Jan Troell: Os Emigrantes (1971) e O Preço do Triunfo (1972)

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Assisti a poucas obras de Jan Troell, e saber do lançamento de um dvd duplo do cineasta se tornou uma agradável surpresa que gostaria de dividir com vocês. Os dois filmes mais famosos de Troell, Os Imigrantes (1971) e O Preço do Triunfo (1972) estão sendo finalmente lançados no Brasil pela Obras Primas do Cinema. Como extras, entrevistas com o cineasta e com a atriz Liv Ullmann.

Jan Troell faz parte da tríade de consagrados cineastas suecos que incluem Bo Widerberg e Ingmar Bergman. Trell traz como traços o extremo realismo, fotografia marcante e um peso colocado na natureza. O diretor é conhecido por roteirizar e editar seus filmes de forma livre. Seus trabalhos mais marcantes foram Os Imigrantes (1971) e a sequência O Preço do Triunfo (1972).

Durante séculos, famílias de todo o mundo migraram para a América. Eles sonhavam com uma terra livre e que possibilitassem viver de maneira digna. Para isso abandonaram suas famílias e raízes para se abrigar em um mundo completamente diferente. Tal movimento que ainda se observa hoje em dia teve início desde o início da colonização do Novo Mundo. Baseados em muitos relatos, o cinema muitas vezes contou e recontou histórias sobre como teriam sido esses momentos de descoberta.

O cineasta traria a história de uma família sueca que migra para a América por volta de 1850. Este foi o terceiro filme dirigido por ele, que antes tinha feito curtas e documentários. Mas ele não estava só, contou com a ajuda do diretor de fotografia Bo Widerberg e com o ator Max von Sydow.
A escolha por dois dos maiores atores da Suécia é um dos pontos mais positivos dos filmes. Unidos por Bergman, Max von Sydow e Liv Ullmann já tinham dividido a tela algumas vezes, e parecem sempre convincentes como marido e mulher. Possuem uma química incrível e sabiam como trabalhar em equipe. Sydow terminava sua participação no hollywoodiano “A Maior História de Todos os Tempos” quando topou trabalhar no filme de Troell. Os dois acabaram se tornando grandes amigos e colaboradores, e o cineasta chegou a declarar que ele sempre lhe passou segurança e confiança: Ele me ensinou muitas coisas práticas sobre o cinema, como resolver problemas por exemplo. E se tornou uma espécie de mentor para mim”.

Em Os Imigrantes (1971) acompanhamos o início da saga de Karl Oskar, que enamora-se e casa-se com a bela Kristina. Os dois iniciam uma família, mas os problemas logo surgem. A terra é improdutiva, e eles começam a pensar em seguir para a América, conhecida por suas terras férteis. Kristina não quer abandonar seu país, mas muda de ideia ao perceber que tem poucas chances. E lá se vão eles, acompanhados de alguns vizinhos e parentes. Boa parte dos 191 minutos é dedicada à trágica aventura no mar.
Viagens marítimas eram conhecidas por seus perigos que incluíam tempestades, doenças, sujeira e depressão. Muitos que entravam não sabiam se chegariam vivos em terra após meses no mar. O casal luta como pode para sobreviver, e presenciam diariamente pessoas morrendo e sofrendo as consequências das doenças. Kristina chega a pensar que não sobreviverá ao presenciar tanta dor. As pessoas se viram como podem. Ao chegar em Minnesota, eles já não são aqueles que partiram. Ainda tem uma longa jornada, dessa vez de trem, até chegar à terra prometida. Tudo se transforma em um teste extremo, de paciência, de fé e de saúde, já que há pouca comida.
Troell e seu diretor de fotografia mostram com sensibilidade os momentos cruéis, trazendo para o público sentimentos dos personagens. Quando em terra, a visão da natureza extrema e a câmera quase lenta traz momentos de contemplação. Sua câmera capta os dois momentos com grande habilidade. Um dos momentos mais belos e ternos é o momento em que Kristina está no balanço, e Oskar vem ao seu encontro. Eles não sabiam o que teriam pela frente. E é essa pureza de sentimentos, totalmente vazio de melodrama que causa comoção até aos mais insensíveis.
A vida é luta. Os filhos continuam a vir, e nem sempre são sinais de felicidade. Kristina não questiona a Deus, mas não aceita que Oskar a considere única culpada por traze-los ao mundo: “você se deitou comigo, então tem tanta culpa quanto eu”. No entanto, eles os amam, e tudo o que fazem reflete na melhor maneira de lhes propiciar uma vida digna. Para isso contam com o amor que tem um pelo outro, e que compensa qualquer dificuldade. Os Imigrantes termina no exato momento em que Oskar finalmente encontra o local ideal para sua família viver, um pequeno pedaço de chão fértil.
Mas o filme não se resume à história do pequeno núcleo. Também mostra parte da saga de outro sonhador: Robert, o irmão mais novo de Oskar. Ele o acompanha à América, mas tem seus próprios planos. Deseja partir para a Califórnia, onde acredita que conseguirá muito ouro. É um jovem belo, mas que sofre com terríveis dores de ouvido, que o atormentarão até o final de sua curta saga. Robert possui em si todos os sonhos do mundo, e decide partir em busca deles ao lado de seu fiel amigo Arvid (Pierre Linstedt).

O Preço do Triunfo (1972) começa com a família tentando se estabelecer e criando vínculos com o local. O sonhador Robert retorna após sua jornada, e encontra os sobrinhos crescidos. Está doente, mas traz um punhado de dinheiro em sua mala. As lembranças são tristes, Arvid fora deixado para trás, e todos tentam entender os motivos. A chegada da Guerra Civil traz problemas, e Orkar tenta se alistar no exército. A briga pelas terras se acentua, com os índios tentando reaver o que lhes pertence. Com isso inicia-se uma luta por vezes cruel, e que traz mortes para ambos os lados.

O contexto histórico trazido para o filme não aponta heróis nem mocinhos, antes descreve o quanto foi duro para os dois lados da luta. O mais fraco, indígena, é capaz de atrocidades causadas pela fome e raiva. Mas a punição será terrível. Aos poucos, a América mostra sua verdadeira face. E ela não é romântica.

Os filmes foram muito bem recebidos na Suécia e nos Estados Unidos, recebendo excelentes críticas. Os Imigrantes foi indicado para o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro daquele ano, recebendo outros prêmios. Se tornou muito popular e anos depois foi transmitido pela televisão americana. As obras permitem ao espectador um olhar tanto poético quanto trágico, e não raro levam a reflexões acerca das lutas íntimas e sociais de uma família. O tempo de exibição (mais de três horas cada) podem assustar logo de cara, mas o interesse logo é despertado pela beleza da fotografia, dos planos e sequências que transformam o épico em uma deliciosa experiência cinematográfica. A narrativa não se torna em momento algum tediosa, e mesmo os momentos de silêncio possuem uma carga emotiva que dispensa palavras o justifica. O que fica é a lição de vida, formada não só de momentos coloridos, mas de luta.


Esse se traduz num dos melhores lançamentos do ano, e que vale a pena conferir. Você pode adquirir o dvd na Livraria Cultura e na Livraria Saraiva. Também pode busca-lo nas lojas físicas.

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