No Teatro da Vida (1937)

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Dirigido por Gregory La Cava, Stage Door (BR: No Teatro da Vida) traz uma visão sombria sobre a busca do sucesso e o precário sistema de estrelas em voga na Hollywood dos anos trinta. Durante o período, muitas jovens eram atraídas pelo glamour e sonhavam em se tornar estrelas nas grandes companhias teatrais ou cinematográficas. Os escassos casos de sucesso ampliavam a esperança de muitas, que rumavam para a cidade do sol, enquanto os casos frustrados eram esmagadoramente esquecidos. Curiosamente o filme dirigido por La Cava traz algumas atrizes que deixaram suas marcas na indústria mais rica do planeta: Katharine Hepburn (que naquele período começava a ser considerada um veneno de bilheteria mas que terminou seus dias aclamada como uma das atrizes mais respeitadas do mundo), Ginger Rogers (alçada à categoria de estrela de musicais ao lado de Fred Astaire e futura vencedora de um Oscar), Lucille Ball (que mais tarde se tornaria um ícone televisivo com a série de sucesso que levava seu nome, se tornando um referência na comédia), Gail Patrick (que se destacava como mocinha em muitos romances da época mas hoje se tornou esquecida pelo grande público), Constance Collier (uma veterana do período vitoriano que tinha entre suas pupilas na vida real a atriz Katharine Hepburn), Ann Miller (dançarina de musicais e que teve que mentir sua idade real ~ 14 anos ~ para conseguir uma vaga neste filme) e Andrea Leeds (hoje esquecida devido ao abandono precoce das telas em favor de um casamento).


Com um elenco formado basicamente com tantas atrizes de renome, o único nome masculino de destaque é Adolphe Menjou, astro de tantos filmes silenciosos e que repete aqui mais uma vez a persona do homem frívolo, visto em tantos outros filmes, e mais lembrado por sua participação em Casamento ou Luxo, de Charles Chaplin. Seu personagem é a personificação da desonestidade do star system, cada vez mais interessado no agora, e que não respeita as individualidades.

A Sinopse

A pensão só para mulheres é o cenário principal, embora algumas cenas sejam encenadas em teatros e no apartamento e escritório do produtor Anthony Powell (Menjou). Nos primeiros minutos somos apresentados ao núcleo principal, mulheres que dividem o jantar (a desalentadora sopa), os quartos e as expectativas de um dia chegarem ao estrelato. Algumas conseguem trabalhos temporários como dançarinas, outras sobrevivem como podem, sendo sustentadas por ricos senhores que as levam para jantar fora (e fugirem da inevitável sopa, quase uma personagem). A figura de Sarah Bernhardt (atriz do período vitoriano e ícone de uma era) é lembrada através de uma poltrona exibida como item de visitação no local.

Diante de discussões irrelevantes, surge Terry Randall (Hepburn), uma moça rica que deseja mudar de ares e se tornar uma atriz de sucesso. Ela não tem experiência nas artes e sofre com a pressão familiar que lhe indica que repita o padrão observado pelas mulheres da família: dedicar-se ao futuro marido e filhos. Sua chegada à pensão marca sua necessidade de liberdade e será o ponto chave na disparidade de oportunidades oferecidas, pois graças à sua condição social, será a única que receberá uma boa chance no teatro.

A figura mais trágica é a de Kay Hamilton (Leeds), a mais talentosa entre as jovens locais, e que após alguns sucessos tem todas as portas fechadas diante de si. Cansada de ir e vir a tantos testes, Kay passa por dificuldades financeiras e começa a se desesperar. Após descobrir que o papel que estuda há tanto tempo vai para a inexperiente Terry, entra em um processo depressivo e decide se suicidar.

Terry foi aprovada para a peça graças à seu pai, que mesmo que não aprove sua carreira, decide fazer um agrado para que a filha desista de algo que ele considera um capricho. Na noite da estréia, a personagem descobre tudo, através de Jean (Rogers) e se sente culpada. Pensa em desistir de tudo, mas Miss Luther (Collier) a convence a entrar em cena “em nome da arte”. Terry entra no palco e traz a sua melhor interpretação, arrancando lágrimas e palmas de todos.

A vida segue, e meses depois ninguém mais lembra do triste caso de Kay. Novas garotas continuam saindo e chegando à pensão, e sendo apresentadas à nobre figura de Sarah Bernhardt.

