Existirá outra Marlene Dietrich?

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Por Paula Palmieri
Poucos sabem o valor dela, um dos maiores mitos cinematográficos do Século XX, talvez o maior. Vou então, refrescar a MEMÓRIA:

– Foi uma das primeiras mulheres a usar calças publicamente;

– Abertamente bissexual, não seguia as imposições da indústria cinematográfica;

– Lutou bravamente contra o nazismo, recusou-se a ser o maior nome do cinema nazista e as propostas de Hitler, chamada de “traidora da pátria” por ele;

– Escondeu judeus e intelectuais perseguidos pelo regime de Hitler em sua própria casa e depois ajudou a arrumar vistos e passaportes para que pudessem fugir;

– Foi a primeira mulher com cidadania americana a entrar na Berlim arrasada do pós guerra;

– Posicionou-se contra o silêncio e o “não sabíamos de nada” da Alemanha e seu povo: “Como não sabiam de nada, se os trens para os campos de concentração passavam atrás de suas casas?”

– Primeira mulher a gravar Bob Dylan, com suas versões em francês, alemão e em inglês de “Blowing The Wind”, uma das músicas de protesto de maior importância;

– Gravou também outras duas músicas de suma importância anti guerra “Lili Marleen” e “Where Have All The Flowers Gone?” esta em francês, inglês e alemão, música de Pete Seeger que compôs fazendo alusão à músicas folclóricas dos cossacos, e que até hoje é o “hino” da estupidez dos confrontos de guerra;

– Na Guerra Fria posicionou-se radicalmente contra a política belicista norte americana, denunciando a hipocrisia dos governos e condenando a guerra da Coréia, depois a do Vietnã e transformou-se nesta época no maior monumento vivo de luta anti guerra;

– Propôs que matassem Lindon Johnson, então presidente americano que insistia em manter a guerra do Vietnã. Foi presa e processada, depois “expulsa” de solo americano como “persona non grata”, indo morar na França, onde continuou suas lutas, gravando inúmeras canções de protesto…

– Fez inúmeros filmes interpretando personagens femininas fortes e sexualmente a frente de seu tempo, que não tinham o moralismo imposto pelo casamento e o lugar da mulher como dona de casa;

– Em 1961, interpretou “Julgamento em Nuremberg”, que atualmente é filme de grande ousadia por ser o primeiro a criticar o regime nazista;

– Em uma visita a Berlim em 1965 (Desde que saiu de lá em 1929), desembarca em aeroporto, com vários grupos neonazistas que “a recepcionaram” gritando: “Traidora! Traidora!”

– Volta aos EUA, em l975, onde fez seu último show, em um Carnagie Hall lotado que pagou caríssimo pelo seu espetáculo, no meio de seu hino romântico “Falling In Love Again”, manda o maestro parar e, perante um público perplexo, diz : “Maestro, vamos parar com essas bobagens amorosas, esqueci que estamos perante o povo mais arrogante e belicista do mundo! Vamos partir para umas barras bem mais pesadas! E atacou de “Where Have All The Flowers Gone”;


Foi embora no dia seguinte, para nunca mais voltar. Mas, no aeroporto ainda disse, perante a mediocridade das perguntas dos repórteres ( “Quantos anos a senhora tem?” “Quantos netos a senhora tem?” “O que faz para não envelhecer?”): “Como vocês, americanos, são medíocres! Vocês têm dois cérebros, não é? um na cabeça, outro no lugar do coração! Aliás, o que é que eu posso esperar de um país que nem Ministério da Cultura tem?”

– Cantou na Rússia, em plena guerra fria e em todo o Leste Europeu. Em Jerusalém, foi proibida de cantar em alemão, não obedeceu: cantou 10(!!) músicas. E na Alemanha, pediram que não cantasse em hebraico. E, sob bombas no teatro onde se apresentava e chamada de “traidora”, cantou então em iídiche, gravando, inclusive a belíssima “Shir Hartan”….

Marlene tinha também as mais belas pernas da sétima arte de sua época, embora seus dotes físicos sejam insignificantes frente a tamanha trajetória de vida.


Ativista do anti semitismo, um mito do século passado, uma mulher a frente de seu tempo.

Uma atriz que tão maravilhosa como seu ativismo, não recebeu seu merecido valor, não é considerada uma das maiores lendas da história do cinema, nunca recebeu um Óscar, parece que o cinema norte americano faz questão de diminuí-la (ou por ser alemã, ou por não sucumbir as exigências dos padrões tanto cinematográficos quanto aos padrões de subserviência das mulheres da época e até décadas que vieram depois).

Acho que ela merece que nos lembremos dela, não?

Nunca, mas nunca mais mesmo existirá outra Marlene.

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