Orson Welles a definia como a mulher mais emocionante do mundo. E Eartha de fato era uma mulher incrivelmente talentosa. Uma cantora que emocionava plateias e uma dançarina que detinha o poder de fascinar seu público com danças sensuais.
Seu sucesso foi ainda mais estrondoso quando se tornou a Mulher Gato na série de TV Batman. Com isso se tornou a primeira mulher negra a interpretar o papel e ainda chocou a muitos quando sua personagem flertou com Adam West, o personagem principal.
Os dados sobre o nascimento de Eartha são bem confusos. Ela nasceu em St. Matthews, na Carolina do Sul em 17 de janeiro, mas não há certeza quanto ao ano. Pode ter sido 1926 ou 1927. Era filha de Annie Mae Keitt, mas foi abandonada pela mesma quando esta se casou novamente.
Eartha não sabia quem era o pai, somente que ele era branco. Isso fez com que fosse discriminada por seus parentes e pessoas próximas, que não a identificavam nem como negra nem como branca.
Sua infância foi marcada por maus tratos que eram tanto físicos como emocionais. Trabalhou na lavoura desde cedo, colhendo algodão. Com 8 anos de idade passou a morar com sua tia em Harlen. Começou a frequentar o coral da igreja e a fazer pequenas peças na escola. Sua tia queria que ela se tornasse pianista, mas a pequena odiava aquilo. Irada, a tia a expulsou de casa e Eartha passou a sobreviver como costureira.
A cantora declarou mais tarde: “Quando as pessoas chegam nos bastidores dos meus shows e dizem ser parentes meus, os descarto logo. Nunca esquecerei como meus parentes me trataram. Todo mundo me chamava de garota amarela e ninguém me queria, fossem brancos ou negros.”
Quando estava em uma rua foi parada por ninguém menos que a dançarina e professora Katherine Dunham. A professora estava procurando uma rua, mas achou a garota interessante e perguntou se não queria participar de sua escola de dança. Eartha tanto aceitou quanto recebeu uma bolsa de estudos e sua vida mudou a partir de então. Passou a viajar se apresentando em vários locais dos Estados Unidos e na Europa. Também participou do filme Casbah (1948) dançando.
Seguindo o fluxo, passou a dançar em boates em Paris e foi um sucesso. E foi lá que conheceu Orson Welles, com quem teria um romance anos mais tarde. Ela também se envolveu com o milionário Porfirio Rubirosa e passou a frequentar lugares elegantes e a ter acesso a um estilo de vida mais requintado.
No início da década de 50 retornou aos Estados Unidos, onde continuou uma série de apresentações em boates como a elegante The Blue Angel, em Nova York. Lá ela interpretava várias músicas lendárias como “C’Est si bon”. Os críticos se dividiam quanto se gostavam ou não se suas apresentações. Alguns criticavam seu tom de voz sugestiva, algo que incomodava os mais conservadores, com certeza.
Em 1956 estrelou ao lado de Elizabeth Welch um espetáculo que foi transmitido ao vivo no “Sunday Night Theatre”. Mais tarde Welch falou mal da colega, dizendo que ela não socializou com nenhum dos colegas e era impaciente com alguns, principalmente com a veterana Connie Smith. Smith tinha 80 anos e dificuldades em ler, e segundo Welch, Eartha foi extremamente grossa com a senhora.
Em A Marca do Gavião (1957) teve seu primeiro papel de destaque no cinema, seguido por St Louis Blues (1959) e Anna Lucasta (1959). Ela conciliava sua vida no cinema com suas apresentações em boates, além de participações em programas televisivos.
Outros romances incluem Charles Revson e o bancário John Barry Ryan III. Eartha se casou com o milionário John William McDonald em 1960. Os dois permaneceram juntos até 1965 e tiveram uma filha, Kitt McDonald.
Em 1967 foi convidada a fazer parte do elenco da série de tv Batman. Ela substituiu Julie Newmar e fez bastante sucesso. No ano seguinte ela passou a fazer parte da lista negra dos Estados Unidos quando durante um almoço na Casa Branca proferiu um discurso contra a Guerra do Vietnã.
Ela passou então a viver em Londres onde continuou trabalhando. Eartha falou mais tarde que, mesmo tendo a carreira prejudicada, jamais se arrependeu do que fez. Em 1974 ela vendeu seus autógrafos para construir escolas para crianças negras na África. Estava de fato sempre envolvida com alguma causa e ajudando os mais necessitados. Eartha também fazia apresentações beneficentes em apoio a organizações de HIV. Mais tarde também se tornou prota-voz da Unicef.
Foi somente na década de 80 que retornou aos Estados Unidos fazendo sucesso com seus discos. Sua carreira continuou na década de 90, recebendo uma indicação ao Grammy e se apresentando na Broadway. Na década de 2000, Já diagnosticada com câncer, continuava suas apresentações enquanto fazia os tratamentos.
5 anos após sua morte, foi publicada uma biografia chamada Mistress da América: Eartha Kitt, Her Life and Times, que foi escrita por John Williams. Nela, o jornalista revela que a atriz chorou bastante quando teve acesso aos documentos de seu nascimento e o nome de seu pai estava apagado. Essa revelação veio de seu filho Shapiro que disse em uma entrevista:
“Minha mãe tinha 71 anos na época e estava se aproximando do século 21, e mesmo assim eles estavam protegendo o nome do seu pai, embora ele estivesse claramente morto. Eles estavam protegendo o homem branco porque não teriam se metido nesse problema se fosse um homem negro. Os tribunais ainda consideravam legal reter a documentação e ficamos surpresos. Minha mãe presumiu que esse era o pequeno segredo sujo de seu pai”.
A cantora faleceu no dia 25 de dezembro em sua casa. Tinha sido diagnosticada com câncer de cólon e estava ao lado da filha.
Carregando a cicatriz da rejeição durante toda sua vida, Eartha muitas vezes era descrita como tendo uma reputação difícil. Mas pensando aqui, quantas mulheres que não eram descritas assim tão somente por ter posicionamentos definidos e não cederem facilmente ao que gostariam que fizessem? Eartha também teve uma infância difícil, tendo que sobreviver a várias dificuldades. Como exigir de alguém assim um posicionamento doce e passivo?