A autobiografia de Brigitte é um livro interessantíssimo — e suas seiscentas e seis folhas, são poucas para uma personagem tão fascinante. Bardot relata do instante do seu nascimento até o momento em que decide largar o cinema e dedicar sua vida em prol dos animais. Cada capítulo é aberto e fechado com uma reviravolta. As fotos — poucas — são imperdíveis. Inevitável é, digressões da autora entre um parágrafo e outro — mas, quem sou eu para culpá-la. Sofro do mesmo mal.
Brigitte conta detalhes da sua infância que são de assustar. As neuroses de seus pais, com relação aos germes — a maioria do tempo a casa permanecia fechada, para que evitar que eles contraíssem doenças, não podiam ter gatos ou cachorros — juntamente com Mijanou, sua irmã mais nova —, a usar, mesmo durante o verão, camisetas e calcinhas de lã, obrigada era. E se o lençol da cama tivesse com uma dobra mal feita, apanhavam sem dó nem piedade.
Certo dia, em meio a uma brincadeira, ambas quebraram um vaso que estava na mesa. Condenadas foram, a nunca mais, chamarem seus progenitores de papai e mamãe pelo resto dos seus dias:
“Recebemos cada uma dois tapas na cara! […] Mamãe, fora de si, fez cair sobre nós uma sentença, curta, seca, sem apelação e determinante: ‘A partir de agora, vocês não são nossas filhas, são estranhas e, como pessoas estranhas, quando falarem conosco devem dizer: senhor e senhora. Não se esqueçam também de que nada daqui lhes pertence, que está casa não é de vocês…”.
As brigas dentro do seu lar, a tentativa de suicídio de seu pai, as reuniões no final do ano, o sarcasmo e falsidade por parte dos adultos, são descritos de forma assustadora. Também como, o porque dela detestar arte africana e egípcia.
Mas em meio a isto, Brigitte relata como descobriu a dança — entre os anos de guerra —, sua primeira paixão, e os momentos ao lado da melhor amiga Chantal e avós amoráveis.O tempo vai passando, e a pequena, procura seu lugar no mundo, até que, convidada é para fazer a capa de uma revista. Se não fosse a intervenção de seu avó, provavelmente, ela jamais teria conseguido fazer uma capa, visto, seus pais serem contra, já que “modelos e atrizes, não passam de mulheres de vida fácil”.
Outra cena inusitada é quando ela e Vadim — primeiro marido e namorado —, chegam uma hora mais tarde em casa:
“Tendo chegado depois de meia-noite, meu pai, branco de cólera, esperava-nos de pé na estrada.
— De onde vêm vocês, a esta hora?
— Do cinema — Vadim responde.
— Do cinema […] Você está zombando de mim! Não se leva duas horas para vir do Champs-Elysées!
— Viemos andando devagar.
[…] Meu pai sacou então um revólver de seu armário, apontou-o para Vadim e disse:
— Amiguinho, eu o previno de que se você tocar em Brigitte, eu o mato!
Mamãe chegou justamente naquele momento, só de roupão. Tomou o revólver das mãos de papai […] Mas, por sua vez, ela o apontou para Vadim e gritou:
— Se meu marido não tiver coragem de matá-lo, eu é que o farei!
A célebre atriz, conta o quanto sofre uma iniciante na profissão, na mão de maquiadores, cabeleireiros, diretores e produtores.
Em meio a um dos seus primeiros filmes, descobre-se grávida, e como toda mulher, sente enjôos constantes.
O produtor Jacques Bar aproxima-se dela, com um charuto e indaga com cinismo:
— O cheiro do charuto não incomoda?
— Incomoda sim, senhor, não estou me sentindo muito bem — responde, mesmo com medo de perder o emprego.
Recebe então uma baforada no rosto, e escuta dos lábios deste:
— São os ossos do ofício.
Logo depois, Bardot faz o primeiro de seus abortos.
Até ser considerada como uma atriz, ela passou por todos os trâmites que uma profissional da área passa.
Adulta, acompanhamos como surgiu …E Deus Fez A Mulher. As noites que passa sozinha em casa, com sua cachorra Guapa, enquanto Vadim se diverte com prostitutas, jogatina e bebida.
A vida amorosa de Bardot é um desastre — algo assim, trágico, só mesmo a de Rita Hayworth ou Lana Turner. Seu único encontro com Marlon Brando, também.
Famosa, vê-se cercada pela imprensa. Devido sua atuação em …E Deus Fez A Mulher e seu envolvimento com um homem casado, vira símbolo da luxúria. Uma foto sua é colocada dentro de uma igreja para representar o pecado da carne.
Outros fatos interessantes: seu encontro com Picasso e Marilyn Monroe. Sua aparição na estréia de …E Deus Fez A Mulher em Cannes, sendo que, tomara remédios para manter-se em pé, visto ter sofrido dias antes, uma hemorragia. Traições por parte de seu secretário, tentativas de suicídio.
O Brasil ganha destaque nas memórias da francesa. Segundo seu relato “o povo é maravilhoso, alegre. Trata-me com respeito, todos me cumprimentam nas ruas, e não fazem piadinhas”. E suas tardes ao lado de Jorge Ben Jor, são inesquecíveis “cantando bossa-nova e rindo muito”.
O filho Nicolas, também é destaque na sua autobiografia.
Um único arrependimento que surge em meio as suas memórias, o de ter preferido a carreira, do que continuar casada com Jean-Louis Trintignant, ao qual declara “ser o grande amor da sua vida”. Transcrevo o último encontro do casal:
“No primeiro dia de filmagem, cheguei nos estúdios de Boulogne um pouco nervosa. Despenteada, de óculos escuros, carregando minha sacola, um pouco atrasada como de hábito, eu corria pelo corredor, quando dei um encontrão em alguém.
— Desculpe — e quase desmaiei! Era Jean-Lou, que eu não tinha mais visto desde… desde a nossa separação.
— Como vai?
— Eu estou bem.
— Está filmando aqui?
— Sim, estou.
— Bom, então, tchau!
— Tudo bem, tchau…
[…] Subi a escada como uma sonâmbula.
Eu o amei tanto, eu o amava ainda, mas não pude lhe dizer isso, estava comovida demais, apressada demais, e ele também. E, além do mais, eu estava feia com os meus óculos, sem artifício de qualquer espécie. Isso aconteceu no mês de maio de 1961.
Nunca mais voltei a vê-lo”
Para encerrar sobre o livro, gostaria de destacar somente mais um parágrafo, dos inúmeros que este contem — todos interessantes:
“Alain Delon me irritava muitíssimo.
É preciso dizer que naquela época ele era odioso, só pensava no azul dos seus olhos, na sua carinha bonitinha e jamais na sua parceira […] Não me olhava nunca nas cenas de amor, mas para os refletores colocados atrás de mim para ressaltar o azul dos seus olhos […] O coquetel Delon-Bardot revelou-se insignificante…”
Por Ricardo Steil
O livro encontra-se fora de catálogo. Mas você pode encontra-lo na Estante Virtual. Clique no link para ser redirecionado: