Observem essa jovem mulher na foto abaixo. Ela posa para fotos a pedido dos estúdios. Ela não está feliz. Mas busca um lugar ao sol num campo tão minado quando Hollywood. A jovem tem experiência nos palcos e começa a perceber que na área que tem talento, ter apenas ele não lhe abre espaços.
Os cabelos clareados, a face jovial e a maquiagem carregada tenta carregar em um estilo que ela não possui por natureza. Ela, como tantas outras, seria mais vista pelo que visualmente poderia oferecer do que por qualquer outro motivo. Como se ser mulher, inteligente e encantadoramente inteligente fossem qualidades que não pudessem compor uma artista completa.
Bette, esteticamente, não tem nada de extraordinário, não é uma mulher feia, tem seu charme, mas tentaram nesse momento transformá-la em uma starlet, clalearam os cabelos, exageraram nas maquiagens, deram-lhe poses que evocavam desejo. Em busca de caminhos que se abrissem ela saiu fazendo todo tipo de trabalho que lhe ofereciam embora sentisse uma ojeriza crescente quanto a isso.
O tempo dedicado, os estudos e um talento nato fez com que percebesse que mesmo que quisesse, não conseguiria ser o que os estúdios queriam: apenas uma mulher fatal dentre tantas fatais. O fruto proibido em um mundo feito para homens exigentes e que não se preocupavam em ser belos. Eles nunca tiveram esse fardo de serem perfeitos. Ter um falo lhes garantia já um bom espaço. E se tivessem talento ou carisma, estavam feitos. Apenas vejam o cenário de galãs que temos na década de 30 e percebam a disparidade na exigência física entre os sexos.
Incrível que as pessoas comecem justamente a taxa-la de uma pessoa de difícil convivência, exigente, chata e péssima para trabalhar quando passou a exigir melhores trabalhos e perceber que não era apenas uma imagem que queria passar. Nesse ponto preciso abrir um parênteses para lembrar algo: Há também um traço extremamente desconhecido de Bette Davis: desde muito jovem ela precisou sustentar uma casa, um marido que vivia às suas custas, uma irmã doente que necessitava de cuidados especiais (e de quem ela cuidou até o final), uma mãe que jogava-lhe na cara que investira todo seu suor para transforma-la em estrela. Uma típica mãe que investira seus sonhos frustrados, queria receber a parte que achava que era devida. Em público Bette raramente falaria sobre isso.
Bette, ao contrário, era extremamente simples desde o modo de vestir até em se contentar com pouco. Sua casa era extremamente simples. Enquanto sua mãe esbanjava em roupas e morava confortavelmente em uma grande mansão. Mais velha, a atriz também arcou com as despesas de uma filha que adotara e tinha problemas mentais. Ou seja: ela não tinha muito tempo de pensar. Ela tinha que agir. Tinha muitas bocas para sustentar. Nem falarei da questão da filha Barbara, que a caluniou já no final de sua vida e já amplamente tratada aqui neste post.
A mulher só tinha uma saída em sua vida: se tornar uma vítima ou lutar para sustentar a todas essas pessoas. Isso foi a fortificando ao longo da vida, e explica sua luta posterior por melhores papéis enquanto a fama estava à frente e mais tarde aceitar o que viesse pela frente (pagar contas e boletos são necessários). O que tenho observado e tenha mudado minha maneira é o quanto mulheres que conseguem ser fortes começam a ser vistas como vilãs. Assim foi com rainhas (quem puder assista ao documentário She-Wolves: England’s Early Queens, disponível na Netflix, assim foi com mulheres.
A série me abriu o olho sobre esse tema e me fez ver que mulheres que lutam por seu lugar são sempre vistas como vilãs. Essa Bette sem papas na língua que vocês conheceram nada mais é do que uma mulher que teve que se armar para sobreviver. E lutar até o fim, trabalhando até o final de seus dias e carregando nos ombros o peso de ser A Malvada, mesmo sem o ser. Reveja seus conceitos. Somos frutos de nossas experiências. Bette Davis tentou até o final fazer o seu melhor. E não decepcionou: