O Cinema Indiano, os beijos e a Censura

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O cinema feito na Índia é conhecido por duas características: as músicas e a ausência de beijos. Os beijos, quando acontecem, são raros e rápidos, e cenas mais picantes são proibidas. Curioso para um povo que inventou o Kama Sutra.

O desejo é tratado através do simbolismo desde que foi implantado um censor para as cenas. Mas a verdade é que nem sempre foi assim. Curiosamente, poucos sabem, mas os filmes indianos eram mais ousados durante sua fase nascente entre os anos 20 e 30. Nessa época os beijos eram comuns. Foi somente na década de 80 que alguns cineastas começaram a desafiar a censura.

As Heroínas do Cinema Mudo

Com influência dos cinemas inglês e americanos, os primeiros filmes realizados no país tinham uma dose liberal de cenas de beijos e sexo. Ao contrário das atrizes das décadas de 60 e 70, essas primeiras atrizes não eram tão tímidas em tela. Essas profissionais inovaram na indústria cinematográfica indiana, tão dominada por homens. Vale lembrar que as primeiras personagens femininas no cinema hindi eram interpretadas por homens.

Pati Bhakti (1920) foi provavelmente o primeiro filme que mostrou uma cena de beijo. Lalita Pawar era a atriz principal, e é curioso que a atriz tenha ficado mais conhecida por seus papéis de matronas nas década de 50 e 60 do que por suas personagens vamps.

Lalita Pawar
Seeta Devi era uma das primeiras estrelas do cinema indiano. Seus maiores sucessos foram realizados sob a direção do alemão Franz Osten. Mas em 1929 a atriz trabalhou ao lado de Charu Roy em A Throw of Dice e protagonizaram um dos beijos mais belos do cinema hindi. Seeta é uma mulher cujo coração é disputado por dois reis.

Em Karma (1933), Devika Rani e Himanshu Rai contracenaram um beijo que durou quatro minutos. Devika Rani era amplamente reconhecida como a primeira dama do cinema indiano, tendo uma carreira cinematográfica que durou 10 anos. A atriz que residiu muitos anos em Londres, era casada com Himanshu Rai quando os dois contracenaram em Karma (1933). No filme eles se beijam durante quatro minutos:

A Chegada da Censura

Até o início dos anos 40 os filmes usavam livremente um conteúdo ousado, mas com a independência do domínio britânico ocorrido em 1947 foi estabelecida a censura, o Conselho Consultivo e Filmes. A indústria, de uma hora para outra se tornou conservadora. O Conselho queria que os cineastas apresentassem a Índia em sua forma pura e a maioria das cenas sensuais foram abolidas a partir de 1952. Um simples beijo de amor se tornava indecente e qualquer exibição de afeto se tornou discreta.

Com cada quadro de filmes sendo examinado pelo Conselho, os cineastas desenvolveram sua própria maneira de retratar um romance na tela. Se os beijos foram banidos dos filmes, eles começaram a mostrar a intimidade nas telas através do simbolismo.

A força da natureza surgia para indicar o coito ou os beijos. Assim, duas flores se tocando poderia indicar que o casal estava se acariciando. O fogo também passou a ser usado como um símbolo para o desejo, como feito no filme Aaradhna (1969). Aqui, os fogos de artifício sugeriam o ato sexual.

A Ousadia Bate à Porta

Os filmes dos anos 50 e 60 sofreram muito com a censura que ditava uma sociedade conservadora prejudicando a liberdade criativa dos cineastas. Mas com o alvorecer da década de 70 eles decidiram que iam lutar contra isso.


Raj Kapoor era um diretor que sempre buscava exibir uma certa sensualidade em seus filmes. Suas atrizes eram belas e seus corpos eram sempre mostrados através de vestidos sensuais e trajes de banho. Em Awara (1951), primeiro filme que dirigiu, seu relacionamento com Nargis parece tangível, através das cenas em que contracenam juntos.

Nessa cena de Jis Desh Men Ganga Behti Hai (1960), Padmini nada em um rio enquanto um atônito Raj Kapoor observa a cena:

Em Sangam (1964), Sundar (Raj Kapoor), e Radha (Vyjayantimala) se casam, e para expressar a noite de núpcias, o diretor faz uma sugestão do coito com um avião levantando voo:


Kapoor inovou no drama adolescente Bobby (1973), onde dirigiu seu filho Rishi Kapoor e a estreante Dimple Kapadia em uma cena que incluía um beijo em tela. Dimple também desfilou modelos curtos e ocidentais, além de um biquíni que causou sensação na época:


Em 1978, Kapoor colocou Zeenat Aman em trajes sensuais em “Satyam Shivam Sundaram”. Em uma das cenas, a atriz toma banho embaixo da cachoeira, deixando à mostra seus seios delineados através do sari molhado. Essa foi durante anos a cena mais comentada de seus filmes:

Zeenat Aman
Satyam Shivam Sundaram

Espelhando-se na liberdade usada por Raj Kapoor, muitos outros cineastas começaram a seguir a tendência. Dimple Kapadia, após a estréia no filme Bobby, se tornou o novo símbolo da liberação sexual, quando ela voltou às telas para estrelar mais um beijo em Rishi Kapoor no filme Saagar, de 1985.

Outros filmes que traziam cenas sensuais de beijos:

Dayavan (1988)
Jaanbaaz (1986)
Ram Teri Ganga Maili (1985)

Com o advento da década de 90, o beijo se tornou um fenômeno comum nos filmes indianos, embora ainda velados. Os novos cineastas acabaram criando coragem para cada vez mais incluírem uma cena romântica que ia além dos olhares. Hoje já percebemos diversos filmes que exploram a sexualidade com naturalidade. Muitos indianos, não acostumados com as cenas mais picantes, não gostam do movimento ocidentalizado das cenas, chegando a boicotar alguns dos filmes. Mas sem dúvida é um caminho sem volta. A censura está, aos poucos, sendo colocada de lado.

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