Os Cinemas de rua de Recife

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Era uma criança ainda, quando comecei a freqüentar os cinemas do Recife. Grandes para uma criança, e belos para todos. Dia de domingo numa cidade cercada pelo mar tornava-se perfeita quando íamos à praia pela manhã e ao cinema à tarde. Um deles era o Cine Veneza, localizado na Rua do Hospício. E foi nele que assisti em 1986 à minha primeira sessão de cinema, com o filme “Rock estrela”. O cine Veneza funcionava desde 1970, sendo até o final da década seguinte um dos melhores da cidade, em termos de conforto e som.

Possuía aquela áurea acolhedora, com um tapete vermelho cobrindo inteiramente o estabelecimento (um paraíso para os ácaros e tormento para os alérgicos). No primeiro andar possuía uma espécie de sala de espera com sofás e algumas cabines para que os casais pudessem ficar mais a vontade, também no estilo vermelho paixão. Ninguém nem observava que acima do cinema havia um prédio inacabado, com janelas escuras de concreto, pois o que havia lá dentro era puro glamour.

Cine Veneza

Havia o Art Palácio que exibia com mais frequência filmes nacionais, principalmente dos Trapalhões, Art Boa Viagem, Cine Moderno (hoje ostentando uma loja de eletrodomésticos) e o Trianon, dentre outros: hoje lendas de um Recife quase esquecido. Os multiplexes chegaram com tudo, anunciando uma morte lenta aos velhos cinemas da velha cidade. O centro não possui mais uma boa sala para os cinéfilos.

Com a tecnologia, modernidade, segurança e praticidade dos shoppings não havia como competir. A eterna luta do novo com o velho. Venceu o novo. Ficaram as lembranças. Nada contra a evolução trazida pelo que surge, a praticidade da compra com antecedência, a escolha entre 10 salas de cinema, o som quase perfeito de algumas. Chama-se isso de evolução, e não há saída. Mas, por outro lado, ver morrer uma sala de cinema é como ver parte de nossa memória que permanecia viva indo embora.

Cinema Art Palácio

Mas o maior e mais belo de todos era o Cinema São Luiz, imenso em sua profusão de estilos diferentes. Era de uma linguagem visual confusa, porém bela, com as luzes dos vitrais (uma flor de lis) acendendo antes de iniciar a sessão. Na sala de espera, um belo painel pintado por Lula Cardoso Ayres e no primeiro andar mais cadeiras e sofás para a socialização antes e após os filmes. Dizem que quando suas portas foram abertas, em 1952, as pessoas iam elegantíssimas assistir aos filmes, afinal, o luxo do local exigia uma apresentação a rigor: mulheres vestidas e usando luvas (no calor de Pernambuco) e homens de terno.

Quando comecei a frenquenta-lo em meados da década de 90, o glamour já estava há tempos extinto, mas a beleza ainda permanecia e as sessões eram sempre tão cheias que muitas vezes assistíamos aos filmes sentados no chão. Hoje é o único sobrevivente dos cinemas de rua de Recife, e sobrevive ainda respirando com dificuldades. O som finalmente será modernizado, e prometem uma reforma para que ele volte com tudo ao glamour inicial. É o que todos sonhamos.
Hoje ainda freqüento cinemas ao final da tarde, mas sem aquele romantismo de outrora. O mundo tornou-se prático. Temos 10 salas e escolhemos um filme dentre eles. A magia de vestir-se e esperar na fila enquanto comprava pipoca desapareceu, e só nos restam as memórias afetivas quando retornamos a eles e recordamos de como era bom. Tudo mecanizou-se. O que me desperta para o passado é passar pelos velhos prédios e ver que eles permanecem ali, ainda, como chagas abertas de algo que nunca mais voltará.

Carla Marinho
Publicado originalmente no JConline

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