Ah que injustiça falar que Bette Davis é a malvada do filme dirigido por Joseph L. Mankiewicz. Quem conhece a desfaçatez de Eve Harrington sabe o quanto é injusto taxar a Margo Channing de má. Mas isso só ocorre a quem nunca viu o filme. O título dado em língua portuguesa e a imagem frontal de Bette Davis induziu muitos que não assistiram A Malvada a não perceber que a verdadeira malvada era mesmo Eve, como sugere o título original “All About Eve”. Intérprete da mais falsa das amigas, Anne Baxter também concorreria ao Oscar naquele ano que foi o mais acirrado entre as atrizes: a própria Bette Davis, Eleanor Parker e Gloria Swanson perderiam para Judy Holliday, considerada um azarão, mas que também teve seus méritos.
A atriz que já tinha ganho um Oscar por sua participação em O Fio da Navalha (1946) vivia o auge de uma carreira que durou quase cinco décadas. Nesse período, Anne atuou também nos teatros e na televisão. Ela que teve a carreira incentivada desde cedo pela família, viveria papéis versáteis em diversos estúdios como a 20th Century Fox, a Paramunt e a Universal. Tinha 16 anos e apareceria em alguns filmes sem grande destaque, alguns até mesmo medíocres. Ela também fez um teste para participar de Rebecca, mas foi considerada muito jovem para o papel que acabou ficando para Joan Fontaine.
E lá estava ela com um papel coadjuvante em “The Great Profile” (1940), filme estrelado por John Barrymore e que trazia o apelido do ator no título. O título é uma referência ao apelido do ator, e uma paródia de sua carreira e vida privada.
Ela também participou com destaque de “The Magnificent Ambersons”, dirigido por Orson Welles, o diretor mais odiado e aclamado daquele período. Anne dividia o espaço com grandes astros como Dolores Costello, Joseph Cotten e Agnes Morehead. Mesmo com todos os cortes que afligiram Orson Welles, o filme foi indicado a quatro Oscar, incluindo melhor filme. Com Tyrone Power ela dividiu a cena em Bater Dive, de 1943.
1946 traria grandes acontecimentos na vida da jovem de 23 anos. Nesse ano ela se casaria com o ator John Hodiak. Os dois permaneceriam casados até 1953 e teriam uma filha, Katrina, nascida em 1951. Hodiak iria falecer aos 41 anos de um ataque cardíaco pouco tempo após o divórcio, e Baxter iria se culpar sobre o ocorrido.
A recém-casada esteve no western de pouca expressão Furacão Negro (1946), do diretor Louis king, onde dividia a cena com Fred MacMurray. Mas o filme de maior destaque deste ano foi O Fio da Navalha, de Edmund Goulding. Nele Anne interpreta Sophie Nelson, uma mulher entregue às drogas por causa de uma tragédia pessoal. A atriz trabalhava ao lado de Tyrone Power e Gene Tierney, uma dupla de sucesso que já dividiriam outros filmes e que atraíam um público enorme. Com ele a atriz receberia seu único Oscar de Melhor Atriz.
A Malvada
A consagrada atriz teria um ensaio de sua Eve no filme A Hipócrita, de 1944. No filme ela é Evelyn, uma mulher com problemas psicológicos e que passa a atormentar a vida do irmão de seu médico. Passando a morar em sua casa, ela começa a tramar contra a vida da esposa deste, imaginando-se como a única dona da casa.
Em 1951 estrelaria o seu filme de maior sucesso, ao lado da consagrada Bette Davis. No elenco, Celeste Holm, George Sanders, Gary Merrill, Thelma Ritter e uma ainda desconhecida Marilyn Monroe. A Malvada é um espetáculo de interpretações que seguem um roteiro maravilhoso, assinado por Joseph L. Mankiewicz. Anne impressionou a todos com sua performance, sendo indicada ao Oscar de Melhor Atriz. Apesar da relação entre as duas personagens, a atriz comentou que ela e Bette Davis se davam muito bem. Davis gostou de atuar ao lado da jovem atriz, e sempre elogiou seu trabalho e profissionalismo publicamente.
Páginas da Vida (1952) reuniria cinco diretores consagrados para dirigir os contos de O. Henry. A apresentação fica por conta de John Steinbeck , ele próprio um dos maiores romancistas da literatura mundial, com livros como As Vinhas da Ira, East of Eden e Ratos e Homens. É ele que faz as interferências entre os contos. “A Última Folha” é talvez um dos mais conhecidos dos contos de O. Henry no Brasil, pois uma vinheta sobre ele passava no SBT e também a mais comovente delas. Dirigido por Jean Negulesco, Anne Baxter surge como uma mulher que após uma desilusão amorosa, contrai uma pneumonia e não tem forças para viver. Com isso coloca na cabeça que quando a última folha de uma parreira cair ela irá falecer. Jean Peters e Gregory Ratoff são os outros atores que participam desse episódio.
Um bom filme dela que indico desta época é A Tortura do Silêncio (1953), onde ela atua ao lado de Montgomery Clift. Esse é um dos menos lembrados de Alfred Hitchcock, não traz muitos dos elementos que o tornaram o mestre do suspense. Mas é a tal coisa: um filme ruim de Hitchcock continua sendo uma aula de cinema e vale a pena ser visto.
Em Seu Únido Desejo (1955) ela é a simpática ex-dançarina de um cabaré que abre mão de tudo para ajudar a um apostador (Rock Hudson). Ela deseja regenerá-lo, mas ele parece mais preocupado em refazer sua vida ao lado de uma uma mulher que julga respeitável. Neste mesmo ano ela teria muito destaque no épico Os Dez Mandamentos (1956), atuando ao lado de Yul Brynner e Charlton Heston. A estrondosa e cara produção seria indicada a 7 Oscars e se tornaria o maior dos épicos hollywoodianos. Anne está impressionante como Nefertiti. Inicialmente o papel iria para Audrey Hepburn, e Anne ficaria com Sephora, mas DeMille dispensou Audrey por considera-la magra demais para a personagem.
Em 1957 Anne completava 34 anos e entrava naquela fase tão difícil para as atrizes clássicas. Hoje em dia temos uma sociedade que exalta a beleza e a juventude, torna-se quase um pecado subumbir à natureza, imagine isso na década de 50. Os papéis começam a rarear até que você se torna esquecível. Bette Davis se tornou um dos grandes exemplos disto. Atriz imensamente reconhecida, teve que apelar para anúncios de jornal para continuar trabalhando. Anne continuava boa atriz, mas os convites raramente vinham e quando chegavam era para papéis aquém de seu talento. Resolveu aderir a programas televisivos, fazendo pequenas participações que seguiram pela década de 60.
Durante esse período ela conheceu seu segundo marido, Randolph Galt, com quem se mudou para uma fazenda na Austrália. Os dois ficariam juntos até 1968. A atriz se tornaria mãe pela segunda vez em 1961, dando a luz sua filha Melissa. Dois anos mais tarde teria sua terceira filha, Maginel. Após esse período eles voltariam para os Estados Unidos, indo morar em um rancho no Novo México. Voltando-se para a televisão, ela participaria de alguns episódios da série Batman. Ela acabou se tornando a única atriz a interpretar duas vilãs diferentes na primeira temporada de Batman: Zelda e Olga.
Na década de 70 ela voltaria sua carreira para os palcos. Em 1977 teria um casamento relâmpago com David Klee, que iria falecer neste mesmo ano. Ela faria ainda algumas participações televisivas. Porém em 1985 sofreria um aneurisma cerebral que a levaria a óbito 8 dias depois. A atriz faleceu aos 62 anos e trazia na bagagem 50 filmes e mais de 60 participações na televisão.
Fontes: The Famouspeople, Anne Baxter: 1923 – 1985, Findagrave, LA Times, Bio Ann Baxter, IMDB