Quando o cinema aprendeu a falar, atraiu uma série de gente que já fazia sucesso nos palcos e que contribuíram para a expansão de um gênero que faria muito sucesso a partir de então: os musicais. O primeiro filme “O Cantor de Jazz” já dava as primeiras pistas de que esse seria um gênero forte. Na época da estréia Judy Garland tinha apenas cinco anos, mas já se apresentava com suas irmãs. Ela não previa, embora sonhasse desde cedo, mas seria uma das rainhas dos musicais. Quando estrelou Desfile de Páscoa sua carreira ainda estava no auge iniciado com a série de filmes de Andy Hardy (Mickey Rooney). O technicolor amplia o carisma da atriz que ainda brilhava ao lado de Fred Astaire, Peter Lawford e Ann Miller.
Mas não era para ser assim. Não inicialmente. Quis o destino que Gene Kelly, escalado para interpretar Don Hewes, quebrasse o tornozelo numa partida de futebol. Isso foi uma grande dor de cabeça para os estúdios, pois eles pretendiam faturar muito lançando dois filmes da dupla em um curto espaço de tempo (O Pirata e Desfile de Páscoa estreariam com dois meses de diferença). Impossibilitado de repetir a dose de O Pirata (1948), teve que ser substituído às pressas por Fred Astaire. O mago do sapateado já pensava naquele momento em pendurar seus sapatos, mas acabou rendendo-se ao convite de Garland. Mas não seria só Gene Kelly que seria substituído. Cyd Charisse também estava escalada para interpretar a dançarina Nadine, mas um acidente onde quebrou a perna a impossibilitou de seguir o contrato. foi substituída por Ann Miller. Esse acabou se tornando o primeiro filme de real destaque da atriz, que desde a década de 30 seguia em papéis secundários. E ela agarrou com todas as suas forças a personagem que seria a rival de Garland pelo amor de Don.
Mas os grandes problemas estavam apenas começando. Segundo David Shipman, o filme seria dirigido por Vincent Minnelli e Garland teria influenciado diretamente para a demissão do diretor. Casada com Minnelli, a atriz teve um colapso nervoso em O Pirata, quando estava sob a direção do marido, e a MGM, temendo que o mesmo acontecesse neste, resolveu ouvir seus apelos e contratar Charles Walters. O fato contribuiu com um esfriamento da relação entre eles. Nunca entenderei realmente os reais motivos de Judy, já que o diretor era bem conhecido pela consideração, educação e carinho com que tratava seus atores. O que sabemos é que para Minnelli foi um grande baque naquele momento. De qualquer maneira, o “problema” ficou a cargo de Walters.
Judy já conhecia o diretor de Ziegfeld Follies (1947) e iria trabalhar mais uma vez com a atriz em Summer Stock (1950), último filme dela para a MGM. Apesar de todos os problemas iniciais, e que indicavam que o filme seria problemático, a química dos atores escolhidos acabou se tornando eficaz nas bilheterias. Isso funcionou em parte por causa da belíssima trilha sonora, oito das quais assinadas por Irving Berlin. Também foram utilizadas filmes antigas revividas nas vozes do quarteto principal. O roteirista Sidney Sheldon teve que se virar para adaptar o roteiro a essas canções, que não podiam ficar soltas na história. Além dele Frances Goodrich, Albert Hackett e Frances Goodrich assinam o roteiro.
Don Hews (Fred Astaire) é um dançarino famoso que divide o palco com sua parceira Nadine (Ann Miller). Os dois também tem um envolvimento amoroso que é abalado com a vontade que ela tem em seguir carreira solo. Decepcionado, Don busca outra que possa substituir sua antiga companheira. Quando conhece Hannah (Judy Garland) ele não acha que ela pode conseguir, mas resolve vencer essa batalha, ensinando passo a passo o caminho para que ela se transforme em uma grande estrela. Bem, é quase um My Fair Lady. Hannah não tem experiência alguma, e sofre para conseguir seguir os passos de Don. Inevitavelmente os dois acabam se envolvendo amorosamente. Todas as cenas foram rodadas no conjunto da MGM, que possuía uma rua completa com edifícios de fachadas. Como vocês podem ver, o título Desfile de Páscoa passa um pouco distante do tema páscoa, lembrado apenas pelo grande desfile e pelo número inicial em que Fred Astaire vai para uma loja em busca de um chapéu de páscoa para Nadine. A cena é de uma graça e temos oportunidade de ver Astaire disputando um coelho com um garotinho. Quem leva a melhor?
Não resisto. Vamos rever a cena?
Sabe uma coisa que sempre me chamou a atenção nesse filme? As bochechas intensamente vermelhas de Ann Miller. Elas são perfeitamente visíveis nesta cena em que Don chega até ela e tenta convencê-la a ficar com ele. Creio que o uso exagerado da maquiagem neste filme se deva a efeitos utilizados em filmes em preto e branco, quando as maçãs do rosto deveriam ser destacados para serem melhor iluminados. De qualquer maneira, tudo fica mais intenso com o vestido criado por Irene e que tem o mesmo tom:
https://www.youtube.com/watch?v=jwZZvqrkiOw
A primeira cena em que Hannah aparece é divina. Suas vestes são bem contrastantes com as de Nadine, uma mulher sem dúvidas elegante e sofisticada. Mas Hannah e seus trajes são de uma simplicidade envolvente. Vestida de rosa, cabelos presos em um coque, em meio a um coro, a desajeitada garota acaba atraindo o experiente Don. O fato é que ele não tem noção do quão talentosa é essa garota, e o quanto canta. A primeira melodia já é um indicativo da simplicidade de sua personagem. Na música ela canta que é uma garota do Michigan e que deseja apenas voltar para sua amada terra:
Se você olhar direitinho o vestido de penas de avestruz que a Judy usa em um dos números musicais, e for ligado em musicais, irá logo ligar os pontos: a criação é uma referência e paródia do traje usado por Ginger Rogers em Top Hat (1935). O número Cheek to cheek acabou se tornando o mais famosa da dupla Rogers e Astaire. Utilizando um fato real ~ as penas realmente se soltavam o tempo todo e incomodavam o Astaire ~ os roteiristas resolveram fazer uma paródia daquele instante, o que casou perfeitamente com a cena, já que Hannah não consegue de fato dançar com todo aquele frufru.
Agora, um número que tenho uma grande fascinação: “Shakin the Blues Away” com a Ann Miller. Este momento é só dela, que repete com maestria uma coreografia vista em tantos de seus filmes. No documentário que acompanha uma edição dupla muito antiga do dvd, a atriz relata que foi particularmente difícil para ela executar essa sequência, já que estava com problemas nas costas. Mesmo assim ela reina nos palcos. A música é uma regravação do hit de Irving Berlin e foi utilizada no Ziegfeld Follies de 1927. A Doris Day também fez uma versão em Love Me or Leave Me (1955), e a Ruth Etting também gravou em 1927, mas essa da Miller continua sendo minha preferida.
Astaire também tem seu momento de glória com “Steppin ‘Out With My Baby”. Aqui ele dança com algumas garotas e tem uma sequência fabulosa com o uso de uma câmera lenta que nos permite deslumbrar seus movimentos perfeitos em cena. Atrás, as pessoas continuam a dançar em tempo real. Essa foi uma das primeiras vezes que a MGM utilizou o slow-motion e foi uma das grandes licenças poéticas do cinema: afinal, quem dançaria neste ritmo em cenas ao vivo no teatro? Há uma coisa bem interessante aí, já que os trajes utilizados pelas dançarinas do corpo de baile foram reutilizados de outros filmes da MGM.
E para fechar, não poderia deixar de fora o momento mais fascinante do filme, embora eu continuaria a falar do mesmo por mais algum tempo. Estou falando daquele em que Judy e Astaire executam o “A Couple of Swells”. O número foi criado para ser o ponto máximo da dupla, trazendo-os como dois vagabundos que perambulam pelas ruas com roupas remendadas. E como Judy gostava dessa sequência em especial. A atriz o repetiu em muitos de seus shows, e gostava particularmente de fecha-los vestida com essa roupa. Ela também fez um número baseado neste em show com sua filha Liza Minnelli, anos depois. O que se pode dizer é que é encantador ver a dupla em cena.
Infelizmente Judy gravou um número solo “Mr. Monotony”, mas este acabou sendo cortado no final. Ele tinha sido lançado para equilibrar o número solo feito pelo Fred Astaire. De todo caso, as roupas utilizadas pela Judy foram reutilizadas por ela no filme Summer Stock. De qualquer maneira, Easter Parade é um filme feito para entreter e deve ser visto não só no período de páscoa. É uma celebração da música de Irving Berlin, os musicais e aos grandes astros que o protagonizam. Que tal assistir hoje?
Fontes: SHIPMAN, David: Judy Garland: a primeira biografia Completa, 1997. Making of Desfile de Páscoa site: http://www.imdb.com/title/tt0040308/ site: http://www.cinemaclassico.com