Eu vi a estréia do cinema FALADO no Brasil!

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Vasculhando algumas revistas antigas, dei de cara com uma Manchete de 1977. Nela, o jornalista Raimundo Magalhães Júnior, que exercia a função de redator chefe, relatou como foi estar presente na primeira sessão de cinema falado no Brasil. Vale a pena ler seu depoimento que transcrevo abaixo:

“Tive a oportunidade de testemunhar a primeira sessão de cinema falado realizada no Rio de Janeiro. O filme escolhido fora uma produção musical da Metro Goldwyn Mayer, Broadway Melody/Melodia da Broadway, com Charles King, Anita Page e Bessie Love, os dois primeiros inteiramente desconhecidos no Brasil. Bessie vinha do cinema silencioso, em que aparecia como atriz dramática.

Imagem de The Broadway Melody (1929)

A estréia, em espetáculo de gala, no Palácio Teatro, fora anunciada com tanto estardalhaço pela Companhia Brasileira de Cinemas que embarquei de Campos para o Rio de Janeiro, a fim de estar presente. Eu dirigia, na ocasião, o principal jornal campista, Folha do Comércio. E quis dar a novidade aos meus leitores. Entretanto, não havia ingressos à venda. Toda a casa fora destinada a convidados de Francisco Serrador. Tive de usar um estratagema para obter ingressos. Apresentei-me como um grande exibidor do norte do país, onde sabia que os filmes distribuídos por Francisco Serrador não chegavam. Combinamos um almoço de negócios para a semana seguinte e ele me deu nada menos que um camarote, de onde eu vi, bem próximo, o cavanhaque já embranquecido do presidente da República, Washington Luís.

Uma grande orquestra, com músicos trajados a rigor, foi regida por um maestro baixinho, que suponho ter sido Francisco Braga. Mas não me recordo bem de sua figura, quase todo o tempo de costas para o público. Começou depois o filme, excessivamente dialogado, mas com uma intriga banal de bastidores, que poderia ser facilmente acompanhada pelos espectadores com auxílio de algumas legendas. A canção tema do filme, interpretada por Charles King, imediatamente ficou popular. Ele era um cantor de voz abaritonada, um pouco do estilo de Frank Sinatra. Coitado: ficou prisioneiro desse sucesso e nunca mais fez nada que valesse a pena.

Doze anos depois, fui a um cabaré em Nova York, The Diamond Horseshoe, que no seu show da meia noite costumava apresentar artistas de cinema em decadência. O apresentador anunciou primeiro Nita Naldi, declamando o que teria sido o diálogo das cenas de amor nos seus filmes silenciosos com Rodolfo Valentino. Depois, apresentou Mae Murray dançando a valsa da Viúva alegre, com um jovem bailarino de salão. E, por fim, encerrando tudo, Charles King, calvo, com dupla papada, cantando Broadway Melody.”

Por R. Magalhães Júnior.

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