Plato (Sal Mineo) abre a porta de seu armário e vemos uma foto de Alan Ladd. Aquela é a pista deixada por Nicholas Ray e o roteirista Stewart Stern, sobre a homossexualidade do personagem adolescente em Juventude Transviada. Com o código de censura a pleno rigor, era imprescindível que as informações fossem dadas de forma sugestiva. E ninguém melhor do que Alan Ladd, figura amada por homens e mulheres de todo o mundo para povoar a mente de um jovem sonhador. Naquele período o ator figurava entre os mais populares de Hollywood e acabara de receber ao lado de Marilyn Monroe, o prêmio de ator mais popular de 1954.
O ator hoje em dia é lembrado por sua contribuição em filmes noir e westerns como Shane, ficou imortalizado por seu rosto angelical, voz baixa e potente e por configurar a imagem do homem ideal.
Alan Ladd Walbridge nasceu em 3 de setembro de 1913, em Hot Springs. Seu pai faleceu quando ele tinha apenas 4 anos de idade, durante um incêndio. Com um novo casamento, sua mãe partiu para Oklahoma. O garoto passou por dificuldades, teve fome, chegou a ficar subnutrido. Sua mãe entregou-se ao alcoolismo. Já adolescente, buscou refúgio nos esportes e abriu uma lanchonete que chamou de “Tiny”, seu apelido na escola.
O ator sempre iria falar com orgulho de sua lanchonete, embora o apelido sempre tenha lhe causado incômodo. Ele jamais superaria o fato de ser baixo demais para os padrões masculinos. Com cerca de 1:68 sentia-se inferior como homem e astro, e isso definiria boa parte de sua auto estima.
O futuro como ator parecia bastante incerto, sobretudo quando suas tentativas junto a Universal, MGM, RKO e Warner Broters não deram certo. Após algumas participações sem importância, eles sempre decidiam que Ladd era loiro e baixinho demais para ser aproveitado. Com isso, ele resolveu investir em trabalhos no teatro. Ele tinha algo que chamava a atenção: sua potente voz. Após ser contratado pela rádio local, começou a ser reconhecido, trabalhando na Radio Theater Lux.
Em 1936 Alan conheceu e se casou com Marjorie Jane Harrold. Tinha apenas 23 anos e a família da moça a princípio não soube do casamento. Eles ocultaram o fato até que Marjorie surgisse grávida. Ao nascer, deram o nome de Jr. ao pequeno. Mas o casamento não duraria muito.
Trabalhando na rádio, assinou vários contratos e chegou a ficar três anos na KFWB. Foi durante uma dessas apresentações que ele conheceu Sue Carol, a mulher que mudaria sua vida.
Sue Carol e Uma Nova Vida
Sue Carol tinha feito um relativo sucesso no cinema nas décadas de 20 e 30. Após se aposentar das telas, se tornou agente de talentos. Já estava em seu segundo casamento quando conheceu Ladd e lhe fez um convite irrecusável: tornaria-se sua agente e o levaria à fama. Inicialmente ele não achava que conseguiriam, afinal, tinha passado boa parte de sua vida tentando uma vaga sem sucesso. Mas, apaixonando-se por ela, resolveu confiar sua sorte em suas mãos. Não iria se arrepender.
Sue conseguiu para ele uma participação em Cidadão Kane (1941). Mas a primeira grande oportunidade viria no ano seguinte, quando ele foi contratado para Alma Torturada (1942). Iria trabalhar ao lado de uma bela loira, Veronica Lake, que também começava a fazer sucesso. No filme, Alan é Philip Raven, um assassino de aluguel que traz marcas profundas em sua alma: maltratado na infância, demonstra sentimentos nobres apenas com os gatos, que considera independentes como ele. O filme também tem toda aquela história de nacionalismo, e acabou se tornando um grande sucesso naquele ano.
A química entre ele e Lake foi imediata e o público os elegeu como o casal das telas que eles queriam amar. Aparentemente o problema da loirisse extrema acabara e devido o sucesso, eles trabalhariam juntos em mais quatro filmes. É muito comum falar-se sobre a química entre os dois atores, e provavelmente você já deve ter se perguntado se ela ultrapassou as telas. Provavelmente a resposta é não. Segundo Veronica, ela nunca conseguiu ser de fato sua amiga. Ela chegou a declarar que “Trabalhávamos muito bem um com o outro, sem grandes discussões ou problemas. No entanto eu sempre percebi que estava diante de um homem profundamente triste”.
Veronica também tinha uma coisa que agradava e muito o ator: conseguia ser menor que ele. Com apenas 1:50m. parecia ser a parceira ideal para o homem que assim que pode exigiu atores e atrizes menores que ele. Não raro ele exigia plataformas e elevadores para que parecesse ilusoriamente mais alto. Após Alma Torturada, sua sorte parecia ter mudado e ele foi convidado para uma série de papéis. De ator promissor, em 1947 já constava na lista de mais ricos de Hollywood.
Ele foi incentivado por Geraldine Fitzgerard a aceitar o convite para interpretar Jay Gatbys em O Grande Gatsby (1949). Ele não se achava capaz de assumir o papel pelo simples fato de não se achar um ator de verdade. O diretor Robert Preston discordou quando disse “Ele era um bom ator, embora muitas pessoas não acreditassem nisso. Muitos disseram que seu nome foi inventado pelo departamento de publicidade. Mas ele realmente não precisava disso. Ele teria chegado à fama de qualquer maneira”. Virginia Mayo, que trabalhou ao seu lado em Nenhuma Mulher Vale Tanto (1952) reforçou dizendo que “O problema de Ladd era sua incapacidade de lembrar que era uma grande estrela. E ele era o maior. A falta de reconhecimento artístico o afetou tragicamente”.
Os Brutos Também Amam (1953) seria talvez o seu filme de maior sucesso, embora George Stevens tenha considerado Montgomery Clift para o papel. Ele é o misterioso cowboy que chega em uma região de conflitos e tenciona mudar de vida. Diretor e ator se deram tão bem durante as filmagens que Stevens o convidou para participar de Assim Caminha a Humanidade (1956). Sue Carol não aceitou o papel, que achou ser demasiado pequeno para seu marido. James Dean (que morreria pouco tempo após as filmagens) assumiu.
Ladd sentia-se preso no mesmo tipo de personagens. Queria variar e crescer profissionalmente, mas executivos de estúdios da era de ouro raramente estavam dispostos a ouvir os lamentos dos atores. Um ator cuja imagem havia sido desenhada para determinado tipo de papel raramente conseguia algo que fugisse disso. Era o famigerado sistema de estrelas, que prendia a todos em seus devidos lugares. Adolph Zuckor gostava do resultado em tela, e achava que em time que está ganhando não se mexe.
A Paramount estava disposta em transforma-lo na maior estrela daquela década. E para isso, alguns fatos de sua vida chegaram a ser mudados. Para melhor caber em seus papéis de heróis, ser um homem de família ainda valia muito na Hollywood da década de 40. Com isso várias informações foram ocultadas, como seu primeiro casamento. Como será que ele se sentia com relação a isso?
Com isso Ladd se tornava o ator mais popular e Darry Zanuck chegou a chama-lo de “o homem indestrutível”. Ele queria leva-lo para a Fox, mas quem conseguiria chegar antes foi a Warner. Como todos sabemos, a carreira artística é construção momentânea: num momento alcança o auge, mas dificilmente permanece no topo. Apesar de acumular fama e dinheiro, nosso herói não escapou disso, e ao chegar à Warner não rendeu tanto quanto em seus trabalhos anteriores.
Os produtores sugeriram a participação de seu filho David em O Rebelde Orgulhoso (1958). O pequeno que já havia feito uma pequena aparição em Shane não estava bem certo se conseguiria interpretar uma criança com problemas na fala. Mas seu trabalho acabou rendendo bons frutos e ele recebeu um Globo de Ouro de Melhor ator juvenil, rendendo também outros convites. O pequeno seguiria uma carreira sólida por mais de 20 anos, apenas deixando-a para se tornar um executivo do cinema. Posteriormente casou-se com a atriz Cheryl Ladd, mais conhecida como uma das Panteras.
Dentre os papéis que deixaram Ladd bastante frustrado nesse período está aquele que fez ao lado de Sophia Loren. Feito como um veículo para a bela atriz italiana, A Lenda da Estátua Nua (1957) tinha um adendo a mais: a atriz era visivelmente mais alta que ele, e ficou frustrada por ter que ficar na maior parte das vezes em plataformas inferiores. Sophia Loren lamentava por não ter conseguido mais do que um relacionamento polido com o ator. Em sua autobiografia ela comenta que Ladd era um bom homem, mas aumentava seus traumas de uma maneira que não conseguia viver em paz.
Neste período o ator já estava entregue ao alcoolismo, que herdara da mãe, e nem um bom papel seria capaz de tira-lo de suas angústias interiores. Já não tinha o belo rosto que o imortalizara em filmes da década de 40 e acreditava mais que nunca nos críticos que diziam que não era um bom no que fazia.
Os Insaciáveis (1964) acabou por marcar sua última aparição no cinema. Não era mais o personagem principal, estava cansado, mas conseguiu manter seu padrão. Não conseguiu ver a estréia do filme. Em 29 de janeiro de 1964, poucas semanas antes do lançamento, o ator foi encontrado morto em sua casa em Palm Springs.
Um Homem de Família
Separando-se de seus parceiros, Sue e Ladd casaram-se em 1942 e resolveram seguir a cartilha de Hollywood. Os dois iriam ocultar durante muito tempo seus filhos e casamentos anteriores. Era muito importante manter uma aparência falsa para os fãs. Naquele tempo houve uma avalanche de capas de revistas em que ele aparecia ao lado dos filhos do novo casamento (Alana nasceu em 1943 e David em 1947). Realmente não sei como Junior poderia se sentir com relação a isso, mas seus sentimentos não deviam ser muito diferentes dos de Carol Lee, filha do casamento anterior de Sue Carol.
Segundo David, seu pai era bastante rígido e se preocupava sobretudo com a educação deles. Gostava de passar vários períodos em seu rancho, onde podia ser ele mesmo, longe dos holofotes. Algumas fotos dele em família, sempre com os filhos que teve com Sue:
Mas não havia como ocultar parte de sua vida por muito tempo. Finalmente veio à tona a história de seu primeiro casamento e a existência de um filho. Apesar de todos os prognósticos, a notícia foi bem recebida pelos fãs que continuavam a ama-lo da mesma maneira. Assim como David, Alan Jr. também teria uma carreira voltada para o cinema, se tornando posteriormente o presidente da Twentieth Century Fox. Ele continua ativo e em 1995 recebeu o Oscar como produtor por Coração Valente.
Caso com June Allyson
Mesmo após o casamento, Sue Carol continuou a exercer seu poder sobre o marido. Continuava sendo sua agente, e não raro conferia um por um seus roteiros antes mesmo que ele os visse. Acumular as tarefas de esposa, mãe e agente não deve ter sido fácil, mas foi uma escolha consciente. Raramente o ator se encontrava sozinho nos sets, o que dificultava a chegada de mulheres junto a ele. Carol também contribuiu para vender a imagem do marido para milhares de revistas: o homem de família, calmo e com escrúpulos. Parece incrível, mas nem a marcação cerrada fez com que Sue escapasse da traição. Na década de 50, revistas e jornais especulavam sobre um romance entre o ator e June Allyson, que estaria abalando o aparentemente indestrutível casamento de 14 anos.
O ator estava com 42 anos quando conheceu Allyson durante as filmagens de Voando Para o Além. O interesse foi imediato e eles rapidamente se envolveram. Conta-se que, desesperada, Sue Carol chegou a ligar para o marido de Allyson, o também ator Dick Powell, contando a história. Em resposta, Ladd teria ficado furioso e chegou a sair de casa pela primeira vez. Racional, Sue chamou a colunista Louella Parsons e negou todos os rumores, afirmando que o marido se refugiara em outra casa para descansar.
Contrariando sua mãe, Alana afirmou anos depois que o romance de fato existiu: “Ele nunca a esqueceu, e a desejou até o fim de sua vida. O consumo excessivo de álcool, que o levou a morte, realmente piorou após minha mãe descobrir o caso. Papai se apaixonou por Allyson, e não houve nada que o fizesse esquecê-la”. Allyson que iria se divorciar de Dick Powell somente em 1963, se casaria outras três vezes. Ladd jamais se separou de Sue.
Suicídio ou Morte Acidental?
Os detalhes que cercam a morte de Alan Ladd são bastante imprecisos. O que é certo é que o ator foi encontrado morto em sua cama em 29 de janeiro de 1964 de uma overdose de remédios e bebida. O ator passava uma temporada longe de sua esposa, o que corrobora a tese de que o casamento não era tão perfeito quanto as revistas faziam questão de indicar. O fato dele ter tentado o suicídio dois anos antos fortalece a tese de suicídio.
Em 1962 ele tinha sido encontrado ferido em uma poça de sangue. Jornais espalharam que o ator tinha atirado acidentalmente em seu peito (???), provavelmente à pedido de sua agente. Mas o certo é que ele se salvou por algumas polegadas. A informação ainda não tinha sido digerida por todos, e alguns acreditaram que de fato se tratava de uma tentativa de suicídio mal realizada. A foto mostra um homem em plena recuperação:
Mas como um homem rico, famoso, com uma família de comercial de margarina poderia sofrer de depressão? Sabemos que a doença silenciosa não carece de motivos, mas sua infância triste talvez tenha motivado seu espírito imensamente suscetível a autodepreciação. Além disso, o jovem que presenciara o suicídio de sua mãe não conseguira nunca se recuperar do trauma. Sentir-se minúsculo diante dos outros também contribuía para que ele se sentisse péssimo. Ter deixado a Paramount após tantos anos também pode ter contribuído para aumentar sua angústia. Era sua casa, onde se sentia bem e tinha conhecidos. Enfim, são inúmeros fatos que podem ter contribuído. Apesar de aclamado, entregou-se logo cedo às bebidas, o que explica seu rosto inchado dos últimos anos.
Os holofotes se apagam sempre que se chega em seu lar. Provavelmente o ator sofria de depressão, em uma época que não era comum se tratar. E quantos não sucumbiram a isso? Ter trabalhado e construído um grande império, ter educado seus filhos, tido sorte no amor e criado um nome não foram obstáculos para que a doença se alojasse. Ter uma esposa presente, embora muitos apontem sobre seu excesso de zelo, não adiantou. O fato é que somente eles sabiam como era seu relacionamento, que como qualquer um, devia ter seus altos e baixos. O homem de 50 anos continuava a ser o mesmo menino inseguro de tantos anos antes. Durante uma entrevista, ao ser perguntado se mudaria algo em sua vida, ele respondeu: tudo.
Fontes:
http://timesofoman.com/article/40602/Thursday/Alan-Ladd-and-June-Allyson-lovestory-:-The-dream-girl-Alan-could-never-forget
http://wheredangerlives.blogspot.com.br/2012/02/just-shy-of-respect-hollywood-life-and.html
http://projects.latimes.com/hollywood/star-walk/alan-ladd/
http://www.cmgww.com/stars/ladd/bio.htm
http://www.focusfeatures.com/article/alan_ladd_commits_suicide
Documentários:
Alan Ladd “Mysteries & Scandals” Producer Alison Martino
Alan Ladd: The True Quiet Man