No título “Exatamente o que o médico mandou!”, por Hedda Hopper
Hedda Hopper passa boas duas páginas dedicando-se a descrever de uma forma deslumbrada a casa de Michael Wilding e Elizabeth Taylor e a falar sobre trivialidades que pouco interessavam enquanto esperávamos (ela e os leitores) pela chegada da atriz que estava a tomar banho. Quando Liz (ufa) chegou, finalmente pudemos nos livrar do bate papo da jornalista e ir ao assunto principal: A atriz e o nascimento de seu filho. Hopper era famosa pelo veneno que jogava nas entrevistas e nesta ela não poupou Taylor, mesmo dizendo-se amiga. Liz, uma garota de 20 anos, e seu marido, souberam lidar com a situação. O resultado foi uma entrevista maravilhosamente curiosa. Confira:
(…)
“O cabelo de Liz ainda estava tosquiado quando ela entrou na sala. Um corte de cabelo curtíssimo, sem ondas, dava-lhe um ar despenteado. O esvoaçante “peignoir” branco disfarçava-lhe a silhueta: mas seu rosto não era mais oval. Era redondo. Excetuando-se o batom, Liz não tinha sequer maquilagem e nenhuma joia, a não ser a aliança e uma pequenina cruz de ouro, ao pescoço. Seus olhos estavam sonolentos e ela parecia tão descansada quanto o gato preto que dormia sobre uma banqueta do bar, forrada de verde, a um canto da sala de estar. Mas mesmo assim estava linda.
Fazendo uma reverência, exclamei: – Mas, Liz, você usava esse “peignoir” há um ano atrás! Que vergonha!
– Mas agora sou muito mais pobre e muito mais velha – protestou ela. O vento, que estivera soprando forte toda a tarde, começava agora a uivar em torno da casa. Ao ouvi-lo, os olhos de Liz perderam a expressão sonolenta. – Bem vinda ao Morro dos ventos uivantes – disse. E depois acrescentou: Devo voltar a trabalhar… que coisa horrível!… dentro de três semanas, e tenho de perder peso, mas rápido.
– Bem, acho que só com dieta você consegue – disse eu – tenho um ótimo massagista, o Dr. Fred Nelson, que lhe poderia tirar esse centímetros extras.
– Quando é que ele cobra? Foi a sua primeira pergunta.
A essas palavras, um silêncio mortal caiu sobre a sala. Porque Liz perguntar o preço de algo é como um ateu perguntar o caminho da igreja. Finalmente Peggy Rutledge (a secretária de Liz) virou-se para mim e disse: – você tem certeza de não ter errado de porta?
– Nós estamos muito pobres – continuou Liz – E eu tenho de pensar em preços. Chamamos à nossa casa “Casa de Suspensão”.
– Em apenas um ano, tivemos um ano e cinco meses de suspensões, entre os dois, o que pode ser considerado como um recorde – explicou Mike. – Eu estive suspenso por quatro meses. Liz, por sete. Depois, ambos ficamos mais três meses sem trabalha. Há tento tempo que estamos suspensos que já nos sentimentos como morcegos pendurados de um telhado. “Em Hollywood suspensão quer dizer ficar privado do ordenado do estúdio, seja por recusa de fazer um filme, seja por ter um bebê).
– Mas agora já resolvemos as nossas vidas – disse Liz – Mike vai começar um filme e eu dois. Quanto cobra o seu massagista, seriamente?
– Se ele cobrasse por cada quilo… – repliquei, calculando o peso dela. Mas tive de parar de boca aberta. Vi que Liz estava de chinelos de quarto. – Muito bem – disse eu. – Mike conseguiu, finalmente, que você pusesse sapatos e depois descalçou-se.
– Conseguiu nada! – exclamou Liz – você sabe muito bem que eu sempre me visto na última moda, quando você está perto!
– Claro – disse eu – você e Mike tem de vir à festa que eu vou dar, na semana que vem.
– Festa? – replicou com uma voz horrorizada, Liz – Não tenho nada para vestir. Todas as minhas roupas antigas ficaram apertadas. E não pense que vou comprar nada novo, antes de ter emagrecido.
