Apesar de não ser muito lembrada hoje em dia, Gypsy Rose Lee (1911 – 1970) foi uma importante artista burlesca americana. A atriz começou a trabalhar muito cedo, ainda na primeira infância, ao lado de sua irmã, a também atriz June Havoc. As duas eram exploradas pela mãe, Rose Evangeline, que chegava a falsificar seus documentos para elas serem contratadas para trabalhar na noite como artistas. Lee se tornou conhecida, sobretudo, após a partida de sua irmã que fugiu para se casar, e por seu famoso striptease, uma marca sua, e que segundo ela teria surgido por acaso, quando a alça de seu vestido acidentalmente se rompeu. O público foi ao delírio e Lee passou a repetir o gesto a cada apresentação, tornando-se sucesso absoluto.
Devido ao sucesso, ela recebeu vários convites para atuar nas telas, mas não mostrou ser boa atriz e teve um sucesso relativo, chegando inclusive a escrever roteiros para as telas. Paralelamente à vida nos palcos, Gypsy era escritora e chegou a fazer três livros, sendo o mais famoso sua autobiografia, escrita após a morte da mãe em 1957. Na biografia ela conta aspectos de sua vida ao lado da tirânica progenitora e da irmã. O livro e posterior peça causou a indignação da irmã que não aceitava a forma como ela mesma era mostrada. Após um acordo financeiro June finalmente aprovou o material e mais tarde escreveu sua própria versão da história.
Em 1962 a biografia chegava às telas, dirigida por Mervyn LeRoy, que dirigiu filmes como O Mágico de Oz (1939), A Ponte de Waterloo (1940) e Tara Maldita (1956), só para citar alguns dos sucessos de sua extensa carreira. Gyspy conta a história da ascensão de Gypsy como artista, ao lado de sua irmã June, verdadeira estrela da família. Ann Jillian interpreta June.
Após a atriz e cantora Ann-Margret ser sondada para o papel principal, Natalie Wood, que também iniciara a carreira ainda criança, e seguia uma carreira sólida após participações em Juventude Transviada (1955), Clamor do Sexo (1961) e o mais recente, o também musical Amor, Sublime Amor (1962) foi contratada.
Para compor a personagem, Wood recebeu dicas com a própria Lee, que visitava constantemente os bastidores de filmagens. A atriz trouxe uma interpretação apaixonante e adulta, e chegou a ser indicada ao Globo de Ouro naquele ano, não levando. Contudo, sua personagem aparece pouco na primeira parte, e quem brilha realmente é Rosalind Russell. Com a chegada da idade adulta de Lee, Natalie pode finalmente a que veio e mostra porque era considerada uma das queridinhas do público da década de 60, com seu jeito meigo de atuar. O número musical Little Lamb é um dos momentos mais doces do filme, com uma Natalie interpretando uma ainda jovem Gypsy Rose Lee.
Judy Garland foi cogitada para o papel, e sem dúvida seria uma ótima escolha, já que não precisaria ser dublada (Russell foi dublada por Lisa Kirk) e Judy Holiday foi a segunda escolha. Mas esse acabou sendo o menor dos problemas e Russell mostrou porque era considerada ainda uma das melhores atrizes vivas. Contemporânea da própria Lee, fez enorme sucesso nas décadas de 30 e 40 e essa seria uma de suas últimas performances nas telas. Com o papel da Mama Rose, Russell receberia um Globo de ouro de Melhor atriz neste ano. A personagem da Mama é o grande destaque do filme como um todo, embora o filme ganhe com a presença de Natalie Wood na segunda parte da película.
Completando o trio de do elenco principal, não podemos deixar de citar Karl Malden (Uma Rua Chamada Pecado e Sindicato dos Ladrões), um ator que apesar de quase nunca protagonizar os filmes sempre tinha atuações corretas e de destaque, desta vez como Herbie Sommers.
Um fato a observar é que o filme não é cansativo, embora a teoricamente personagem principal Gypsy demore um pouco para tomar o protagonismo. Os figurinos são um espetáculo e são assinados por Orry-Kelly , que naquele momento gozava de grande prestígio. O estilista chegou a ser indicado ao Oscar de Melhor Figurino em Cores naquele ano.
A Direção de arte é fabulosa, sobretudo nas cenas no teatro, embora um grande defeito visto na maioria dos filmes da época é repetido aqui: todas as cenas foram feitas em estúdio, inclusive aquelas que teoricamente ficariam perfeitas em cenários externos, dando valor natural às cenas. Um exemplo
A direção de arte é fabulosa, sobretudo nas cenas de teatro e detalhes dos cenários, contudo temos que fazer uma ressalva aqui. Todas as cenas foram feitas em estúdio, inclusive aquelas que necessitavam de locações externas. Um dos momentos principais é quando Mama Rose descobre que June casou-se e a abandonou, e a cena é realizada numa estação de trem feita inteiramente em estúdios. Isso dá um caráter artificial que prejudica bastante a cena, e até o áudio (que provavelmente não foi dublado) aparece com um eco típico de ambientes fechados. Difícil manter a concentração com todo gelo seco ao redor das pessoas. Mas isso não era uma característica isolada deste filme, e sabemos que os estúdios preferiam fazer cenas internas mesmo, sendo raro um filme que tivesse cenas feitas in loco, que saíam mais caro e tinham que obter diversos tipos de autorização.
Gypsy é um filme que, apesar de ter seus problemas pontuais, merece destaque e foi, sem dúvidas, um dos grandes destaques da carreira de Natalie Wood.
O filme foi lançado pela Obras Primas do Cinema e pode ser adquirido nas lojas abaixo e nas lojas físicas: