Rodolfo Valentino: O Homem e o Mito

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circa 1925: The most romantic hero of the silver screen, Italian -born Rudolph Valentino (1895 - 1926). (Photo by Hulton Archive/Getty Images)

Há vidas que parecem destinadas a serem breves e intensas. Algumas deixam marcas profundas, outras passam à margem, sem deixar, no entanto, de ter a sua importância. Conhecemos pelo menos um caso desses, de vidas que se esvaem tão rapidamente que deixam sempre um amargor das coisas nunca vividas. E quando esses exemplos encontram-se sob os holofotes, podem causar uma comoção generalizada pelo medo natural que temos da morte e pela fascinação da eterna juventude, enraizada pela ida precoce. Jamais os veremos enrugar-se ou preocupar-se com o esquecimento, pois eles não mais estarão aqui para ver sua descendência, se tiverem tido tempo para tê-la.

James Dean, e mais recentemente Heath Ledger, mortos antes dos trinta anos, passaram como cometas, provando e vivendo intensamente, e trazendo-nos esses sentimentos contraditórios do medo e da idealização. Antes deles, um jovem italiano surgiu, revirando conceitos, tendo em suas veias uma tendência à vida tragicômica, uma história que daria um roteiro, um breve roteiro, mais precisamente, de trinta e um anos. Falamos de Rodolfo Alfonzo Raffaelo Pierre Filibert Gugliemi di Valentina d’Antonguolla, mais conhecido como Rodolfo Valentino.

 

Valentino chegou à América em 1913. Trazia em si o sangue latino, e uma vontade de enriquecer, tão comum aos jovens imigrantes. Ainda na Europa envolvera-se em um escândalo quando sua amante matou o marido. Na verdade Rodolfo não tinha perspectivas reais, mas tinha a esperança, inerente a quem faz sua própria história. Havia aprendido a dançar em Paris, e depois de algum tempo exercendo as mais diversas atividades, como office boy, jardineiro, garçom e copeiro, pôde enfim se tornar dançarino. Ganhava pouco como dançarino, e passou a oferecer seus serviços de acompanhante.

Já na América, o jovem foi visto e admirado dançando em muitas casas. Foi quando foi convidado a fazer testes para filmes. Fez por volta de 20 participações em filmes, sem ser creditado. Dentre eles  “Alimony” (1917), “The battle of the sexes” (1914), “My official wife” (1914), “Seventeen” (1919). Em “A Society sensation” trabalhou ao lado de Carmel Mayers, fazendo finalmente uma personagem com nome, o de filho de magnata. O filme seguinte, “Eyes of youth” faria os produtores abrirem os olhos para um potencial sucesso do rapaz. Mas o início de tudo viria com “The four horsemen of the apocalypse” (Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse).

A cena de tango, dirigida por Rex Ingram, integrava toda uma gestualidade, desenvoltura e versatilidade que Valentino aprendera nos tempos de dança. A segurança com a qual o ator desenvolveu a cena cativou a todos e a câmera, assim como as mulheres, sentiram-se atraídos por ele, seguindo-o por onde ele andasse. Estava claro que algo estava surgindo. Além de atrair para si as luzes, o homem utilizava-se de artifícios até então considerados femininos, como a sensualidade e a delicadeza dos gestos, muito bem ensaiados em seu quarto, em frente ao espelho.

Rodolfo tinha algo de andrógeno numa época em que nem se sabia da androgenia. Quem é este? As histórias e boatos sobre sua vida começaram a incendiar jornais e algo que particularmente o irritara era o questionamento sobre sua sexualidade. E de tudo se falava sobre ele, desde romances com colegas de elenco até seus problemas conjugais.

Acontece que o maior amante latino curiosamente casou-se com duas mulheres notadamente lésbicas. A primeira delas, Jean Acker, fugiu na noite de núpcias, por não conseguir levar o casamento à frente. No entanto ofereceu resistência a uma separação posterior. Isso acabou por prejudicar o próximo casamento de Rodolfo, dessa vez com Natasha Rambova. Natasha fazia parte do clã de Alla Nazimova, famosa lésbica de Hollywood. A veterana atriz não ficou muito satisfeita por sua querida ter preferido ficar com o jovem ator e teria feito de tudo para que se separassem.

Após contrair núpcias com Natasha, Rodolfo passou pelo maior constrangimento de sua vida, quando foi preso por bigamia e teve que jurar nunca ter tido relações sexuais com sua segunda esposa. O depoimento foi tão patético que muitos riram no momento, afinal, o casal vivia na mesma casa há vários meses.Valentino ultrapassava o limite da imagem, e tornava-se ele próprio a personagem, a máscara. Tornou-se assim, o primeiro dos grandes ídolos de massa, algo pop, nos dias de hoje.

Quando “The Sheik” foi lançado, um rio de pessoas correu para os cinemas, afinal já esperavam ansiosos pelo lançamento do filme baseado no polêmico livro. No Sheik, um poderoso homem sequestra e apaixonava-se por sua prisioneira, interpretada por Agnes Ayres. Alimentava-se o mito do macho, sempre pronto para provar com sua força a sua superioridade. Claro que a história possui em si fatos extremamente opressores, mas na época em que foi lançada, milhares de mulheres foram atraídas como moscas às salas de cinema. Os homens, por sua vez dividiam-se entre os que o idolatravam (como por exemplo Charles Chaplin) e os que o detonavam questionando sua sexualidade.

Nessa altura, Valentino já rendia muito para os Estúdios, e milhares de mulheres sonhavam com ele. “Blood and Sand” (Sangue e Areia), de 1922 contava a história do toureiro Juan Galiardo, famosa novela de Vicente Blasco Ibánez, homem simples, dividido entre o amor verdadeiro e os prazeres trazidos pelo dinheiro. Ao seu lado, as atrizes Lila Lee e Nita Naldi. Esta última, sua grande parceira em mais três filmes: “A sainted devil”, “The hooded Falcon” e “Cobra”.

Foram nove sucessos em dois anos e Valentino necessitava de um descanso. Resolveu retornar à sua terra em companhia de Natasha. Lá chegando se apresentaram em algumas casas de shows dançando tango. Não se pode chamar isso de turnê, o fato era que os dois gastavam mais do que podiam, e para complementar a renda abriram mão de alguns dias para conseguir pagar o que compravam.

A última película de Rodolfo foi um retorno ao seu maior sucesso:“The son f the Sheik” (O Filho do Sheik), uma continuação do filme de 1922, trazendo, além de Agnes Ayres, a atriz Vilma Banky. Na época surgiram rumores sobre um romance com a atriz Vilma, e sobre um suposto envolvimento com Pola Negri. Pouco tempo depois o astro e Natasha se separaram ou estavam em processo de separação quando veio a surpresa. Uma apendicite que lhe acompanhou durante bom tempo lhe tirou a vida em poucos dias.
Parecia irreal para ser verdade. A galinha dos ovos de ouro trazia seu maior golpe, a retirada de cena, no ápice da popularidade do maior astro que o cinema produzira até ali. Manchetes de jornais noticiaram, e milhares de viúvas faziam plantão na porta da funerária. Acabava-se a vida, aumentava-se o mito. A morte repentina também fez surgir boatos de assassinato. Histórias sobre homens ciumentos povoaram a imaginação de jornais. Como acontece ainda hoje em dia, muitos chegaram até mesmo a duvidar de sua morte.

Falar sobre Rodolfo Valentino, faz-me lembrar de um poema de Cora Coralina, que diz:

Não sei… Se a vida é curta ou longa demais pra nós,
Mas sei que nada do que vivemos tem sentido,
se não tocamos o coração das pessoas.

E isso não é coisa de outro mundo, é o que dá sentido à vida.
É o que faz com que ela  não seja nem curta, nem longa demais,
Mas que seja intensa, verdadeira, pura… Enquanto durar.

Morrem os homens que se transformam em mitos, morrem as flores deixadas para eles, morrem as pessoas que os amavam, e depois as que nasceram delas. Mas os mitos permanecem, imortais, vivos, presentes enquanto alguém lembrar-se deles. Valentino tornou-se o eterno amante, jovem e ausente das rugas do tempo, rugas que transformam a todos em algo comum, esquecíveis por não serem breves.

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