Uma Personagem Baseada em Fatos Reais (?)

Kay Hamilton pode ser uma personagem fictícia, e seu desespero diante daquilo que julgava perdido pode lembrar muitas personagens reais. A primeira que me veio à mente e que estava bastante fresca naquele período (ela falecera em 1932) foi Peg Entwistle. Era uma garota talentosa, e a grande Bette Davis afirma em entrevista a HIGHAM (1983) que decidiu se tornar uma atriz após presenciar uma das performances da atriz no espetáculo “The Wild Duck”, de Henrik Ibsen. Aos 17 anos Peg era considerada uma grande promessa e incentivada pelos colegas de teatro.

Diante de tantos incentivos, fez suas malas e rumou a Hollywood, peregrinando por diversos estúdios. O máximo que conseguiu foram algumas participações geralmente retiradas nas edições. O golpe fatal foi ter sido convidada para fazer testes de figuração. Entregando-se às bebidas e à depressão, Peg decidiu interpretar aquele que seria seu último e principal papel: na noite de 16 de setembro de 1932, a aspirante vestiu seu melhor traje, maquiou-se generosamente e encaminhou-se para o Monte Lee, na Califórnia. Chegando ao letreiro Hollywood (à época Hollywoodland), dobrou cuidadosamente seu casaco, colocando ao lado um livro e sua carteira. Subiu na letra “H” e por fim jogou-se, dando um fim à sua existência. Seu corpo seria encontrado dias depois e reclamado somente após seu tio ler em um jornal uma nota sobre o suicídio. Ninguém se importou, e a piada do destino veio quando dias após sua morte, ela receberia uma proposta para um filme. Fecha a cortina.


Tal como Peg, Kay sucumbe à frustração, jogando-se da janela de seu quarto. Embora tenha procurado, não há de fato evidências de que essa personagem tenha inspirada em Peg, mas o fato recente provavelmente foi lembrado pelos roteiristas Morrie Ryskind e Anthony Veiller. O caso da atriz que tanto agradara Bette Davis não foi um único, haja vista que diariamente jovens se dirigiam aos grandes estúdios em busca de uma resposta afirmativa, mas foi sem dúvidas aquele mais citado naqueles verões, ajudando a criar lendas e influenciando a retirada do LAND no mais famoso letreiro do mundo.

Um Filme Feminista?

Cena 1: Terry chega ao quarto que irá dividir com Jean. Coloca sobre aparador a foto de um senhor de idade enquanto é observada pela colega. Começa a retirar as roupas da mala e é indagada por Jean sobre o casaco de peles que veste. A loura acha que com o dinheiro conseguido com a venda, a mulher rica poderia viver em um local melhor e insinua que o homem na foto é amante dela. Terry responde que o dinheiro não interfere em quem ela é, e que não se venderia tão fácil, além do quê, o homem em questão é o avô dela. Não contente com a resposta, Jean rebate que isso não melhora em nada, já que não acha nada digno viver às custas de outras pessoas.

Cena 2, final do filme: Uma das garotas emociona-se ao se despedir de suas colegas. Ela está saindo da casa para unir-se a um homem. Observando a cena, Terry e Jean dialogam o quanto deve ser triste por ela sair da casa onde moraram durante tanto tempo. Para Terry o sentimento da saída é difícil, ainda mais que ela vai para uma nova vida ao lado de um marido. Jean rebate dizendo que pelo menos ela terá filhos que farão companhia em sua velhice, enquanto elas terão apenas recordações e um livro de retalhos que ninguém lerá. Terry não concorda, e recorda à amiga que elas são uma “raça” diferente de mulher, independentes. Jean suspira e revela que pelo menos naquele momento gostaria de ter alguém segurando sua mão.

A mulher que é sustentada pelos familiares ou amantes é posta em cheque no primeiro diálogo (CENA 1), com uma das personagens evidenciando que a independência financeira da outra não seria total se ela permanecesse vivendo às custas de outras pessoas. Na CENA 2 observa-se uma conformidade com relação aos dois papéis da mulher na sociedade: ou o de esposa ou de dona de sua liberdade. Elas são diferentes, aquelas que não se adaptaram às regras sociais, e reconhecem o quanto é difícil ter que escolher um caminho.

