Como Chaplin achou, Jackie Coogan, a criança de The Kid

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“Depois de Idílio Campestre, eu me sentia inteiramente vazio de idéias. Em busca de um alívio para esse desespero fui ao Orpheum à procura de distrações e, nesse estado de espírito, vi um dançarino excêntrico, que nada tinha de extraordinário, mas que ao terminar o número trouxe ao palco o seu filhinho, garoto de quatro anos, para o agradecimento ao público. O garoto, de súbito, deu alguns engraçados passos de dança e, lançando um olhar de inteligência a platéia, fez alguns acenos e desapareceu nos bastidores. A platéia delirou. Isso poderia ser uma banalidade em se tratando de qualquer outra criança, mas Jackie Coogan era realmente um menino encantador. Fizesse o que fizesse, o garotinho possuía uma aliciante personalidade.” (Charles Chaplin, em “Minha vida”).

Chaplin e Jackie nos bastidores

Após esse encontro, Chaplin ficaria algum tempo sem ouvir falar ou pensar no garotinho. Esse foi um período complicado na vida dele, pois sua primeira esposa Mildred perdera o filho ao nascer, o casamento declinava e sua criatividade estava abaixo de zero. Embora sorrisse aos amigos e fizesse festa ao vê-los, se sentia estéril e vazio. Até que um dia lhe veio a notícia que Jackie Coogan tinha sido contratado por Roscoe Arbuckle para um filme. Foi o suficiente para seu mundo cair ao não ter pensado nisso antes do companheiro de Estúdio. Perdera uma oportunidade. Foi aí que surgiu a idéia de The Kid.

Mas o filme não poderia ser o mesmo sem Coogan, pensou ele. Quase que instantaneamente as idéias lhe vinham aos montes, e a depressão aumentava quando ele lembrava que havia perdido a oportunidade. No final, do que adiantava? Alguém lhe sugeriu que procurasse outro garotinho, talvez negro. Mas ele não queria. Jackie era o garoto. Mas daí a alguns dias, seu secretário lhe correu com a notícia que mudaria tudo: o Jackie Coogan contratado por Arbuckle tinha sido o pai e não o garoto. Imediatamente Chaplin saltou da cadeira e correu a telefonar para o pai dele. Não iria sossegar até assinar contrato. Segundo Chaplin, interpretar com Coogan era fácil, tremendamente fácil. Ele já viera pronto, já dominava todas as regras básicas da pantomina (arte de interpretar com os gestos, imprescindível no cinema mudo). E foi assim que surgiu uma das duplas mais famosas do cinema, capaz de fazer rir e chorar em The Kid.

Realizado em 1922, o filme conta a história de uma mãe solteira (Edna Purviance), desesperada por não ter como sustentar a si e a uma criança, resolve deixá-la dentro de um carro, num bairro nobre. Quem sabe assim o filho teria melhor sorte. Por azar, o carro é roubado, e o garoto abandonado num cortiço. Carlitos (Chaplin) encontra-o e tenta por todos os modos “reabandoná-lo” em qualquer lugar. Num momento vemos um vagabundo quase sórdido, abrindo um bueiro para jogar a criança lá. Mas dura só alguns segundos. Ele logo desiste e volta a ter o olhar sincero e puro do velho e bom Carlitos que conhecemos. Sem saída, o garoto é adotado.

Dura é a vida que os espera. Onde cabe mal um cabem mal dois. Jackie (Coogan), o garoto, cresce assim, em péssimas condições financeiras, mas cercado pelo amor de um pai que luta para sobreviver. Os meios, claro, justificam os fins. E os dois trabalham numa parceria de quebrar vidros e eles mesmos consertarem. As confusões seguem, até o momento em que a figura da mãe ressurge, agora rica, e tenta reaver a criança.

Uma curiosidade é a seqüência de cenas mais linda do filme (e do cinema): a cena em que o garoto é levado pelas autoridades policiais para um orfanato. A cena reproduz, de certa maneira, o que aconteceu com o próprio Charlie, que também fora afastado da mãe e do irmão, sendo levado num caminhão. Acontece que neste dia, em que a emoção devia aflorar, Coogan parecia estar feliz, feliz até demais. Não conseguia de forma alguma a emoção que a cena necessitava. O menino até contava piadas! Depois de Charlie tanto tentar, o pai tomou as rédeas e disse que daria um jeito. E deu. Voltou depois de algum tempo com Jackie em prantos. O garoto estava pronto para a cena. Qual a mágica, Chaplin quis saber. “Bem, disse o pai, falei para ele que se não chorasse, os funcionários o levariam para o asilo de menores”. A cena do choro foi real, pelo menos para Jackie. No final, Chaplin ainda o consolava e dizia-lhe que não o deixariam levar.

Imagino o que foi The Kid em tela, quando o seu lançamento, em 1922. O público estava acostumado com o vagabundo, suas estripulias e confusões, mas não com dividi-lo com um protagonista tão jovem e talentoso. A junção da comédia com o drama também ganhava proporções nunca antes testadas: Chaplin nos negou, a partir daquele momento, a escolha entre sorrir ou chorar. Você tem vontade de rir de sua miséria, mas sente-se também culpado por isso… rir de alguém que passa por tantas dificuldades? E tem vontade de chorar quando o vê defendendo seu garoto, com unhas e dentes, de ser levado pelos funcionários da justiça. O garoto chorando desesperado, o corte para um Charlie de olhos arregalados, preso por dois homens mais fortes por ele, a corrida pelos telhados, culminando com o desfecho do beijo entre os dois: uma das cenas mais bem realizadas em toda a história do cinema. Um filme que inicia, realmente, a obra chapliniana. Depois daí, o cinema não seria mais o mesmo.

Quanto a Jackie Coogan, ganhou milhões de dólares antes de chegar à adolescência. Amargou anos, até que na década de 60, já velho, foi chamado para fazer o papel de Fester (Tio Funéreo) na série “A Família Adams”, grande sucesso entre 1964 e 1966. No cinema fazia pontas como xerifes, detetives ou bêbados, em filmes baratos e em sua maioria de terror. Seu último filme foi “Depredador” (1984). Mas sua imagem que ficou foi aquela do garotinho que quebrava vidraças e depois corria para junto do seu pai adotivo, nos fazendo questionar qual dos dois seria “O Garoto”.

Por Carla Marinho

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