Von Sternberg tinha uma grande aventura pela frente: comprimir as mais de 600 páginas do romance original para tensos 88 minutos de tela. O filme seria estrelado por Peter Lorre, astro húngaro cuja primeira aparição em um filme de língua inglesa tinha sido o Hitchcokiano The Man Who Knew Too Much, quando ele ainda repetia suas falas foneticamente. Seja quais foram suas limitações em 1934, em Crime e Castigo ele já as tinha superado, pois o ator traz um desempenho estelar no papel principal. Marian Marsh como Sonya também traz forte contribuição dramática. O desempenho brilhante de Edward Arnold como o inspetor e o jogo sutil de gato e rato entre ele e Lorre só podem ser compreendidos diante de um contexto russo.
Mesmo assim há várias versões cinematográficas e a melhor talvez seja a russa, lançada em 1970 e dirigida por Lev Kulidzhanov. Sternberg , que já havia ajudado a criar a lenda Marlene Dietrich em O Anjo Azul, escolheu Peter Lorre para o emblemático papel de (Roderick vez de Rodion) Raskolnikov por ele ser um astro em ascensão. E mesmo que o filme não esteja à altura do original de Dostoiévski, é notável o talento de Sternberg no jogo de luzes e fotografia.
Além disso Peter Lorre, que já havia brilhado como um assassino de crianças no filme alemão M – O Vampiro de Düsseldorf, dá um caráter sombrio à sua interpretação do homem torturado por suas lembranças que o levam inevitavelmente à loucura.
Mas os pontos positivos param por aí. Como um estudo psicológico sobre um assassino corroído pela culpa, o filme é confuso e carece de sentido em algumas partes. Parte do erro consiste nas constantes mudanças do roteiro. O diretor escreveu mais tarde que não estava muito à vontade para filmar essa versão, mas procurou terminá-lo de maneira profissional.
Diante de um roteiro confuso, Lorre, ainda assim traz um desempenho fascinante, revelando mais uma vez sua capacidade de misturar repulsa e simpatia numa mesma figura, algo que ele sempre carregava nos personagens que lhe davam. Ele é o assassino de voz suave em tantos filmes seguintes. É uma pena que o ator não tenha sido tão bem aproveitado como deveria.
O filme foi lançado pela Obras Primas do Cinema e pode ser adquirido no link: http://goo.gl/zZcCBz
TRUFFAUT, François; SCOTT, Helen. Hitchcock/Truffaut: entrevistas, edição definitiva. Tradução de Rosa Freire de Aguiar – São Paulo: Companhia das Letras, 2004.