Taxi Driver (1976)

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“A solidão me perseguiu em todos os lugares… em bares, em carros, calçadas, lojas… em tudo. Não há como fugir, sou o solitário do Senhor.” (Travis)

A solidão que aflige todo o ser que vive nas grandes cidades tomadas de gente, mas cada qual em seu mundo. Aquela que chega nos momentos quando as pessoas já não estão mais lá para fazer-lhe companhia e dar-lhe a falsa impressão de que não se está sozinho. A frustração de ver seus sonhos inacabados. A falta de esperança causada pelas derrotas constantes. Uma vontade de encher seus dias e noites, para que a cabeça não pense. E ver que, mesmo assim, idéias causadas pela solidão, lhe chegam aos montes. Victor Hugo diz que todo inferno está contido na solidão. Parece que sim. E é essa a imagem que vemos, desde o princípio em Travis Bickle, personagem de Robert De Niro em Táxi Driver.

Travis inicia sua jornada empregando-se como motorista de táxi, procurando com isso encher seus dias e noites insones com o trabalho, tentando ocupar a mente, que aos 26 anos, apresenta-se já deteriorada. Parece ser um homem sem passado, e é esse vácuo de informações que nos deixa um pouco perdidos, logo de início, acostumados que estamos a torcer ou não por uma personagem. Ele testemunha a decadência de Nova York, com seus marginais, a violência de suas ruas, as prostitutas indo e vindo e a sujeira, que lhe entope o nariz e a existência. O motorista parece gritar em seu silêncio, o mundo parece passar rente à sua existência e a comunicação ser a sua maior dificuldade: no mundo das grandes cidades aprende-se a calar quando se está só e a evitar as palavras quando se está acompanhado.

Para melhor conduzir-se na vida, Travis inventa um mundo paralelo, onde ele imagina pertencer a um serviço secreto e diz ter sido fuzileiro naval. Para os pais, única amarra com um passado existente, escreve que está bem, feliz! Que namora uma garota chamada Betty e não pode divulgar seu endereço. A única verdade é que ele preenche seu escasso tempo livre com filmes pornôs e bebida.

Betty (Cybill Sheperd no auge de sua beleza) surge como uma garota que trabalha no Comitê de um elegível a Presidente dos Estados Unidos chamado Palatine. E quando o motorista vê aquela mulher, aparentemente tão sozinha apesar de forte, a chama para fazer parte de sua vida. Intrigada, ela aceita seu convite para um Café, e posteriormente um cinema. Porém, equivocadamente, ele acaba levando-a, logo no primeiro encontro, a assistir a um  filme pornográfico. Ela sai do cinema assustada e ele frustrado; Betty até que se interessou pelo homem, achando mesmo que os dois, em suas solidões pudessem unir-se. Travis, depois disso julga ser ela igual a tantos outros. O erro dele talvez tenha sido a ingenuidade, apesar de tudo, o querer que ela adentrasse demais em seu mundo e sua rotina que ele julgava normal. Ou talvez a loucura eminente, nunca se sabe. Depois da decepção, e por um motivo nem um pouco claro, ele passa a planejar o assassinato do candidato a Presidente, a quem ela apóia. Compra não uma, mas quatro armas e passa a preencher boa parte do tempo a planejar, treinar e ensaiar seu grande triunfo.

Em uma das suas viagens de táxi, ele conhece aquela que, depois de Betty, seria sua próxima obsessão: uma jovem prostituta entra em seu táxi, buscando auxílio, pedindo para ser levada para longe dali. Seu cafetão acaba por retirar-lhe, jogando uma cédula no táxi. Travis vai embora, mas o acontecimento não é esquecido… Mais tarde ele retorna para falar com o cafetão e encontrar a garota, e verifica que a mesma é apenas uma criança de 12 anos. Passa então a tentar salva-la do que acredita ser sua destruição: uma vida permeada pela prostituição e vazia. Embora Íris (Jodie Foster) lhe afirme que é feliz daquela forma, ele não acredita. Julgando-se um herói, que pode fazer a justiça com as próprias mãos, ele irá tentar tira-la daquele caminho, a incluindo nos seus grandes planos de “salvar o mundo” de toda a sujeira existente. Os diálogos com Travis são sempre tão inesperados, nunca sabemos como irá terminar…

Devo confessar que boa parte do filme, passei a aguardar a chegada de Jodie Foster, tão aclamada como a jovem prostituta salva por Travis. Confesso que me frustrei um pouco, não pela nobre interpretação de tão jovem atriz à época, mas pela falta de envolvimento aparente das duas personagens. Na verdade, o envolvimento dos dois acaba resumindo-se a dois encontros, um no quarto em que ela se prostitui, outro em um Café, o que talvez não indicasse tamanho envolvimento capaz do que viria a seguir, talvez só justificável a uma mente doentia como a de Travis que, cansado de somente ver e se indignar, resolve ele mesmo tentar fazer algo para que a cidade seja limpa.

Táxi Driver alcança um desenvolvimento lento, e parece desenvolver um certo ritmo mesmo somente nos 10 minutos finais, em suas cenas ápices, o que, imagino, faça com que muitas pessoas desistam de assisti-lo. Mais uma prova inequívoca que o melhor está guardado para o final.

Hitchcock, faz uma participação, como um passageiro traído por sua esposa, o filme contou ainda com a ótima trilha sonora de Bernard Herrmann (sua última trilha, pois o mesmo acabou morrendo após isso) e ganhou prêmios significativos como a Palma de Ouro em Cannes, BAFTA e Oscar de melhor atriz coadjuvante para Jodie Foster e Oscar de melhor ator para Robert De Niro, dentre outros. Parece mais um filme para ser cultuado por alguns amantes do cinema, pois mostrou de forma crua, uma realidade há tanto tempo maquiada: a realidade da vida, norteada por loucos, revolucionários, a sujeira eminente do mundo e a sensação de que algo pode ser feito.

Travis faz parte da galeria de personagens, que, como Blanche duBois (Uma rua chamada Desejo) e Jane Hudson (O que terá acontecido a Baby Jane)  carregam em si uma carga pesada da consciência, convivendo entre o mundo real e o imaginário, causando a todos ao redor uma estranheza, tão comum àqueles que não entendem o que pode causar a insanidade, tornando-se com isso, tão importantes e inesquecíveis, em sua tormenta e loucura.

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