Heinrich Von Kleist foi mais um daqueles casos já conhecidos de grandes escritores que só tiveram sua obra reconhecida após deixarem este mundo. E depois de vagar durante 34 anos, o jovem afundado em dívidas decidiu por fim à sua vida. Não sem antes de combinar com sua amiga. Após atirar nela, o escritor se matou. Tal acontecimento trágico serviu de inspiração para “Amor Louco”, lançado em 2015 por Jessica Hausner. Em entrevista recente, a diretora afirmou que o único filme que ela levou em consideração na hora de fazer o seu, foi A Marquesa d’O, do aclamado diretor Éric Rohmer.
Julietta (Edith Clever) é uma mulher de moral inviolável. Viúva e com filhos, tem a vida transformada quando durante a invasão dos russos, é arrastada por um grupo de soldados que tentam estupra-la. Ao ver a situação extrema, o conde F. vestido com roupas brancas e parecendo ser o próprio anjo, a toma dos braços deles e a leva em segurança para sua casa. Após tomar um chá de papoulas, a mulher adormece e acorda muito tempo depois. Ao despertar, admirando a complacência do conde que a salvou, deseja agradecê-lo, mas ele está ausente. Seu pai (Peter Lühr) a leva para casa, e o agradecimento fica para outra hora.
Aspectos sociais de uma era, em que a mulher pouco podia fazer por sua vida, vem à tona. Julietta teria que se submeter a um homem que a violentou. Algo que é uma degradação, mas que à vista da sociedade do século XVIII soa como romantismo, ao pensar que ela possa se apaixonar por alguém que cometeu ato tão insano. Mesmo que para nós pareça clara a sua inocência, ela pouco pode fazer a respeito a não ser perdoar a todos os envolvidos, família e homem. Julietta tem uma nobreza de espírito imaculada, tanto que chega a questionar se teria sido ela, também como a Virgem Imaculada, gerado através do espírito santo.
O filme tem um desenvolvimento lento e teatral que poderá não agradar a muitos. Os subtítulos designando a passagem do tempo fazem com que seja mantida a fidelidade ao texto original, excessivamente descritiva. A ausência de trilha sonora faz com que nos atenhamos ao texto e as expressões dos atores, bastante contidas, embora o desespero da situação exigisse mais realismo. Mas talvez essa tenha sido mesmo a intenção de Rohmer neste filme que ganhou o Grand Prix Spécial do Festival de Cannes daquele ano. Apesar da ausência de sentimentos mais profundos, A Marquesa d’O é uma obra a ser conferida e que gera debates sobre um assunto tão delicado e que merece ser tratado com toda seriedade.