Os musicais nasceram praticamente com os filmes falados. Depois de anos de experiências, “Don Juan”, de Alan Crosland passou a ser o primeiro filme com partes faladas, em 1926. No ano seguinte, “O cantor de Jazz”, do mesmo diretor, entra para a história ao ser o primeiro inteiramente falado. Dois anos depois o cinema falado já representava metade da produção cinematográfica.
E surgia o primeiro grande musical: “Hollywood revue of 1929”, que trazia a primeira versão da música “singin’ on the rain” interpretada por Cliff Edwards. O filme era um desfile de grandes estrelas, incluindo a estreante Joan Crawford, Lionel Barrymore, Marion Davies, Buster Keaton, Marie Dressler e Ramon Novarro, mas resumia-se a esquetes isoladas de sapateados e canto.
Seguindo a fórmula de grandes espetáculos, “Broadway melody of 1929” ganhou o Oscar de melhor filme do ano, e a MGM descobriu um novo filão: filmes que retratavam os bastidores de produções de teatro, problemas com atores e ensaios, que fulminavam com uma grande apresentação: tema que viria dominar os musicais durante um bom tempo.
Em 1936, “The great Ziegfeld” ganharia também um Oscar de melhor filme. Trazia centenas de pessoas e a imagem triunfal de um grande bolo com pessoas. No período de guerra, os musicais eram considerados uma bela forma de fuga. O povo precisava sorrir! A iluminação, coreografia e vestuários faziam a todos esquecerem por hora as grandes dificuldades enfrentadas. E quando muitos filmes passaram a ser bloqueados pela censura, os dançados passavam facilmente, apesar de algumas mulheres ostentarem pouquíssima roupa ou as danças evocarem o erotismo. O nível tornou-se tão alto que era difícil superar.
Surgiram as grandes vozes. Uma das parcerias com maior êxito das telas foi Nelson Eddy e Jeanette McDonald. Estrelaram juntos alguns filmes, como “Naughty Marietta”, “Rose Marie” e “Maytime”. Mario Lanza foi outro grande tenor, que se converteria numa das vozes mais potentes dos filmes. “The toast of New Orleans” ao lado de Kathryn Grayson seria um dos seus melhores. Ele fez apenas 07 filmes, mas sua interpretação de Caruso ficaria na história. Outro destaque foi Bing Crosby (com filmes como “Fuzarca a Bordo”, “Os sinos de Santa Maria” e “High Society”).
Diante do sucesso dos musicais, estava claro que todos deveriam estrelar pelo menos um. Dessa forma, Liz Taylor, aos 15 anos cantou razoavelmente bem em “Cynthia” (1947), mas em “Date with Judy” (1948), seria dublada. Peter Lawford também estrelou alguns musicais, mas ele mesmo reconhecia que nunca foi bailarino e não tinha condições de competir com Astaire ou Kelly. Segundo o ele, “só fazia o que me mandavam, assim como os demais atores”. Robert Montgomery era outro que não parecia ficar a vontade, mesmo contracenando ao lado de Joan Crawford em “Forsaking All Others”. Jean Harlow, a primeira blondie foi dublada ao cantar em “ReckLess”, e em “Suzy”, dividiu a cena com Cary Grant, que surpreendentemente cantou muito bem. James Stewart teve a oportunidade de interpretar uma música de Cole Porter em “Born to dance”, ao lado de Eleanor Powell. Ele costumava dizer que a música era tão boa, que “apesar” dele, ficaria boa de qualquer forma. E Clark Gable… foi um enorme canastrão, ao cantar e dançar em “Idiot’s delight”. A platéia odiou, pois não queria ver seu maior galã dançando nas telas.
