Fazendo uma pesquisa rapidamente aqui no setor onde trabalho, perguntei sobre quais atores os colegas lembravam do cinema mudo. A resposta foi unânime: Charles Chaplin. Eu poderia citar mais alguns, mas o fato é que fora do eixo de quem admira o cinema clássico, poucos realmente conhecem outros que brilharam àquela época. E haviam muitos. Um deles atendia por Lon Chaney, um homem conhecido por sua capacidade de se transformar em qualquer personagens. Sua fama nesse sentido era tão grande que um jargão comum era dito por todos: “Não pise naquela aranha! Ela pode ser Lon Chaney!”
Não foi por acaso que ele acabou sendo conhecido como O Homem das Mil Faces, título dado também a um filme em sua homenagem, lançado em 1957 e que trazia James Cagney no papel título. Durante a produção de algum filme, qualquer deles, o ator sempre chegava acompanhado de sua maletinha mágica. Nela estavam guardados os artefatos que o poderiam transformar em monstro, pirata, chinês, bandido ou vampiro. O estilo dos personagens, sua maquiagem e marcas seriam desenvolvidos exclusivamente por ele e de forma contínua durante toda a sua carreira.
Antes de mais nada é preciso que se diga que nada foi por acaso. Os pais de Leonidas Chaney eram surdos e tanto ele quanto os irmãos desde cedo aprenderam a se comunicar também na linguagem dos sinais. Seus avós criaram a primeira escola de surdos do Colorado em 1874. Com isso ele desenvolveu uma capacidade de percepção e sensibilidade que o ajudariam profundamente no futuro. Nascido em 1 de abril de 1883, aos 19 anos ele estreava nos palcos. E foi lá que ele desenvolveu e aprendeu a maioria dos segredos e truques que passaria para as telas. No início ganhava por volta de 3 dólares, e em 1904 colocou seu show na estrada. Foi nesse período que conheceu a jovem Cleva Creighton. E esse foi um capítulo interessante na sua vida.
Um Capítulo à Parte: Cleva Creighton
Procurei algumas imagens de Cleva Creighton, mas só encontrei essa pequena que coloquei aqui embaixo. Consta que a jovem de 15 anos tinha uma belíssima voz ~ era apresentada como “a garota com uma voz dourada” ~ tinha 15 anos e foi passou num teste para integrar a Companhia de Chaney. Os dois se casaram quando ela estava prestes a dar à luz ao único filho do casal, Creighton Tull Chaney, que mais tarde mudaria o nome para Lon Chaney Jr. Pouco tempo depois eles já estavam na estrada novamente. A paixão esvaneceu com tantas brigas, a maior delas ocorrida em 1913. Cleva tomou um frasco de veneno de forma dramática enquanto seu marido se apresentava, mas não conseguiu se matar. Mas as consequências foram fatais, já que o veneno danificou suas cordas vocais e ela não conseguiu mais cantar. O casamento também findara por ali, e o filho do casal foi recolhido a uma instituição.
Cleva saiu nos jornais por sua tentativa de suicídio e se afastaria definitivamente dos palcos, vivendo o resto da vida de maneira modesta. E enquanto a mulher experimentava seu inferno astral, via seu ex-marido subir ao estrelato e passaria anos sem conseguir ver seu filho. Nesse ponto não sei ao certo dizer que ela não via o filho por alguma proibição por conta do ator, mas o fato é que Chaney ganhou a custódia de Jr. assim que se casou com Hazel Hasting em 1915. Chaney nunca mais mencionaria o nome da ex-esposa até que poucos dias depois de sua morte Cleva soube que ele lhe deixou “um bilhete de um dólar para que ela gastasse como quisesse”. Ela gastou o dólar comprando flores e depositando sobre o túmulo do ex-marido.
Luz, Câmera, Ação!
O escândalo foi tão grande que Lon Chaney se retirou dos palcos e resolveu investir numa carreira no cinema após pedir o divórcio. O cinema caminhava a passos largos e iniciou-se aqui uma das carreiras mais legendárias do entretenimento. Num curto espaço de tempo entre 1913 e 1915, ele iria trabalhar em mais de 164 filmes. Pode ser que esse número tenha sido maior, já que muita coisa foi não foi documentada.
