Ruth De Souza completa 96 anos: Nosso Muito Obrigado ao seu Pioneirismo e Garra

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Primogênita de três filhos, Ruth Pinto de Souza nasceu no Engenho de Dentro (Rio de Janeiro) em 12 de maio de 1921. Viveu porém, seus primeiros anos em Minas Gerais. Aos 9 anos perdeu o pai, e a família seguiu para o Rio, onde ela cresceu em uma vila de lavadeiras em Copacabana.

O amor pela interpretação começou ainda na infância, quando ela teve contato com o cinema e o teatro. Foi o filme americano “Tarzan, o Filho da Selva” (1932) que despertou nela o desejo de entrar par ao meio. Também assistia a algumas peças no Teatro municipal. Um dia leu uma reportagem na revista Rio sobre um grupo de atores negros que compunham o grupo Teatro Experimental do Negro (TEN), sob a batuta de Abdias do Nascimento desde 1944. Ao procurar o ativista, entrou no grupo e teve sua primeira oportunidade. Naquele período ela não sabia, mas entrava definitivamente para a história.

Ruth de Souza, Abdias Nascimento e Reneé Ferreira em ensaio de Auto da Noiva, no Teatro Fênix, Rio de Janeiro, 1946.  Acervo Ipeafro 

Em 1946 ela faria um marco, ao se tornar a primeira atriz negra a se apresentar nos palcos do Teatro Municipal do Rio de Janeiro com a peça “O Imperador Jones”. O grupo seguiria se apresentando com vários sucessos. Imaginem o quanto foi difícil naquele momento. Antes disso o que ocorria era a apresentação de atores brancos pintados de negros (blackface), e apresentando personagens de maneira estereotipada. Paralelamente ela receberia propostas para iniciar uma carreira cinematográfica. Finalmente em 1948, foi indicada por Jorge Amado para “Terra Violenta”, adaptação para as telas de seu livro Terras do sem Fim.

Como Sabina em Sinhá Moça (1953)

O teatrólogo e diplomata Pascoal Carlos Magno, ciente do talento da amiga, a indicou para uma bolsa de estudos nos Estados Unidos. A atriz revelou que tinha muito medo de enfrentar um duplo preconceito: por ser negra e por ser brasileira. Mas incentivada por outros amigos como Nelson Rodrigues, resolveu aceitar essa oportunidade. Em sua bolsa, uma carta de Vinícius de Moraes, que indicava alguns nomes de amigos em Whashington que poderiam lhe ajudar caso precisasse. Ela jamais precisou.

Um encontro de mestres: Ruth de Souza e Grande Otelo, em 1953 (Foto – Acervo UHFolhapress)

O diretor brasileiro Alberto Cavalcanti seria o responsável por sua contratação para a Vera Cruz. O diretor consagrado na Europa desejava formar uma equipe poderosa para a nova companhia que visava fazer filmes de qualidade e com um padrão invejável. Era um projeto ambicioso, mas diversos problemas financeiros e técnicos fizeram com que ele durasse apenas entre os anos 1949 e 1954. Seguiram-se vários outras participações em filmes como Ângela (1951) e Terra É sempre Terra (1952). Sinhá Moça (1953), que trazia no elenco Anselmo Duarte e Maria Fernanda, marcaria um ponto chave de sua carreira. Com sua participação, a atriz foi indicada ao Leão de Ouro no Festival de Veneza.

Ruth de Souza recepciona Debbie Reynolds em visita a Vera Cruz

Atuando em vários ramos da dramaturgia, Ruth também participou de várias radionovelas e teleteatros, sempre trazendo a marca de sua competência. Nos anos 60 começaria a se dedicar à televisão, canal pelo qual se tornou mais conhecida. Vieram contratos para a TV Excelsior e posteriormente a Rede Globo. Neste quesito, Ruth também se tornou uma pioneira, sendo a primeira atriz negra a ser protagonista em uma novela. Foi em A Cabana do Pai Tomás (1969).

Ruth de Souza em A Cabana do Pai Tomás (TV Globo, 1969)

Ruth relembrou em algumas entrevistas o quanto teve que se superar para vencer todos os obstáculos, e tem plena consciência de sua importância na luta contra os estereótipos sociais no Brasil. Como ela conseguiu? Ela mesma explica na entrevista concedida à UOL:
“É que eu sempre briguei e cobrei muito de todo o mundo para ter espaço. Mas foi a Janete Clair e o Dias Gomes que deram a mim e ao Milton Gonçalves a oportunidade de fazer todo o tipo de trabalho. Antes deles, era só a negra gorda alegre, feito a empregada do ‘…E o Vento Levou’. Havia muito disso no teatro, antes da televisão e do cinema. E mesmo Hollywood, só depois que Hattie McDaniel ganhou o Oscar que isso começou a mudar. Antes, os negros eram mostrados de forma ridicularizada.”

Foto 19.out.2009 – Gianne CarvalhoFolhapress

Nos tempos em que iniciou na televisão, ela também reclamou sobre a forma como os negros eram retratados, e os papéis destinados a eles. Falou em uma entrevista que quem deseja se destacar deve sempre se impor:
“o ator negro tem que se impor, senão ele fica fazendo eternamente o serviçal. Há muitas atrizes negras que aceitam papéis de serviçais e não conseguem questionar o autor (…) fiz bons papéis porque quando cheguei à televisão eu já tinha reconhecimento, e tinha feito bons papéis no cinema”.

Conciliando tv, cinema e teatro, se transformou em uma das maiores atrizes de nosso tempo. Mas os caminhos não foram tão fáceis. Se em nosso tempo ainda lutamos para combater o racismo, nas décadas em que Ruth iniciou e seguiu sua carreira era ainda mais difícil. Ela se superou? Sim, e a isso somos muito gratos. Mas não deveria ser tão difícil assim. As pedras que a grande atriz teve que levar durante décadas deveriam ter sido menores. Mas maior que eles foi sua vitória em personagens que ficaram marcados por sua competência.  Por toda sua trajetória, talento e luta, nosso eterno obrigado à icônica Ruth de Souza.

Fontes: Ruth de Souza, 95 anos: Sou a atriz negra e coadjuvante ganhando homenagem…Ruth de Souza se emociona com homenagem do ‘Vídeo Show’Biografia de Ruth de SouzaOUTROS DIAS DA MULHER: Ruth de Souza foi a primeira atriz negra a atuar no Municipal do RioCinema brasileiro homenageia Ruth de Souza, a primeira atriz brasileira indicada a um prêmio internacional de cinema e a primeira atriz negra protagonista de uma novela no BrasilTeatro experimental do negro: trajetória e reflexões.

 

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