Vinte e Quatro Olhos (1954): Análise e Legado do Clássico Japonê
Vinte e Quatro Olhos (1954) é um clássico japonês emocionante que retrata a vida, a guerra e a humanidade. Descubra por que este filme continua a encantar plateias até hoje.

A imagem que temos da educação no Japão é de uma rigidez extrema, causada em termos, pelas informações que nos chegam. Vamos com olhos ocidentais uma realidade que merece maior atenção. No geral fala-se em um sistema rígido e que somente na década de 40 passou a ser obrigatória. Assistir ao filme Vinte e Quatro Olhos faz-nos abrir os olhos para um Japão pouco conhecido por nós. Sensível sem ser piegas, nos mostra que há algo além das tradições e um sentimento que não se resume apenas em lágrimas.
Admirando a obra da escritora Sakae Tsuboi, Keisuke Kinoshita tencionava fazer um filme inspirado em um de seus livros. Acabou por escolher Vinte e Quatro Olhos por este focar no amor entre uma professora e seus pupilos. A atenção nos mínimos detalhes foi um ponto chave de toda a produção, que fez testes com muitas crianças e acabou selecionando atores irmãos, para que pudessem fazer as várias fases das crianças, já que a história aborda um período de 25 anos, antes, durante e após a guerra. Para a professora, uma atriz que Kinoshita admirava, Hideko Takamine. Os dois chegaram a trabalhar em outras obras do diretor.
Keisuke Kinoshita acabou por se transformar em um dos diretores mais aclamados do período, dirigindo 42 filmes e chegando até a televisão. Seus filmes são conhecidos por retratarem personagens femininas fortes, traço que se explica por seu imenso apego à sua própria mãe. Suas personagens sempre traziam um apelo maternal baseado em suas próprias experiências. Tendo trabalhado com estrelas do porte de Kinuyo Tanaka e Yoshiko Kuga, fez sua preferida Hideko Takamine, escolhida também para protagonizar este filme. Sua obra também é fortemente ligada a temas sociais, fazendo críticas aos sistemas feudais de casamento e as falhas da educação tradicional. Trabalhando com diversos estilos e não se apegando a apenas um, experimentou sucesso em comédias e dramas. No pós-guerra, Kinoshita foi um dos mais fortes nomes por abordar questões que o povo necessitava discutir.
Vinte e Quatro Olhos começa com a chegada de uma nova professora à uma comunidade de pescadores. Ôishi é uma mulher moderna, que embora não tenha nenhuma denominação política, apoia-se em conhecimentos que ela julga justos. Ela chega em sua bicicleta e com roupas ocidentais, fato que faz com que alguns fiquem chocados, inclusive as crianças da simples comunidade. E um por um são apresentados, os vinte quatro olhos das doze crianças refletem uma esperança no futuro, futuro esse que não depende de Ôishi. Ela sabe que a vida encarrega-se de levá-los nem sempre pelo caminho almejado por eles mesmos.
Para o japonês médio da época, a guerra era o grande acontecimento e fonte para mudança de vida. Pelo menos era essa a imagem que lhes vendiam. Dessa maneira, as crianças eram educadas desde a primeira idade a admirar e dar sua vida por seu país, e isso estava tão entranhado dentro deles, que uma voz que surgisse falando que a vida tinha mais importância recebia em troca ouvido de mercador. Muitos japoneses passavam fome, e as imagens que lhe chegavam, sobretudo pelos jornais, não falavam das atrocidades passadas durante esse período. Festas eram realizadas sempre que soldados partiam para a guerra, e as crianças cresciam acreditando na beleza de se tornar um herói. Ôishi posiciona-se contra o sistema, embora nada possa fazer para mudar a mentalidade de toda uma gente já incutida de uma ideologia. Ela parece uma voz muda em meio a uma tradição que lhe traga inclusive os filhos e marido e não consegue compreender como tantos preferem a morte à vida.