O Fio da Navalha

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“Nada no mundo é permanente, e somos tolos em desejar que uma coisa perdure, mas mais tolos seriamos se não apreciássemos enquanto a temos”.

Esta frase que inicia nosso texto pertence ao livro Fio da Navalha, escrito por W. Somerset Maugham. O romance que se tornou um best seller narra a trajetória de Larry Darrell em busca de um sentido à sua vida. E a mudança começa quando ele é salvo da morte por um colega durante uma batalha. Larry começa a questionar sobre sua existência, desejos, e sobre as conveniências. Ao voltar da guerra, ele depara-se com outra realidade.Isabel, sua noiva, até tenta entendê-lo nessa busca, mas não parece disposta a viver eternamente à sua espera, ou ter que conviver com pouco dinheiro enquanto ele se encontra. Complementa o núcleo do romance Elliot (tio de Isabel), Sophie MacDonald (melhor amiga dele) e seu marido e Gray (o jovem milionário que se apaixona por Isabel).

Herbert Marshall, John Payne, Gene Tierney e Tyrone Power na versão de 1946

A primeira versão da história foi levada às telas em 1946. O drama trazia no elenco nomes fortes como Tyrone Power, Gene Tierney, Anne Baxter e Clifton Webb. Adaptar uma história com tantas fases entre a guerra, a viagem para a França, Índia e retorno tornou o filme excessivamente longo com 145 minutos. Mas envolve a história que inicia-se com o retorno de Larry da guerra. A narrativa é interessantemente contada sob um ponto de vista que seria do próprio autor, W. Somerset Maugham (interpretado por Herbert Marshall). Maugham  desfila entre os personagens sempre com a palavra certa sobre cada um deles, entendendo suas naturezas frágeis ou egoístas. Tyrone nos entrega um Larry bonito, mas que carece de um tom de interpretação pedido para um personagem forte como este.

Em 1984 John Byrum dirigiu uma outra versão da história, não tão conhecida do grande público quanto a primeira. Bill Murray surge no início de sua carreira como Larry, o belo homem com tantas dúvidas existenciais e vários caminhos a escolher. E se na primeira há uma carência de cenas sobre o fato que levou o personagem a se transformar em um peregrino em sua vida, aqui temos uma ênfase da guerra bastante importante.

O filme de 1984 inicia-se justamente trazendo cenas do pré e pós guerra, e mostrando como mudam as relações dele tanto com Isabel quanto com o mundo que o cerca. E se Larry não está disposto a mudar sua busca por causa da noiva, tampouco ela está aberta a abrir mão de seus luxos apenas para servi-lo. A história traz essa reflexão deixada em aberto na primeira versão: estaria Isabel errada em abrir mão de tudo em que acredita quando Larry não estaria?

Elenco da versão de 1984

Há algumas mudanças significativas com relação ao enredo das duas versões cinematográficas. Se na versão anterior tínhamos um antagonista na figura do tio de Isabel, que visivelmente detestava o espírito irrequieto de Larry, aqui ele quase nutre uma simpatia por ele. Claro que Elliot em nenhum momento desce de seu lugar na sociedade, mantendo cálido distanciamento de um jovem que julga ser de classe inferior.  Algumas cenas são mantidas em comum, permanecendo o drama vivido por Sophie como um dos momentos mais fortes da narrativa.

Anne Baxter em cena marcante de The Razor’s Edge (1946)

E se Anne Baxter conseguiu trazer em seu rosto gélido uma das interpretações mais estupendas de sua carreira, Theresa Russell adicionou elementos dramáticos que tornam real o drama da mulher que descobre que está sozinha no mundo após a morte do filho e marido. Essa personagem é um mundo dentro da narrativa, alguém que vai do ápice da alegria ao calabouço da depressão.

THE RAZOR’S EDGE, Bill Murray, 1984. (c)Columbia Pictures..

Embora a versão de Edmund Goulding permaneça como a mais conhecida, podemos considerar a lançada na década de 80 como complementar à história anterior, mostrando de maneira mais destacada os caminhos árduos e as lições que ele tem na Índia. Isto chama a atenção deveras na versão anterior, que dá pouquíssimo destaque às transformações que o levaram a se tornar um homem iluminado. É como se Tyrone Power de repente descobrisse a luz ao ficar dias olhando para as frestas de uma casa na montanha. Bill Murray, por sua vez, ouve, trabalha e se entrega à atividades que mostram que os anos se passaram antes que ele pudesse enfim captar algum sentido na vida. De qualquer forma, vale a pena conferir ambas as versões.

 

 

* O Fio da Navalha (1984) está sendo lançado no Brasil pela Obras Primas do Cinema. O dvd traz como extra o trecho de uma entrevista com o ator Bill Murray. Clique na imagem abaixo para adquirir:

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