Edith Bouvier Beale, a “Little Edie”, se tornou conhecida pelo documentário Grey Gardens, realizado por David e Albert Maysles. Extremamente exótica, nasceu em berço aristocrático e tinha como prima a famosa Jacqueline Kennedy. Dividiu a juventude entre sonhos de se tornar modelo e o pesadelo de abrir mão de sua fortuna e estilo de vida.
Era muito bela, tinha olhos expressivamente azuis e belas pernas, atraindo diversos pretendentes. Dentre eles Joe Kennedy. Mas ela não desejava se casar, pois queria desenvolver uma carreira de atriz e dançar nos espetáculos da Broadway. Chegou a modelar pela Macy’s enquanto morava em Nova York. Mas com o divórcio dos seus pais, e as dificuldades financeiras que batiam à sua porta, ela voltou para os braços da “Big Edie”.
Sua mãe, “Big Edie” nascera em 1895 e tivera uma educação privilegiada. Também carregada de sonhos, casou-se em 1917 com Phealan Beale. Os dois tiveram três filhos e Edith era a mais velha. A mansão onde moraria até o final de seus dias foi comprada em 1923 e em 1931 a mulher foi abandonada por seu marido. Dava recitais em sua casa, mas com as dificuldades aumentando, os amigos sumiram. Seus dois filhos afastaram-se para viver suas vidas, e ela entrou em depressão. Restou a Edie voltou ao lar da mãe.
A Grey Gardens conheceu melhores tempos, assim como suas donas, mas em 1975, quando foi realizado o documentário, era um depósito de lixo em que gatos passeavam diariamente. O relacionamento entre as duas era doentiamente estranho. Percebe-se que apegavam-se uma a outra pela necessidade quase física de terem algum apoio. Pode-se dizer que eram as melhores e piores amigas ao mesmo tempo.
As duas viviam quase enclausuradas, não recebiam visitas ~ estas somem quando as dificuldades são grandes ~ e acumulavam memórias e objetos. Tornaram-se acumuladoras do lembranças e de coisas. O lixo que as cercava parecia uma proteção para que não enxergassem a realidade em que viviam. Em momentos mais sombrios, chegaram a dividir a ração com os gatos.
Assistir a Grey Gardens longe de ser uma exaltação ao estilo exótico das duas, é antes um vislumbre doloroso pelas condições em que ambas viviam. É impossível observar a pobreza, a ilusão de que estão bem e a dependência que uma tem pela outra e ficar imune. Em determinado momento, Edie fala que “é muito difícil manter a linha divisória entre o passado e o presente” e tudo ao redor dela parece realmente indicar isso. Em momentos assim, me pergunto se ela era mesmo tão alheia à sua realidade ou fingia estar bem já que seu desespero não mudaria as coisas.
estindo-se com trapos, Edie lê revistas astrais e ainda pensa em encontrar um marido. Do signo de libras. Ela não acredita em divórcios, por isso não considera que o de seus pais tenha de fato acontecido: “Foi um divórcio inventado, a igreja não considera”. Sua mãe parece ter uma visão mais moderna da vida, embora em diversos momentos fale sobre a solteirice da filha que dispensou tantos pretendentes. E embora a filha fale que deseja ir embora dali, sabemos que a coragem só baterá à porta quando sua mãe tiver partido. E foi de fato o que aconteceu.
Em 1977 “Big Edie” faleceu, em decorrência de uma pneumonia e dois anos depois sua filha conseguiu vender a mansão Grey Gardens. Little Edie ainda conseguiu trabalhar em alguns shows e faleceu em 2002 aos 84 anos. A fama que sonhavam ter veio infelizmente somente após a morte de ambas, quando se tornaram um objeto estranho de culto. A ex-socialite acabou morrendo solitariamente aos 84 anos, tendo seu corpo sido descoberto apenas alguns dias depois.O documentário apela para o voyerismo que cada um de nós carrega. Basta ver o sucesso que os programas que exploram a TV realidade tem para saber ao que me refiro. Ver vidas alheias atrai o público e o filme atraiu boas críticas. As duas não ganharam nada além de visibilidade. A casa era a terceira das personagens ativas, engolindo suas donas em suas entranhas. As duas se foram e Grey Gardens sobreviveu. Hoje encontra-se reformada e abrigando outros sonhos.
O documentário Grey Gardens está sendo lançado pela Obras Primas do Cinema e traz ainda um hora de extras, incluindo uma entrevista com Little Edie. Confira aqui.