Durante a década de 40, surgiram também os filmes familiares e os dedicados ao público jovem. Alguns ídolos jovens surgiriam a partir daí. Dentre eles, os de maior destaque foram June Allyson, Debbie Reynolds, Jane Powell, Deanna Durbin, Mickey Rooney e Judy Garland. June Allyson foi um dos rostos mais populares dos musicais da MGM, estrelando “Words and music” e “Good news”, ao lado de Peter Lawford, o filme foi considerado um dos favoritos da juventude da época. Jane Powell era uma estreante ainda, ao lado de Carmen Miranda e Liz Taylor em “Date with Judy”, mas soube aproveitar bem as oportunidades, e com seu olhar doce e voz de soprano, brilhou também em “Royal Wedding”, ao lado de Fred Astaire e “Seven Brides for Seven Brothers”. Mickey Rooney estreou ainda criança, aos 10 anos, em Broadway to Hollywood, e depois disso firmou-se como um dos grandes astros juvenis. Já aos 17 era um veterano.
Ao lado de Judy Garland fez alguns dos maiores êxitos, baratos e populares, filmes que pareciam mudar apenas os nomes dos protagonistas, pois os papéis eram os mesmos: jovens que buscavam o sucesso na Broadway/teatro/teatro da escola, com um final presumivelmente de sucesso. Encantavam o público. Aos 12 cantou para Clark Gable, aos 15 tornou-se Dorothy em “Wizard of Oz” (O mágico de Oz), abocanhando o Oscar juvenil de 1939 e uma carreira que seguiria para fora das telas.
Os filmes musicais devem muito a Fred Astaire. O fraque, o chapéu e a elegância eram suas marcas registradas, além de seu perfeccionismo: ele era capaz de passar dias e até meses inteiros ensaiando uma única coreografia, sempre em busca de novos passos e novidades. Sua carreira iniciou-se aos 05 anos, ao lado da irmã Adele, com quem fez par durante um bom tempo. A dupla se desfez quando ela casou-se e ele estreou no cinema em 1933 no filme “Dancing Lady”, mas o sucesso veio mesmo quando ele passou a dividir a cena com Ginger Rogers, com quem fez 10 filmes.
Apesar de não se darem bem pessoalmente, a parceria era imbatível. Além de Ginger Rogers, ele dividiria o palco com grandes mulheres como Rita Hayworth, Judy Garland, Joan Crawford, Cyd Charisse e Jane Powell. Nada mal para um baixinho magro e ligeiramente calvo. No fim, o homem era tão bom que parecia fazer dançar bem até mesmo objetos inanimados.Quanto a isso, Astaire era um dançarino generoso, pois parecia fazer qualquer um, eu digo, qualquer um transformar-se em um dançarino. Assim, dividiu o palco também com um cabide, subiu pelas paredes literalmente (Royal wedding) e até dançou com sapatos (The barkleys of Broadway). Astaire atuou em mais de 40 filmes, coreografando espetáculos, gravando 18 discos (trilhas sonoras) e ganhando um Oscar honorário em 1950, por sua contribuição ao mundo dos espetáculos. Hoje é considerado o maior dos dançarinos do século XX.
Mas Astaire não reinaria sozinho. Assim como seu colega, Gene Kelly iniciou sua carreira também no teatro, ainda criança, ao lado dos irmãos. Adorava esportes, o que veio a refletir em sua carreira futura, pois ele acabou sendo conhecido não apenas como dançarino, mas pelas suas acrobacias, denotando um estilo mais jovial do que o empregado por Fred Astaire. Estreou no cinema com “For me and my Gal”, fazendo par com Judy Garland, seguido por algumas participações sem grande importância, até que foi emprestado para a Columbia Pictures, para estrelar Cover Girl, ao lado de Rita Hayworth.
Depois disso a MGM nunca mais o emprestaria para outros estúdios. Ele não se poupava, e gostava de experimentar coisas novas, quebrando regras (e às vezes também ossos), insistindo em fazer cenas mais difíceis, voando nos cenários, subindo em árvores, muros, voando entre cortinas, descendo por canos. Com isso se converteu num dos maiores símbolos dos musicais dos anos 50. Entre seus maiores sucessos estão “Um americano em Paris” (também conhecido como Sinfonia de Paris), “Brigadoon”, “Marujos do Amor”, “Um dia em Nova York” e naquele que é considerado o maior musical de todos, Cantando na chuva. Gene aposentou-se na década de 80, mas ainda fez trabalhos esporádicos como coreógrafo, em um deles para Madonna, em sua turnê de 1993.