Poor Jake’s Demise (1913) marcou sua chegada às telas através da Universal, estúdio que ficaria posteriormente conhecido com filmes de terror/horror. O filme durante muito tempo foi dado por perdido até que em 2006 foi descoberta uma cópia de uma coleção privada. Espero que isso aconteça mais vezes, já que mais de 80% das produções no cinema mudo foram perdidas. Isso é desesperador.
Em 1918 ele tinha feito mais de 100 desses filmes e saiu da Universal após não conseguir um aumento. Resolveu trabalhar como freelancer. Ganhava cerca de 75 dólares por semana e fazia filmes também para a MGM e Paramount, salário que, com a fama crescente, aumentaria para 500. O público abraçara seus personagens e esperava ansiosamente por cada estréia, sem saber como o ator se caracterizaria. O ator, no entanto, permanecia vivendo modestamente, e gastando suas horas vagas com a pesca, seu hobbie preferido. Era avesso a entrevistas e raramente dava uma, preferindo guardar uma áurea de segredo sobre seus hábitos mais comuns. Preferia viver modestamente também por entender que a fama era algo passageiro.
Alguns de Seus Filmes Mais Marcantes
THE PENALTY (1920):
Assisti a esse filme recentemente e fiquei impressionada com a capacidade que ele tinha em ocultar suas dores. Também me questionei sobre os limites da arte. Vale mesmo a pena sofrer tanto em nome da arte? Para Lon sim. Aqui o ator interpretava um homem que teve as pernas amputadas durante a infância e se torna um bandido. Para realizar as cenas o ator amarrou as pernas para trás e colocou tocos para que pudesse andar de joelhos. Cada tomada tinha que ser feita rapidamente, já que as dores eram imensas. A provação dolorosa causaria transtornos até mesmo após o fim das filmagens, já que muitos vasos sanguíneos foram rompidos. Aqui nessa foto dá pra perceber o sacrifício que devia ser:
OLIVER TWIST (1922):
Lon surge como Fagin, personagem do famoso livro de Charles Dickens. Está ao lado do pequeno Jackie Coogan, que naquele ano fazia também um enorme sucesso graças ao The Kid, filme de Chaplin lançado em 1921. O filme foi considerado perdido até 1970 quando encontraram uma cópia na Iugoslávia.
O CORCUNDA DE NOTRE DAME (1923)
Baseado no romance de Victor Hugo, Lon Chaney surge como Quasimodo, o corcunda da catedral de Notre Dame, em Paris. Ele se apaixona pela bela cigana Esmeralda, mas devido à sua aparência, é desprezado por todos. Todos ficaram espantados com o resultado final de sua maquiagem como Quasimodo, pois parecia que o personagem pulara das páginas de Victor Hugo, já que Lon Chaney seguiu à risca a descrição do autor. O ator entregou um dos maiores desempenhos da história do cinema, ganhando fama mundial.
LÁGRIMAS DE PALHAÇO (1924)
É um filme poético e triste. Foi o primeiro que assisti do ator e teci o seguinte comentário no Filmow: Apesar de não entender o que faria uma pessoa gostar de ser esbofeteada pelo mundo, entendi certos pensamentos que ainda hoje parecem tão atuais como “como as pessoas gostam de rir de outras que apanham?”. E é bem isso mesmo. Mas em si é um filme triste, que me deixou ligeiramente angustiada. O Lon Chaney é sem dúvida um dos maiores de sua época. Esse filme foi aclamado pela crítica e foi o primeiro feito pelo ator para a MGM.
THE UNHOLY THREE (1925)
Dirigido pelo grande Tod Browning. Um ventríloquo, um anão e um halterofilista de circo formam um bando conhecido como “The Unholy Three” e cometem uma série de roubos. Lon Chaney interpreta o Prof. Echo, que vez por outra se transforma na Sra O’Grady:
O filme foi aclamado pela crítica e nomeado como um dos The New York Times como um dos 10 melhores filmes de 1925.