Primeiramente algumas considerações acerca do feminismo. As primeiras análises fílmicas sobre o tema tiveram como base textos de Virgínia Woolf e Simone de Beauvoir e se desenvolveram mais profundamente na década de setenta, conforme explicita Stam (2003, 193). Portanto, muitos anos após a realização de Stage Door. Há algumas teorias que preconizam o que seria um filme feminista, apresentando alguns aspectos que não são tão fáceis de serem identificados. À priori deve conter diálogos e apresentar personagens femininas que tenham representação narrativa própria. Sendo um filme com personagens majoritariamente femininas, Stage Door, apresenta pelo menos três com diálogos representativos. Segundo o teste de Bechdel, um filme feminista deve conter pelo menos duas mulheres conversando uma com a outra e falando sobre algum assunto que não remeta aos homens. Neste quesito, o filme falha miseravelmente, já que os dois diálogos apresentados, mesmo trazendo elementos que questionam o posicionamento do feminino na sociedade, não o faz por si só, mas trazendo implícito o elemento masculino (o homem que sustenta na CENA 1 e o homem que casa na CENA 2).

No entanto, apesar de não ser exatamente feminista, esses questionamentos com relação à posição feminina na sociedade da década de trinta merece destaque, já que na maioria quase absoluta dos filmes do período, a reprodução dos conceitos era bem clara com relação aos papéis vividos. Embora a primeira guerra tenha forçado as mulheres a saírem de casa enquanto seus homens guerreavam, a década estudada ainda trazia o ranço sobre a obrigatoriedade do casamento para as moças. Isso pode ser visto em outros filmes da época. A própria proposição de escolha de papéis não deixa de ser uma visão observada em todo o período, já que as personagens mesmo entendendo serem diferentes, parecem não aceitar que existe a possibilidade de se ter uma vida amorosa plena e ao mesmo tempo serem chefes de sua vida.


Esse posicionamento de um roteiro escrito por dois homens nada mais é do que a reprodução de chavões vistos em outros filmes e que exacerbavam algumas situações como estas: os perigos de uma esposa casada trabalhar fora (traições e filhos mal educados seriam uma conseqüência), a mulher bem sucedida porém mal humorada (a ausência de um homem justificava sua triste vida incompleta) ou a secretária bonita (que trazia perigo ao lar atraindo os homens à traição).

Considerações Finais

O elenco de peso chamou a atenção e levou milhares ao cinema para ver aquele lançamento de 1937. O diretor La Cava fazia parte de um núcleo de bem sucedidos, e que traziam entretenimento a uma parcela significativa da sociedade que ainda sentia os efeitos da Grande Depressão de 1929. Naquele período muitos ainda preferiam as comédias malucas e o diretor se destacou também com comédias nesse estilo como Irene, a Teimosa (uma socialite se apaixona por um homem que finge ser um mendigo) e Prelúdio Nupcial (que traz a história de uma secretária que conquista seu chefe e depois descobre que a vida em comum não era um bom negócio). Contudo, seu filme mais substancial desta década continua a ser Stage Door, pelo caráter revelativo sobre uma indústria que nascia amparada na meritocracia e inversão de valores, além da tímida referência a um universo feminino além dos chavões apresentados no período.


Um ponto positivo a ser observado em Stage Door é a sororidade entre as personagens. As mulheres tem em comum o sonho em alcançar o sucesso em suas carreiras, mas apesar de desejarem até o mesmo papel, não estão disputando entre si. Em uma das cenas mais evidentes sobre esse caráter temos Kay descobrindo que Terry conseguiu o papel que ela sonhava no teatro. A trágica personagem conhece todas as falas e está em evidente processo de depressão devido o choque, mas nem por isso ela deixa de dar dicas para a amiga, dizendo qual a melhor maneira de interpretar o papel. Em outra cena, Terry defende Jean, mostrando a ela o caráter de Anthony Powell, um homem interessado menos nas companhias femininas do que em massagear o seu ego. E embora não possa ser considerado um filme essencialmente feminista é perdoável pela época em que foi realizado.

Carla Marinho

Referências:

Stage Door (1937). Disponível em: http://www.imdb.com/title/tt0029604/
HIGHAM, Charles: Bette Davis. São Paulo, SP: Francisco Alves, 1983.
STAM, Robert: Introdução à teoria do cinema. Trad. Fernando Mascarello. Campinas, SP: Papirus, 2003.

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