Trilogia da Estrada de Wim Wenders
O primeiro contato que tive com o Wim Wenders foi através do excelente documentário “Um Truque de Luz” (1995). No filme ele entrevista Gertrud, uma senhora que testemunhou o nascimento do cinema através do seu pai, um dos inventores do bioscópio. De cara percebi a paixão que movia o Wenders, que também se dedicou aos pioneiros através de sua participação em “Lumière e Companhia”, realizado no mesmo ano. O amor pela fotografia também está sempre presente, e é dele a direção de Sal da Terra (2014), que fala sobre o fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado.
O fato é que o alemão tem se destacado em toda sua carreira pela seriedade de suas obras. Um excelente fotógrafo, traz a marca do olhar apurado em todas as suas películas e se tornou uma das figuras mais importantes do novo cinema alemão. Suas preferências são por paisagens tristes e desoladas e que mostram o peso do tempo sobre elas. Não por acaso, a fotografia tem sido constantemente explorada em sua obra.
Recentemente, algumas de suas primeiras obras foram lançadas em dvd pela Obras Primas do Cinema. Trata-se da Trilogia da Estrada, uma série de três roadmovies realizados em sequência entre 1974 e 1976, todos protagonizados por Rüdiger Vogler. Os roadmovies, ou filmes de estrada, se transformaram em um gênero em que o enredo é desenvolvido de maneira não convencional durante uma viagem. Nosso Central do Brasil é um exemplo do que seriam esses filmes, assim como o conhecido Thelma e Louise. Nos dois primeiros filmes de Wenders, Vogler interpreta escritores e no último alguém ligado diretamente ao cinema, e à primeira vista, os personagens parecem ser uma sequência da mesma pessoa.
O primeiro, Alice nas Cidades (1974), traz a figura de Philip Winter um jornalista que sofre com um bloqueio e não consegue escrever. O personagem perambula pela cidade tirando fotos de coisas que não gosta e decide voltar à sua terra para tentar melhorar suas condições e quem sabe voltar a escrever. Winter vende seu carro e ao chegar ao aeroporto conhece uma mulher com sua filha pequena. Mas, oh, não há passagens disponíveis e eles vão para o hotel. Aí vem a parte mais nonsense da história: a mãe abandona a filha aos cuidados de Winter, um desconhecido, e vai atrás de seu namorado. Fica a cargo do escritor cuidar da criança e leva-la para a Alemanha. Daí o título Alice nas cidades. A garotinha interpretada por Yella Rottländer e o homem passam por momentos de angústia em busca da mãe e da avó da criança, e acabam desenvolvendo uma amizade genuína.

O último e mais longo filme, No Decurso do Tempo (1976), Rüdiger Vogler surge como um técnico de projetores que em sua viagem pela Alemanha busca visitar cinemas desativados. Em um desses lugares encontra um homem que acabou de se separar e se torna seu companheiro de viagens. A maneira como Wenders apresenta seus personagens nos mostra o caráter de cada um e aqui, mais uma vez, as paisagens se tornam ponto chave de toda a narrativa. É interessante notar que na década em que começou a dirigir, Wenders trabalha de forma livre, trazendo uma expressão guiada por sua concepção fotográfica. Cada quadro de seus filmes poderiam formar belas fotografias.