– Pois a festa será dada em honra a Dana Tasker, o homem que pôs seu lindo rosto na capa do Time, e ele quer vê-la.
– Talvez ele me compre um vestido novo, sugeriu Liz.
– Talvez, mas duvido muito – disse eu. – O que eu talvez possa fazer é arranjar-lhe uma massagem grátis no meu quarto, enquanto a festa se realiza embaixo.
– Você é mesmo uma boa amiga – disse Liz, com um sorriso.
– Ela é muito difícil de controlar – disse Mike. – A razão dela ter engordado tanto é que, enquanto esperava a criança, comia e bebia tudo quanto via, especialmente leite. O médico disse-lhe que tomasse menos leite, porque estava ficando muito gorda. Mas Liz olhou para ele com esses olhos azuis de criança e disse: – “Mas eu gosto de leite.” – Naturalmente o médico não lhe pode resistir, e disse apenas: – “Está bem, então tome leite. Tome-o”. E ela engordou 15 quilos.
– Quinze quilos? – gritei.
– Mas já perdi 10 – disse Liz, e depois acrescentou. – Eu quis que o meu bebê nascesse forte, mesmo que eu engordasse muito. O cálcio do leite foi ótimo para ele.
E enquanto Liz dizia a esta vovó tudo o que é preciso fazer para se ter um bebê saudável e gordo, Mike, sentado na poltrona roxa, sorria. Os dois parecem apreciar o senso de humor mutuo. Mas já que o tópico “Bebê” tinha vindo à baila, ele perguntou: – Você não quer vê-lo, Hedda? – Claro – respondi – Foi para isso que vim.
Para que fui dizer isso? Seguiu-se um verdadeiro pandemônio. Mike deu um salto, a caminho do quarto da criança. Liz levantou-se imediatamente e seguiu o marido. Quando eu me resolvi a seguí-los, um pequeno “poodle” (chamado “G”) entrou também no cortejo, ladrando e procurando chegar antes de todo o mundo ao quarto do bebê. Mas o gato preto, em cima do banco verde do bar, nem sequer abriu um olho. Seria preciso mais do que um bebê para acordá-lo.
O quarto da criança está pintado em amarelo e azul pálido. Há brinquedos por todos os lados. Numa prateleira, ao redor do quarto, vi toda a espécie de animais de pelúcia: ursos, veados, cães e gatos. Além disso, o pequeno Mike já tem seu exército de soldados de chumbo. Os móveis do quarto são uma minúscula cadeira azul, uma cama para a babé, uma grande cama de criança, um berço com babados de organdi amarelo, e um cobertor branco, com “Michael” bordado em rosa, além de uma pequena cesta que carrega o bebê quando ele tem de ir ao consultório do médico. Mas o pequenino Michael Howard não estava desfrutando nenhum deses confortos. Dormia profundamente, deitado de bruços, num pequeno e muito simples carrinho de bebê. Um cobertor rosa cobria-o todo, exceto a cabeça, cheia de cabelos pretos, iguais aos de Liz. Tem o nariz arrebitado e orelhinhas minúsculas, bem agarradas à cabeça.
– E tem olhos azuis – disse Mike, pondo o cobertor para baixo, para que eu pudesse ver o seu filho todo. – E veja como ele é comprido. Nunca vi papai tão orgulhoso!
– Ele já demonstrou algum talento especial? – perguntei.
– Claro – disse Mike. – Sabe quando deve parar de alimentar-se. Ao contrário de muitos bebês, que comem demais, o nosso respira um pouco e depois continua a alimentar-se.
Reparei num retrato de Liz na parede, e perguntei: – quem fez aquilo? Está um horror.
– Foi a primeira tentativa de Michael na pitura. Tirou-a de uma fotografia minha, quando estava sozinho em Londres e eu aqui, fazendo um filme – respondeu Liz.
– Não proteste mais, Hedda, – acrescentou Mike – que eu nunca mais tentarei.
– A outra graura, com a neve e os dois veados, é da minha autoria,quando tinha 12 anos – disse Liz. – Agora vejamos o quarto.
