Um jovem chamado Pedro sai de sua cidade natal e se dirige a Madri sozinho. Desde criança era solitário, e enchia suas tardes a ver filmes, e suas noites a sonhar em um dia faze-los. Em sua cabeça jovem, demorou bastante. Tinha apenas 16 anos quando chegou a Madri. Arrogante como era sabia o que iria fazer: cinema. Mas tudo o que sabia sobre o assunto resumia-se às longas sessões assistidas.
Para arrecadar fundos, já que era imensamente pobre, começou a trabalhar como telefonista, e assim pode comprar sua primeira máquina, uma Super 8. Aprendeu na marra a manuseá-la, e começou os seus primeiros experimentos. Estava nos anos 60, e Madri abria os braços para aqueles que desejavam viver a cultura.
De dia trabalhava na Companhia Telefônica, à noite reunia-se com um grupo, que logo receberia o nome de “Los Gollardos”, e se tornaria um grupo de teatro amador. Era a primeira chance de Pedro colocar para fora suas histórias extraordinárias. Brincando, brincando, o jovem teria seu primeiro longa apenas em 1980. Chamava-se “Pepi, Luci, Bom y otras Chicas del Montón”. Não era grande coisa, mas seria o nascimento definitivo de Pedro Almodóvar. Ele conhecera Carmen Maura, atriz, que se tornaria durante toda a década de 80 sua atriz principal. Seguiram-se “Labirinto de pasiones” (Labirinto de paixões), “¿Qué he hecho yo para merecer esto!!” (O que fiz para merecer isto) e o “Matador”.
Admirado por alguns, a verdade é que no início houve mais narizes torcidos do que orgulho, como acontecem com todos que mostram algo mais que beleza. Apesar de tudo, em 1988 ele teve sua primeira indicação ao Oscar de Melhor filme estrangeiro, com o excelente “Mujeres al borde de un ataque de nervios” (Mulheres a beira de um ataque de nervos), abocanhando o público americano, sendo o filme estrangeiro mais visto nos Estados Unidos, em 1989. Mesmo assim não ganhou.
Seguiram-se outros filmes, absurdos, até que finalmente, 10 anos depois de ter sido indicado ao primeiro Oscar, ele pôde sentir o gostinho da vitória: “Todo sobre mi madre” (Tudo sobre minha mãe) ganhou o Oscar como Melhor Filme Estrangeiro, ganhando vários outros prêmios e escrevendo de uma vez o nome Almodóvar na história do cinema. Não havia mais nada a provar. Tivemos ainda Hable con ella (Fale com Ela) e La Mala Educacion (Má educação). Este último chegou a ser bastante criticado por seu ataque mordaz à igreja católica, com a história de um jovem transformista que fora abusado sexualmente pelo padre, em sua infância. Não possui também o colorido já presente em seus filmes anteriores, trazendo um ambiente desprovido de humor, e mais depressivo e pesado. Pedro, com 63 anos hoje, continua com grandes sucessos, como Volver, Abraços Partidos e A Pele Que Habito. Está em pré-produção de Los Amantes Pasajeros, que terá Penélope Cruz e Antônio Banderas como protagonistas.
Pessoalmente, Almodóvar é um dos únicos cineastas que ainda me intimidam. Nunca sei o que virá pela frente. O primeiro filme dele que eu vi foi “Todo sobre mi madre” (Tudo sobre minha mãe). Apaixonei-me perdidamente por esse cineasta que soube temperar sua própria história e trazer traços dela para sua obra. O universo almodoveriano inclui mulheres fortes, homens imensamente confusos, relações intempestuosas com a família, homossexualismo e transformismo, drogas, religião, intertextualidade com o cinema clássico (tantas e tantas vezes citados sejam com músicas, cenas de filmes ou reações de suas personagens), surrealismo fantástico (cores, cores, cores e mais cores) e paixões avassaladoras, muito avassaladoras. Não veja um filme de Almodóvar com um olhar no real, viaje e sinta estar em um universo paralelo. Almodóvar virou adjetivo, e seus filmes contém aquela linguagem que, mesmo desconhecendo todo o roteiro, vamos percebendo de quem possa ser. Almodóvar é um daqueles casos que serão melhor compreendidos e exaltados daqui há duas ou três décadas.