O FANTASMA DA ÓPERA (1925)
Conta-se que o espanto causado por sua presença na tela foi tão grande que muitos saíram da sala de cinema. E não foram só eles. Segundo o camaran Charles Van Enger, a atriz Mary Philbin não tinha ideia de como o fantasma era sem a máscara quando Chaney a tirou, e o espanto dela foi real. Para o personagem ele criou cuidadosamente detalhes do seu rosto. O mistério durante as filmagens foi tão grande que o público só veio descobrir a caracterização do fantasma quando o filme estreou.
O ator também usou efeitos das luzes e sombras a seu favor para destacar algumas áreas do rosto. Uma curiosidade: a cama do fantasma foi reutilizada por Gloria Swanson em Crepúsculo dos Deuses, vinte e cinco anos mais tarde. Várias sequências foram feitas em technicolor mas somente uma sobreviveu, justamente a que ele desce as escadarias do teatro.
O MONSTRO DO CIRCO (1927)
Também dirigido por Tod Browning. Tenho uma simpatia imensa por esse filme por um motivo específico: Joan Crawford aparece também nele, ainda no início de sua carreira. E como está linda. Lon traz mais um personagem com uma característica dramática. Aqui ele é um atirador de facas sem braços. Na verdade o homem tem braços, mas esse é um disfarce para fugir polícia. Bem, ele se apaixona pela bela Nanon (Joan Crawford) e faz uma das maiores trouxices da história do cinema: Nanon fala para ele o quanto se sente segura ao lado de um homem que aparentemente não pode lhe fazer mal, já que não tem braços. Querendo agradá-la, ele se submete a uma cirurgia para tirar os membros, descobrindo depois Nanon nos braços de outro.
VAMPIROS DA MEINA NOITE (1927)
Este filme encerrou a parceria do ator com Tod Browning e coloquei aqui por um detalhe significativo: ele está perdido, o que é lamentável, e acabou se tornando uma espécie de Santo Graal dos colecionadores. Há rumores que existe alguma cópia perdida por aí e enquanto existir esperança aqui estamos nós. Há rumores de que nos anos 50 ainda havia uma cópia do mesmo na MGM. Mas tal cópia teria sido destruída após um incêndio.
No entanto, tudo o que temos sobre Vampiros da Meia Noite são fotos. Chegaram inclusive a criar uma sequência em fotos do que teria sido o filme.
RI, PALHAÇO, RI! (1928)
Esse filme marca a estréia nas telas de Loretta Young em um papel de destaque, e traz Lon como um palhaço acrobático que resgata uma menina que foi abandonada pelos pais pobres. Ele resolve cuidar dela e a chama de Simonetta. Anos mais tarde ela se transforma em uma bela jovem e Tito se apaixona por ela. É estranho isso, não? “Ria palhaço, ria.. Ainda q seu coração esteja partido”. Fizeram um final alternativo e feliz, mas este foi perdido.
THE UNHOLY THREE (1930)
Este foi o último filme realizado por Chaney, que faleceu pouco tempo depois. Foi também a única oportunidade que ele teve de fazer um filme falado, interpretando um ventríloco e usando cinco vozes diferentes. Era uma prova irrefutável que o ator faria uma transição tranquila para o cinema falado. Uma das despedidas mais comoventes que já vi e uma de suas melhores performances.
Morte Precoce
Foi com surpresa que o público e colegas receberam a notícia da morte precoce de Chaney aos 47 anos. Seu último filme tinha estreado dois meses anos e o ator faleceu de um câncer na garganta. Sua estrela permaneceu acesa durante um bom tempo, influenciando vários que vieram após sua partida, principalmente o terror produzido pela Universal, pouco tempo depois. Ele morreu em uma época em que o cinema falado aparecia, varrendo a memória de tantos que brilharam no cinema mudo. E não foram poucos. Como eu citei acima, sua única experiência nos falados mostrava um potencial para uma carreira ainda longa. Uma pena para todos nós. Mas sempre há a oportunidade de rever seus sucessos e reavivar sua arte.
Referências:
http://www.imdb.com/name/nm0151606/
http://www.lonchaney.org/