Liz mostrou-me o caminho. Confesso que levei um susto quando vi o tamanho enorme da cama. O quarto é predominantemente rosa em frente à cama tem um enorme aparelho de televisão em frente à cama, com uma “chaise-longue” ao lado. Reparei que havia outro aparelho de Tv no bar. – Vocês devem ser loucos por televisão – sugeri.
É uma combinação de família – explicou Mike. – Liz gosta de histórias de mistério e eu gosto de ver lutas de box. Com dois aparelhos, não pode haver conflito.
O quarto estava imaculado e eu elogiei a limpeza a Liz. – Mas não peça para ver o banheiro – suplicou ela.
– Diga-me Mike, ela ainda não aprendeu a pendurar as roupas nos cabides? – perguntei. – Antigamente, Liz deixava as roupas caídas por todos os lados.
– Já lhe disse para não olhar no banheiro – zombou Liz.
– Bem, – disse Mike – ela agora tem menos roupa para deixar caída. Mas, graças aos céus, não deixar cair o bebê. Para dizer a verdade, ela é uma ótima mãe. Orgulho-me dela.
Não sei só que isso tem a ver com a maternidade – replicou Liz – Conheço muitas pessoas mais velhas que deixam as roupas caídas por qualquer lugar. Meu marido, por exemplo. Mas, Hedda, você não acha que o quarto está mesmo arrumado?
– Sim – disse eu – mas aposto coo você só o limpou quando soube que eu vinha visitá-la.
– Você tem toda a razão – admitiu Mike – Estava tudo desarrumado até que eu sugei uma arrumação, antes que você chegasse. Pensei logo que você quereria ver o nosso quarto.
– Pois você tinha toda a razão – disse eu.
– Quando voltámos à sala de estar,Peggy apareceu com o outro bebê da família, um minúsculo “poodle” preto, chamado “Mugwumps”. O café chegou. Liz pegou na cafeteira de prata, de tal forma que parecia que ia deixar cair, de tão pesada.
– Pelo amor de Deus! Ponha-a na mesa ou você nos escalda! – gritei.
– É tão pesada – suspirou Liz, deixando-se cair no sofá e esticando-se. – Acho que vou dormir uma sesta. Levantei-me um pouco antes de você chegar. Tinha estado o dia na cama.
– Você se levanta às três da tarde?
– Bem, eu estava acoadada – explicou ela. – Mas o médico disse-me que devia dormir uma boa sesta.
– Como deve dormir uma boa sesta, ela acha melhor dormir todo o dia – disse eu. Mike, receio que você tenha casado com uma moça bem preguiçosa.
– Não faz mal – disse ele, sorrindo para a esposa. – Eu também sou preguiçoso.
Liz continou reclinada no sofá, como se não se pudesse mover.
– Bem, diga-me como você se sente no seu novo papel – perguntei.
– Adorando – disse Liz. – Não sei se você esperava uma resposta mais inteligente, mas realmente Mike é um bebê ideal, que só chora quando tem fome e só tem fome dentro do horário. Mas ele é tão pequeno e delicado qe eu tenho até medo de irá-lo no berço.
– Você da-lhe banho? – quis saber.
– Não, mas Mike ajuda – respondeu.
– Esta manhã, levantei-me ao raiar do dia – disse ele – Mas foi a babá quem o banhou. Eu fiquei só olhando com cara de bobo.
A seguir levantou-se, foi até ao quarto do menino e voltou, om uma expressão estranha: – Ele está dormindo com os olho abertos – disse. – Aliás, tem um olho fechado e outro aberto.
– Ele não está dormindo, meu amor – disse Liz. – Michael fiac nervoso por pouca coisa. Ainda bem.
E então explicou que na noite em que o bebê nascera, o médico dissera a Mike que a operação só duraria 12 minutos e que lhe diria se era menino ou menina, tão logo a cesariana tivesse acabado. Mas esqueceram-se e Mike teve de esperar 45 minutos.
– Eu já estava a ponto de trepar pelas paredes, quando me deram a boa nova – disse ele.
– Quando, finalmente o levaram a ver o bebê, ficou assustadíssimo – continuou Liz. – Atrás da parede de vidro estava uma enfermeira, com o bebê ao colo. A criança tinha um olho aberto e outro fechado, e Mike começou a gritar:
– “Oh, meu Deus, ele só tem um olho!”