Outro grande dançarino, porém pouco reconhecido, foi Donald O’connor. Estreou em 1937, mas só ficou conhecido mesmo como companheiro de cena de Gene Kelly em “Cantando na chuva” com seu número Make in Laugh (uma releitura de um número feito por Judy Garland e Gene Kelly no filme O pirata), em que ele além de cantar fazia uma coreografia muito louca, com passos, saltos e piruetas. Bom, o resultado foram alguns dias de repouso para recuperar-se da seqüência, já que ele acabou se machucando muito na sequência. Donald trazia a experiência acumulada nos palcos da vaudeville.
Aos 12 estreou no cinema, em “Melody for two” (mas sua parte foi cortada), e em seguida em “Sing you sinners” (1938). Fez alguns musicais considerados de segunda até que, em 1949 conseguiu seu primeiro papel de destaque em “Francis the talking mule” (em que conversava com uma mula, deixando mostrar que sua veia cômica chamava a atenção das crianças). Após esse trabalho ele fez ainda o papel principal de “I love Melvin” (1953), além de !Call me Madam” e “There’s no business like show business”. Estrelou como Buster Keaton na biografia “The Buster Keaton story”, mas acabou abandonando a carreira ainda na década de 70, apesar de algumas participações em alguns programas de TV e filmes de baixo orçamento. Apesar de suas últimas palavras terem sido “Gostaria de agradecer à Academia por meu prêmio pelo conjunto da obra que um dia eu eventualmente receberei”, jamais recebeu nenhuma indicação ou premiação do Oscar.
E elas… Cyd Charisse é conhecida como a atriz das mais belas pernas do cinema, tendo assegurado elas em US$ 5 milhões na época. Participou dos maiores musicais, fazendo parceria com Gene Kelly, em “Cantando na chuva”, e com Fred Astaire em “Roda da fortuna”, e de outros de sucesso em “Party girl”, onde fez um papel dramático. A formação de Cyd era erudita, era dançarina clássica desde os seis anos de idade, o que lhe forneceu agilidade para ir do clássico às danças mais populares. Ela não era uma atriz de grandes solos, mas desenvolvia-se melhor com um parceiro ao seu lado.
Ao contrário de Cyd, Ann Miller brilhava melhor em seus solos. Em 60 anos de carreira, ela atuou em mais de 40 filmes, destacando-se principalmente ao lado de Fred Astaire em “Desfile de páscoa”, em que faziam uma dupla de dançarinos famosos de teatro. A dança veio para Ann como forma de cura, pois ela era raquítica na infância, tendo que dançar para desenvolver-se. Aos 13 anos já era contratada pela RKO, graças a uma falsificação de documentos, que comprovavam que ela tinha 18 anos. Apesar de não estrelar nenhum filme, ela brilhou em vários deles, emprestando seu bailado em filmes como “Um dia em Nova York”, “Garota do interior”, “Do mundo nada se leva”, “O belo sexo”.
A sereia Esther Willians era campeã de natação, e trabalhava como modelo quando foi descoberta pelos olheiros da MGM. Construíram especialmente para ela uma enorme piscina, para ela em “Bathing beauty”, e o que veio posteriormente foram sequências de produções espetaculares, em que ela surgia nadando e saltando. Conforme sua fama aumentava, aumentavam também os saltos. Jimmy Durante, Ricardo Montalban, Tom e Jerry foram alguns de seus parceiros.
Muitos outros fizeram o sucesso desse grande gênero, como Eleanor Powell, Judy Garland, Rita Hayworth, e grandes nomes,como Vincent Minelli e Busby Berkeley (o grande nome dos musicais da década de 30).
Considerado hoje um gênero já obsoleto, ainda é possível ver esporadicamente uma ou outra tentativa de ressuscitação de musicais, como “Vem dançar comigo”, “Moulin rouge” e “Dirty Dancing’”, porém sem o glamour de astros que se dedicavam a arte da dança. O que temos são filmes musicais, feitos com atores que se esforçam, muitas vezes sem sucesso, para a realização de mais um filme. Apenas mais um filme.