Como muitos que estão lendo este texto, também eu não conhecia a obra de Yukio Mishima. Em umas poucas pesquisas descobri sobre o caráter controverso de sua pessoa. Um dos mais importantes escritores japoneses, quebrou barreiras culturais, enfocava a sexualidade e tinha uma estranha paixão pela morte, descrita em muitos de seus romances. Mishima também era um conservador e defendia com unhas e dentes o nacionalismo, tanto que fundou uma milícia de direita. Seu caráter o levou ao extremismo do seppuku (um ritual de suicídio reservado aos guerreiros).
Contudo, seus posicionamentos não agradaram boa parte de seus compatriotas que enxergaram com surpresa a notícia de um filme sobre sua vida. Fã da obra do escritor, Paul Shrader conseguiu o aval dos produtores Francis Ford Coppola e George Lucas. Os japoneses desconfiavam da maneira como um de seus escritores preferidos seria descrito por americanos. Nada mais natural, tendo em vista a maneira como em geral eles retratam culturas que não sejam as suas. Mas para o bem de todos, os japoneses estavam errados, e Mishima – Uma Vida em Quatro Atos, acabou se revelando um poema em forma de película.
O diretor optou por apresentar a história do escritor através também de seus contos, colocados entre a apresentação biográfica de Mishima. Com uma influência direta da nouvelle vague, as histórias entrelaçadas não se perdem na narrativa, haja vista o caráter revelativo das histórias escritas pelo escritor. Através de seus textos ele expressava sua intensa relação com a morte e revelava parte de sua sexualidade oculta sob a capa do moralismo oriental.
A escolha de Shrader pode parecer confusa à primeira vista, quando nos deparamos com a transposição do tempo e do espaço na obra. Os cenários teatrais com cores explosivas e um certo surrealismo surgem quando se referem aos textos escritos pelo autor. Eles foram escolhidos pela diretora de arte Eiko Ishioka. A composição escolhida para retratar os fatos biográficos, no entanto, foi a tradicional fotografia em preto e branco, baseada nos filmes japoneses clássicos.
Mishima é um filme que merece revisões e daqueles que apreendemos um pouco mais a cada vista. Primeiramente é bom que se saiba: o filme não apresenta uma narrativa linear. Dificilmente será entendido sem uma leitura prévia do que se espera. Aconselho também que se veja o documentário presente no dvd lançado pela Obras Primas do Cinema. Nele é possível absorver algumas curiosidades acerca da pré e pós produção, e dos elementos que levaram Shrader a escolher uma narrativa não linear da história.
* O filme está sendo lançado pela Obras Primas do cinema e pode ser adquirido em qualquer loja do ramo. Você pode compra-lo também pela Livraria Cultura.
Conteúdo extra do dvd: Criando Mishima 43 Minutos A produção de Mishima: Uma Vida em Quatro Tempos 21 Minutos Entrevista com John Nathan e Donald Richie 26 Minutos Trecho de uma entrevista com Mishima 6 Minutos