– Então, começou a fazer sinais para a enfermeira e a gritar: – Que houve com o outro olho? = Até que a enfermeira compreendeu e fez o bebê abrir o outro olho.
O poodle ladrou para o filhote, sob os pés de Liz. Ela deu um pulo, exclamando: – Por favor, os meus nervos.
– Que pensou você do bebê, logo que o viu? – perguntei-lhe.
– Deram-me uma anestesia na espinha, mas quando ele nasceu eu estava acordada – disse ela. – Tinha apenas 5 segundos de vida quando o vi pela primeira vez. O médico o estava segurando pelos pés; e o bebê era roxinho… a minha cor predileta.
– É maravilhoso como as crianças sobrevivem – disse Mike – Depois de respirar um pouquinho de ar, o médico os levanta pelos pés. Então o bebê fica gritando até se tornar roxo!
– Que maravilhosa descrição a sua, pai! – zombou Liz. E continuou a falar: – uma hora depois do nascimento, trouxeram-me Michael e vi que ele era lindo. Era todo cor de rosa, não tinha rugas na pele e tinha uma cabeça perfeita. Abriu os olhos, quando eu o peguei. Era lindo. Acredite no que lhe digo.
– E quando é que vocês pensam ter o próximo bebê?
– Daqui a dezoito meses, mais ou menos – disse ela. – Quero que meus filhos nasçam com pequenos intervalos. Mas creio – acrescentou rindo – que terei de tê-los durante as minhas suspensões no estúdio.
– Ótima ideia – disse Mike. – Vá vendo desde logo quando podemos ter o próximo.
– Trabalho! – Suspirou ela. – Emagrecer! Não estou brincando, quando é que esse massagista cobra?
– Fique de pé e encolha o estômago – disse eu – Quero ver mesmo como é que está a sua silhueta.
Ela fez o que eu lhe pedia, murmurando: – A silhueta de uma silfide. O que eu vi, fez-me gritar: – Elizabeth!… E só no final do mês é que você faz 21 anos! Como é possível?
– Não me chame Elizabeth… chame-me a irresistível Taylor.
– Acho melhor você começar quanto antes a emagrecer – aconselhei, dizendo-lhe quanto cobrava por hora meu massagista.
– O que você acha, amor? – Perguntou ela a Mike.
– Parece-me interessante – replicou ele.
– Dentro de 15 minutos, seu médico estará aqui – dissse Peggy Rutledge a Liz.
– Ah, é, hoje ´quinta-feira, não? Todos concordamos.
Durante todo o tempo de minha visita, Mike deixou que Elizabeth fosse o centro das atenções. Ele limitou-se a ficar sentado na poltrona roxa, sorrindo das reações femininas da esposa. Mas quando Liz se retirou para vestir-se, ele foi para o bar e começou a preparar um gin com tônica. Como foi que a lânguida liz se vestiu tão depressa não posso saber. Mas, antes que Mike tivesse tempo de provar a bebida, ela voltava, estindo calças de veludo preto, sapatos combinando e um suéter branco de gola alta, ao qual estavam presos dois alfinetes de fralda, eu juro.
Sentou-se ao lado d Mike e estendeu a mão para o copo. Eleencolheu os ombros e ofereceu o “drink” murmurando: – P médico assim mandou. Isto é ótimo para emagrecer. (Ela bebeu um terço do total, antes de devolver o copo ao marido).
– Bem, meu caro, – disse eu – é como diz a moça. Ela tem de conservar as suas forças você bem sabe.
Olhei para o gato preto, ainda dormindo sobre a banqueta do bar, e oorreu-me que deve er ele quem dá o exemplo ao casal Wilding. Achei que eles o invejavam. Afinal de contas, o gato não tinha de trabalhar, dormia quando queria, e quando queria comida, comia o que desejasse, sem ter de preocupar-se com a silhueta. Sim, quem é que disse que as estrelas de cinema não inventam os gatos?
Fonte: http://memoria.bn.br/
Revista Cinelândia, 1953\Edição 0016
Obs. Michael e Elizabeth tiveram mais um filho, Christopher, nascido em 1955. O casal, porém, se separou em 1957, ficando casados 6 anos.