Deitado em minha cama, eu repito, eterna e sempre, o nome dela. Ellise McKenna. Vejo seu rosto, estou ao seu lado, numa noite de julho de 1912. Preciso acreditar que é possível. Preciso acreditar que vejo e sinto-a junto a mim. (Diálogo imaginário de Richard Collier)
Eu tenho uma mania estranha. Guardo fotos antigas. Não importa de quem. Não me importa também a idade. Jovens, velhos, bonitos, feios, parentes, famosos, nem tão… Guardo-os. Gosto de visualizar o intocável de um sentimento preso em uma foto, em um papel em tons de sépia envelhecido. Talvez por isso, temáticas de volta ao passado me atraem tanto. Assim ocorre todas as vezes que revejo ou leio “Em algum lugar do passado”.
Ao ensaiar sua primeira peça, Richard recebe um relógio de uma senhora idosa, que lhe pede que retorne para ela. Anos se passam, e o escritor teatral está com 36 anos, descobriu recentemente um tumor no cérebro e anda deprimido, sem criatividade para escrever uma nova peça. Decide largar tudo durante um tempo. Em seu caminho está o Grande Hotel, que com sua suntuosidade, chama-lhe a atenção. Lá decide ficar por uma noite. Visita uma exposição de peças antigas do hotel, e se depara com uma imagem que o fascina. Ellise McKenna. Uma atriz que apresentara neste mesmo hotel uma peça. Richard descobre que se passaram quase 70 anos desde que a foto fora tirada. Seria possível apaixonar-se por uma imagem de alguém que não mais existe a não ser em fotos e memórias? Ele se apaixona, e vai contra todas as regras absolutas ou imaginárias, para viajar no tempo e ter aquela que ama pelo menos uma vez. Em suas pesquisas, descobre que realmente esteve no passado, e que a mulher que lhe dera o relógio era a própria Ellise McKenna.
Estamos falando do livro de Richard Matheson, narrado em primeira pessoa por Robert Collier, irmão de Richard que encontrara seu diário, e pelo próprio Richard, que contara suas últimas experiências. Em algum lugar do passado conta a trágica história de dois amantes separados pelo mais comovente dos inimigos: o tempo. Sob a direção do fraco Jeannot Szwarc, e sob o roteiro do mesmo Richard Matheson, o filme foi levado às telas em 1980, tendo nos papéis principais Christopher Reeve (Superman) e Jane Seymour. Belos e promissores atores.
Na adaptação para as telas, algumas mudanças foram verificadas. A doença fatal de Richard foi sublimada. No livro, isto traz uma opção ao leitor de decidir se Richard, abalado com a morte eminente, teria imaginado uma história de amor que nunca vivera para si mesmo. Já na versão cinematográfica, tal fato importante retirado tirou dos espectadores a possibilidade de decidir ser ilusão ou não, dando, ao mesmo tempo algo de trágico à ocasião, já que vemos um jovem bonito e com um futuro imenso pela frente definhar em depressão por causa de um amor, jogando sua vida fora por causa dele.
Personagens foram acrescentados, como Arthur, o simpático senhor do Hotel, que reconhece Richard (pois o teria vista aos 5 anos), e que acaba formando um elo entre o passado e o presente. Ótica claramente utilizada para comprovar que realmente, e não imaginativamente, Richard esteve no passado. Outros foram retirados, como o narrados Robert, que nem ao menos é citado.
Um dos mistérios deixados pelo roteiro é sobre o relógio entregue por Ellise a Richard e posteriormente entregue por ela a ele. De onde, afinal, teria vindo? O relógio é, pois, um artigo de época, que fica claro no momento em que ele viaja no tempo para encontrar sua amada. Mas ao mesmo tempo atemporal, já que ela recebe o mesmo das mãos de Richard. Tendo seguido o livro, ficaria claro que Ellise o teria dado duas vezes para o amado, que em seu retorno para o futuro, o teria deixado em suas mãos. Proposital ou não, tal fato culmina numa pergunta jamais respondida: no filme, de onde vem, afinal, o relógio?
Dentre as boas surpresas da película está a trilha sonora de John Barry, com a bela música “Rhapsody on a theme of Paganini, solado ao piano de Chet Swiathowsky (Rachmaninoff) atravessando nossos miolos constantemente durante todo o período.
Apesar do público aclamar a história romântica, os críticos foram quase unânimes em massacrá-lo. Se é verdade que toda massa é burra, creio estarmos em um impasse neste caso, já que tanto a massa que assiste a um filme por prazer, quanto a crítica mantiveram posições opostas. O fato é que, Em algum lugar do Passado teve uma produção estimada em US$ 5 milhões, fraca para os padrões da época, não agradando a gregos e troianos, mas tornando-se, ao longo dos anos, um dos maiores clássicos românticos. E para alguém que, como eu, viaja em memórias nunca vividas, um bom momento de reflexão sobre os poucos momentos vividos, e que valeriam uma vida inteira.