O espaço Fílmico na Primeira Metade do Século XX

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Por Roberto Alves

Os espaços criados pelo cinema na primeira metade do século XX se formatam a partir das experiências dos realizadores – produtores, diretores e roteiristas da época. Transmitir o lugar através do filme não era apenas uma manifestação de como se via a locação, mas também como ela poderia vir a ser, no momento que se constrói uma nova realidade de lugar através da história apresentada.

A representação cinematográfica do espaço é muito importante e forte, pois ao ser incorporado ao tempo, como uma de suas dimensões, nos permite também que criemos uma arquitetura fictícia tornando a experiência do filme única. Essa representação podevariar de acordo com suas especificidades de condições técnicas, influências histórico-políticas, econômicas e socioculturais. E o cinema como arte industrial lança mão das técnicas da fotografia em movimento para traçar narrativas e efetivar essa relação do homem com o meio.

Os irmãos Lumière, com a invenção do cinematógrafo, faziam registros da cidade e da vida nas ruas sem nenhuma preocupação com narrativas ou construções de informações mais elaboradas. Mas partir disso, as histórias ganharam mais profundidade e foram construídas paulatinamente através de uma sensibilidade estética que pode ser dotada de uma consciência política, expressões de inquietações pessoais ou apresentação do lugar como forma de registro documental.

Nesse contexto, nascem os primeiros documentários. Robert J. Flaherty, a quem intitulamos de “pai dos documentários”, elaborou suas filmagens como os primeiros registros de uma realidade espontânea e de lugares. “Nanook, o esquimó” (Figura 1) foi exemplo mais importante de suas obras. O registro da história de um esquimó, sua vida e seu ambiente – Ártico, marcam a história do cinema como um dos grandes clássicos produzidos.

Nanook, O Esquimó. Flaehrty, 1922

Outra famosa sequência aconteceu nas escadarias de Odessa, na Ucrânia (Figura 2). O filme “O Encouraçado Potemkin” – de Sergei Eisenstein, em 1925 – é um exemplo interessante de tomada de um lugar para locações de filmagens. A escadaria é o lugar “representado”, de seu alto, o poder do exército Czarista oprime a população. Essa sequência foi criada por Eisenstein aumentando o impacto dramático do filme e o local escolhido para roda-la foi imprescindível para completar a magnitude da mensagem.

Escadaria de Odessa, Ucrânia

 

Exército avançando sobre a população. O Encouraçado Potemkin, Eisenstein, 1925

É também bastante relevante considerar o papel do espectador na composição do filme. É para ele que o filme é produzido. É para ele que o filme projeta a percepção da realidade. E deixando–se levar pelas sensações apresentadas, associadas à sua própria experiência da realidade, amensagem é decodificada. Através do espaço fílmico, local onde os personagens interagem, que o espectador faz suas relações e percepções, éonde sua construção de tempo e redefinição do espaço se efetiva.

Uma simples representação de uma rua com os equipamentos urbanos – postes e hidrantes, o estilo do casaril, transporta do usuário do filme ao ambiente onde a narrativa acontece. Como nos EUA nas primeiras década do século XX, Orson Welles retrata a história de um magnata da imprensa norte americana, em Cidadão Kane, em 1941 (Figura 4 e 5). Os cenários de rua são retrato das cidades existentes estadunidense. Também no mesmo filme, Orson Welles representa no majestoso palácio de Xanadú, toda a riqueza conquistada por Charles Foster Kane e ao mesmo tempo toda a sua solidão concretizada nos espaços vazios e paredes de sua mansão.

Representação de uma rua em Cidadão Kane, de Orson Welles. EUA em 1941

Xanadu e objetos do Sr. Kane

Além da representação, o espaço também pode ser criado ou transformado para expressar de forma lúdica uma história. O mágico de Oz, 1393 (Figura 6) filme baseado no romance infantil homônimo de L. Frank Baum é um dos grandes clássicosdo cinema. No filme a personagem Dorothy segue pela estrada de tijolos amarelos em direção à Cidade Esmeralda para encontrar o caminho de volta a fazenda. É um cenário com florestas cenográficas, castelo e casas concebidas para o filme, que fogem do usual. Muitas cores e personagens são agregadas ao espaço para encantar o público alvo que eram crianças, mas que encantam gerações até hoje.

Floresta cenográfica e caminhos de tijolos amarelos. O mágico de Oz. Victor Fleming em 1939
O espaço criado ou trabalhado pode também configurar uma representação de um momento artístico ou histórico particular. Nas duas primeiras décadas do século XX, no período que antecedeu a primeira guerra mundial, fez surgir na Alemanha uma série de artistas que eram contra as atitudes burguesas, militares e da nobreza que ditava as regras na sociedade alemã. Nesse contexto nasceu o cinema do Expressionismo Alemão com filmes numa atmosfera de pesadelo. As linhas e planos tortuosos, oblíquos e abruptos do cenário provocam no público um efeito muito diferente do que teria se conseguido por uma composição visual harmônica. Os planos são inclinados, janelas são mais largas na parte de cima do que na base. Todas essas imagens somadas representam um mundo interior, uma construção mental que nega a realidade objetiva.

Um exemplo mais famoso é “O gabinete do Dr. Caligari” , de Robert Weine em 1919. A visão em perspectivas distorcidas, a consciente intenção de evitar linhas verticais e horizontais despertam no espectador os sentimentos de insegurança, inquietude e desconforto. As casas apenas esboçadas no viés de uma ruela parecem de fato sacudidas por uma extraordinária vida interior.

O Gabinete do Dr. Caligari. Robert Weine, em 1919

O espaço quando estudado em paralelo às questões econômicas, políticas, social e cultural gera uma forma de observar os espaços imaginários concebidos nos filmes. O espaço fílmico não é mera cenografia, pois permite a ligação entre tempo, espaço e homem. Representar o espaço não significa necessariamente a reprodução da realidade. Representações não devem ser encaradas como falsas ou verdadeiras, afinal o dualismo estabelecido entre esses dois conceitos está sempre sujeito ao acervo cultural e à interpretação decada indivíduo. As representações devem ser compreendidas como formas de olhar o mundo e apreendê-lo para, assim, compreendê-lo.

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