Crime e Castigo (1935)

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Após os fracassos de bilheteria de The Scarlet Empress (1934) e de O Diabo é uma Mulher (1935), Josef von Sternberg  foi banido da Paramount por não se adequar ao sistema de estúdios. Destruído e com o contrato cancelado, tinha ainda que cumprir um último filme: Crime e Castigo, desta vez para a Colúmbia.

Von Sternberg tinha uma grande aventura pela frente: comprimir as mais de 600 páginas do romance original para tensos 88 minutos de tela. O filme seria estrelado por Peter Lorre, astro húngaro cuja primeira aparição em um filme de língua inglesa tinha sido o Hitchcokiano The Man Who Knew Too Much, quando ele ainda repetia suas falas foneticamente. Seja quais foram suas limitações em 1934, em Crime e Castigo ele já as tinha superado, pois o ator traz um desempenho estelar no papel principal. Marian Marsh como Sonya também traz forte contribuição dramática. O desempenho brilhante de Edward Arnold como o inspetor e o jogo sutil de gato e rato entre ele e Lorre só podem ser compreendidos diante de um contexto russo.

Crime e Castigo é o romance mais conhecido de Fiódor Dostoiévski, e desde sua criação, em 1866 a história do jovem estudante que se torna assassino mas não consegue conviver com sua culpa já teve diversas versões. Um romance existencialista, tem tido constantes adaptações para as telas, nem sempre fiéis ao livro. Alfred Hitchcock era um dos que acreditavam que a obra não seria bem adaptada para as telas. Segundo o mestre do suspense.
 “[…] jamais o farei porque, justamente, Crime e castigo é obra de outro. Volta e meia fala-se de cineastas que, em Hollywood, deformam a obra original. Minha intenção é não fazer isso nunca.” E o diretor inglês ainda aproveitou para dar uma “alfinetada” em quem adaptava romances de peso: “O que não entendo é que alguém se apodere totalmente de uma obra, de um bom romance que o autor levou três ou quatro anos para escrever e que é toda a vida dele. Alguém fica remexendo nisso, cercado de artesãos e técnicos de qualidade, e vira candidato ao Oscar, ao passo que o autor se dissolve no segundo plano. Não se pensa mais nele” (p. 75).

Mesmo assim há várias versões cinematográficas e a melhor talvez seja a russa, lançada em 1970 e dirigida por Lev Kulidzhanov. Sternberg , que já havia ajudado a criar a lenda Marlene Dietrich em O Anjo Azul, escolheu Peter Lorre para o emblemático papel de (Roderick vez de Rodion) Raskolnikov por ele ser um astro em ascensão. E mesmo que o filme não esteja à altura do original de Dostoiévski, é notável o talento de Sternberg no jogo de luzes e fotografia.


Além disso Peter Lorre, que já havia brilhado como um assassino de crianças no filme alemão M – O Vampiro de Düsseldorf, dá um caráter sombrio à sua interpretação do homem torturado por suas lembranças que o levam inevitavelmente à loucura.

Mas os pontos positivos param por aí. Como um estudo psicológico sobre um assassino corroído pela culpa, o filme é confuso e carece de sentido em algumas partes. Parte do erro consiste nas constantes mudanças do roteiro. O diretor escreveu mais tarde que não estava muito à vontade para filmar essa versão, mas procurou terminá-lo de maneira profissional.

O caráter de Roderick parece mal motivado e nunca completamente esclarecido e seu comportamento se torna uma série de estados de espírito desconexos, sem um padrão psicológico contínuo. Ao invés de um “mestre do crime”, Roderick mais parece um jovem confuso e torturado, sempre à beira de revelar seu grande segredo.

Diante de um roteiro confuso, Lorre, ainda assim traz um desempenho fascinante, revelando mais uma vez sua capacidade de misturar repulsa e simpatia numa mesma figura, algo que ele sempre carregava nos personagens que lhe davam. Ele é o assassino de voz suave em tantos filmes seguintes. É uma pena que o ator não tenha sido tão bem aproveitado como deveria.

O filme foi lançado pela Obras Primas do Cinema e pode ser adquirido no link: http://goo.gl/zZcCBz

TRUFFAUT, François; SCOTT, Helen. Hitchcock/Truffaut: entrevistas, edição definitiva. Tradução de Rosa Freire de Aguiar – São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

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