Diário de uma Garota Perdida (1929)

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Tymian (Louise Brooks) é uma garota sonhadora. Quando a vimos pela primeira vez, está exaltante e percebemos logo que é uma moça muito amada e inocente. Ela ganha um pequeno diário (justificando-se o nome do filme) e passa a contar todos os passos de sua vida. Decerto ela pensa que será uma vida feliz e sem problemas, já que é amada por todos. Mas logo todos os seus castelos começam a ruir quando Meinert (Fritz Rasp) num ar de dar medo) lhe chama para um encontro mais tarde na farmácia que pertence ao pai dela.

Inocentemente, Tymian vai ao seu encontro e é estuprada. Um corte longuíssimo acontece nessa hora, já que nas próximas cenas já temos a criança e a família decidindo o que fazer com ela, sem ouvir a opinião de Tymian que desejava ficar com ela. Talvez tenha sido uma escolha de Georg Wilhelm Pabst, ou encurtaram ou cenas foram perdidas, não sei. Mas sente-se de fato a ausência de como a família recebeu a notícia.

A criança é levada para um orfanato. Seria uma vergonha para a família! E se já não bastasse, Tymian não aceita casar-se com seu estuprador e é colocada em um reformatório que enlouqueceria qualquer um. É uma prisão com regras, horários e fardas e nenhum momento de felicidade. Fugindo de lá, Tymian acaba em um bordel. O resto da sinopse não irei contar, mas há algumas coias que gostaria de chamar a atenção.

Tymian foi estuprada e engravidou, e todos os olhos viraram-se contra ela. Porém, demonstrando o machismo extremo que ainda hoje temos, os olhos se fecham com relação ao pai da moça Robert Henning (Josef Rovenský). Um homem cujo fetiche é ficar com as governantas que ele mesmo contrata. A esposa compassiva nada fala, apesar de saber de tudo. Quando se cansa das governantas (ou engravidam), simplesmente as despede. A última engravida, e pede que o homem assuma a criança. Ele a expulsa de casa e, desesperada se suicida. Tymian se choca quando descobre esse lado maligno do pai.

A observação que faço é sobre como a sociedade é capaz de tratar com uma extrema diferença homens e mulheres. A garota é jogada em um prostíbulo após ser estuprada e negar se casar com seu estuprador, enquanto seu pai, muito nobremente continua com uma nova governanta, que dessa vez consegue fisga-lo e tira-lo dos braços de sua já idosa esposa.

Outra observação que gostaria de fazer é sobre o caráter nobre e sem mácula, mesmo se prostituindo. Sua família, por sua vez, continua amigo de seu estuprador. Ela que foi acusada, fugida e sofrida ainda é capaz de gestos de carinho não recíprocos que me faz pensar no exagero nessa parte do roteiro. O que era bom se transformou em uma lição de moral sem tamanho, com um final muito corrido e mal resolvido. Um personagem pode ser bom, mas se você assistir ao filme verá que há uma cena que mostra o quanto ela é trouxa.

É um filme onde cabe muitos debates, pois apesar de ter envelhecido um pouco (estamos em um filme de 1929, não esqueço disso), mas é interessante e enervante ver suas cenas finais. E a falta de empatia das pessoas, principalmente Meta (Franziska Kinz) a governanta que consegue se casar com o pai da garota e o domina profundamente. Ela literalmente odeia a Tymian.

Aconselho vocês a assistirem a Tagebuch einer Verlorenen (título original) e tomar suas próprias visões. Mas um filme de 1929 tratar a mesmo tempo estupro, internamento compulsivo, machismo e sororidade faz-nos pensar em quem está perdido: a garota ou a sociedade em geral?

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* O filme foi finalmente lançado pela Obras Primas do Cinema no excelente Box Expressionismo alemão 2. No box contam os seguintes filmes: Os Nibelungos – A Morte de Siegfried, Os Nibelungos – A Vingança de Kriemhild , Diário de uma garota perdida, O Golem, Como Veio ao Mundo e A Última Gargalhada.
O Box conta também com extras: Mais de 90 minutos de extras, incluindo 2 inéditos documentários que falam sobre os processos de restauração, técnicas de produção, visão de bastidores e influências na cultura dos filmes “Os Nibelungos e A Última Gargalhada”.

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