela crítica atual, é tido como cult, e até discute-se a intenção deste ser um filme “humorístico” e não de ficção séria.

Obviamente, o anti-sucesso de Plan 9 respingou no histórico de Lugosi. Drácula foi revisitado muitíssimas vezes, e o padrão eternizado por Bela, ainda é perseguido por muitos atores da sétima arte. Destaque para o arrepiante Christopher Lee.

Lugosi ainda é responsável por ser influência direta de outro clássico, mas do mundo da música. Em 1978, uns garotinhos entram em estúdio — chamavam-se Bauhaus —, gravam em questão de horas uma faixa intitulada Bela Lugosi’s Dead — considerada hoje, como a primeira canção gótica de todos os tempos. Tecnicamente, coube a banda a introdução dos acordes reverberados de guitarra — graças à utilização dos novíssimos pedais Chorus, utilizados depois também pelo U2 e Police, nas clássicas Message In Bottle e Every Breath Take —, e acordes díspares de teclado. Mas, o grande trunfo da canção estava na voz gutural — à la Ian Curtis — de Perter Murphy. Trabalho digno da altura do homenageado. Quatro anos depois, este épico veio a aparecer na película Fome de Viver, estrelado por ninguém menos que o “camaleão” David Bowie — que tem pelo menos uns dois ou três maiores discos da história da música, entre eles o mais que legendário Ziggy Stardust de 1972.

 

Por Ricardo Steil

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