A primeira vez que entrei em contato com esse documentário começava a conhecer Charles Chaplin. Na época, década de 90, não havia ainda as facilidades de encontrar material como conhecemos hoje através da internet. As alternativas eram os velhos livros e alguns filmes lançados. Os canais abertos pouco a pouco tiravam os clássicos de sua grade e as opções eram as locadoras ou amigos que emprestassem algum. E foi através de um deles que eu assisti ao documentário que mudou minha concepção sobre Chaplin, e posso dizer, sem sombra de dúvida que ajudou a formar o meu desejo de ver seus filmes.
O Chaplin Desconhecido (ou O Chaplin que Ninguém Viu) foi lançado em VHS no Brasil em 1983 e se tornou item raro de colecionador. Consegui essa cópia por volta de 1994 e revi inúmeras vezes. Com ele aprendi sobre suas técnicas diferenciadas de direção, descobri os segredos de seus filmes ocultos e me lamentei do tanto que foi perdido a pedido do próprio diretor. Era costume da época queimar os negativos de cenas não utilizadas, já que para eles tinham pouca importância.
Por sorte algumas foram guardadas e ao saber disso, David Gill e Kevin Brownlow sabiam que tinham em mãos ouro. Mas não foi fácil convencer os detentores dos direitos sobre a obra e ter acesso aos arquivos guardados na mansão do diretor, em Vevey. Mas após muita luta, o resultado foi fantástico.
Com material de sobra eles entraram em contato com antigos colaboradores do ator, como Jackie Coogan (o eterno garoto de The Kid, que testemunha sobre os métodos de direção e o respeito que o diretor nutria por ele), Lita Grey (segunda esposa que mesmo tendo um relacionamento conturbado com o diretor, aceitou falar sobre como o conheceu), Georgia Hale (que relembra o romance que teve com Chaplin e de como ele insistiu para que ela assumisse o lugar de outra atriz em Luzes da Cidade) e a Virginia Cherrill (que teve problemas durante a produção de Luzes da Cidade e falou sobre a famosa crise que ele teve durante as filmagens, passando meses sem filmar).
O documentário é composto de três partes, cada uma retratando um período da carreira do diretor e traz uma visão formidável de seus métodos e como ele guardava idéias não utilizadas, trazendo-as de volta em outros momentos. Um deles foi a cena do globo que ele fez durante uma de suas filmagens caseiras e acabou utilizando no sucesso O Grande Ditador.
Perfeccionista, Chaplin repetia suas cenas inúmeras vezes, o que era extremamente dispendioso num período em que os rolos de filmes eram muito caros. Na entrevista com Kevin Brownlow, ele entrega que o diretor ensaiava com a câmera ligada, um método que ele trouxera dos palcos, quando repetiam inúmeras vezes as cenas que iriam interpretar, mas imensamente trabalhosa para o cinema, que naqueles tempos tinha como ordem a economia.
Mas o que espanta realmente é a quantidade de bom material, cenas inteiras, que ele não utilizou em seus filmes. Gags completas, retiradas por motivos particulares ou por não combinarem com o roteiro final da película. Isso se dá porque diferente de outros cineastas, Chaplin raramente começava um filme com um roteiro pronto. Suas histórias iam se desenvolvendo à medida que ele ensaiava com seus atores.
Em alguns desses outtakes, ele surge mal humorado quando nada parece dar certo ou estraga ele próprio as cenas quando não consegue parar de rir de suas próprias piadas. O documentário é um material rico e um testemunho da grandeza do diretor inglês e narrado por James Mason. E traz doces recordações sobre grandes parceiros seus como Edna Purviance, Eric Campbell, Albert Austin e Henry Bergman, a turma de seus melhores dias.
Foi com grande surpresa que recebi a notícia que finalmente o documentário seria lançado em DVD no Brasil através da Obras Primas do Cinema. E a distribuidora deu um carinho imenso ao lançamento, trazendo ainda 30 minutos com uma entrevista exclusiva com Kevin Brownlow , além de um belo poster. Um grande presente para os cinéfilos e para aqueles que desejam conhecer um pouco mais além dos filmes. Sem dúvida o maior lançamento do ano.