Delírio de Loucura (1956)

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Ed Avery (James Mason) é um bom pai, um bom marido. Faz de tudo para manter os seus em harmonia. Passando por dificuldades financeiras, arruma um extra para pagar as contas. Sua esposa Lou (Barbara Rush) desconfia que ele a trai. É a única dificuldade aparente na família composta ainda por um filho pequeno. Ed começa a sentir estranhas dores que se tornam a cada dia mais constantes. Após passar por uma bateria de exames, descobre que tem uma doença fatal. A família entra em desespero. Mas há ainda uma solução: caso ele tome cortisona, possa ser que haja uma chance de sobrevida.

Ed resolve aceitar o desafio. Começa a tomar o remédio. Inicialmente as perspectivas são positivas, ele se sente bem e disposto. Mas com o passar dos dias, alguns efeitos colaterais começam a se manifestar. Dentre eles a psicose. O homem começa a se comportar de maneira estranha, maltrata colegas, torna-se agressivo com todos. Também se transforma em um idólatra, e toma a bíblia como exemplo a ser seguido literalmente. Sua esposa está de mãos atadas. Assustada. Como conviver com um homem que é um fantasma do que um dia foi? Esse é o grande fardo de Lou e de seu filho Richie (Christopher Olsen), que vê seu grande ídolo se transformar em seu pior inimigo.

 

Delírio de Loucura (Bigger Than Life) traz questionamentos diversos. O primeiro, obviamente é sobre o uso excessivo de medicamentos e seus efeitos que podem ser devastadores. O descaso médico que falha miseravelmente no acompanhamento está sempre presente. À beira da morte, não há grandes esperanças, mas a dúvida é se vale a pena conviver desta maneira.

A segunda grande questão é a familiar. Em uma América dos anos 50 e ainda com ideais puritanos, o casamento significava uma sentença perpétua. Como homem, Ed é o alicerce que mantém a todos erguidos. O que acontece quando o alicerce se parte? Lou se vê presa a uma instituição que coloca em risco sua vida e a do seu filho, ameaçado de morte pelo pai doente.  A decisão de um final como aquele só poderia condizer com o que a América pensava ser a família ideal: juntos até o fim. Se a morte fosse uma ameaça? Paciência.

Tal limite imposto à figura feminina é demonstrado claramente em uma das cenas em que Wally (Walter Matthau) sugere à submissa mulher, que busque alternativas às dificuldades em que se encontram. Lou nega-se a fazer qualquer coisa que fira o orgulho do marido violente. A provocação ao sistema parece trazer elementos consistentes, mas soa frágil quando nos deparamos com o final simplista. Nicholas Ray gostava de tocar na ferida, de mostrar personagens marginalizados. Já tínhamos visto isto em Juventude Transviada, quando a família perfeita também é posta em questão.

Outra questão que merece destaque é a crítica contumaz à desvalorização dos professores. Esse é um ponto interessante, já que não costumamos ver em filmes americanos tal enfoque. Ed tem que se desdobrar para manter sua família, arruma dois empregos, talvez sendo esse um dos motivos que o levam à estafa e à doença. Quando tomado por esta, desenvolve um caráter fascista, interpela amigos, e o pior, consegue angariar simpatia de alguns que veem sentido em seu discurso que incita o ódio.

O filme tem a marca de Ray, embora Cyril Hume e Richard Mailbaum sejam creditados como roteiristas da história baseada em um artigo publicado em 1955. O fato é que o diretor acrescentou elementos que julgou serem de vital importância como a descrição de como era a vida de Ed antes de ser atormentado. Não esqueçamos também da severa ao consumismo excessivo já presente naqueles dias.

Grande parte do drama funciona em razão de James Mason, que está um monstro no filme. O ator que se destacou em grandes filmes naquele período era também um dos produtores e ficou chocado que após o lançamento houvessem tantas críticas desfavoráveis. Culpou o formato widescreen. Mas talvez o motivo fosse outro. O público americano ainda não estava preparado para se ver de forma tão nociva nas elas. Muitos críticos acusaram Delírio de Loucura de ser excessivamente melodramático. Indo na contramão da crítica americana, como sempre, os franceses da Cahiers du cinéma elogiaram a produção, considerando-a inteligente e precisa.

Delírio de Loucura é de fato um grande filme, que cresce mais a cada revisão. É um retrato angustiante de uma família em decadência, assim como o estilo de vida americano. A mulher submissa, o marido são os filhos sadios e felizes, parecia estar ameaçado quando fatores externos e sempre presentes invadiam seus lares.

 

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