Imitação da Vida (1934)

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Em Imitação da Vida (1934),  Bea (Colbert) é uma viúva que divide-se entre cuidar da sua filha e ter que lhe garantir o sustento. Delilah surge como um anjo, em um momento em que Bea sente-se culpada por não poder dar a atenção necessária à filha, mas compelida a trabalhar. A mulher ajuda-a nas tarefas domésticas e na criação de Jessie, e em troca pede apenas um local para dormir e comida para ela e sua filha Peola. Desde criança, Peola não consegue entender porque é inferior socialmente, já que tem a pele branca. As duas crianças crescem juntas, mas Jessie sabe e aceita desde cedo que sua amiga não possui os mesmos privilégios que ela. Delilah acha perfeitamente natural, e não aceita quando Bea chama a atenção de sua filha quando esta chama a pequena Peola de negra.

Após provar a deliciosa panqueca feita por sua criada, Bea, mesmo sem dinheiro algum, decide abrir um restaurante. Muito boa em negociações, consegue o crédito necessário mesmo não tendo dinheiro algum. Explorando o trabalho de Delilah, que trabalha incessantemente fazendo suas famosas panquecas, Bea se torna uma empresária de sucesso. Os negócios vão bem, mas Delilah, que empresta seu nome e trabalho para a empresa da patroa, nega-se a ganhar uma pequena porcentagem nos lucros. Sua dedicação à Bea, inclui tão somente o amor e a abnegação.

A Delilah é um esteriótipo da “mammy’, aquela senhora boa, negra, cuja maior preocupação é o bem estar da chefia e seus filhos. Ela não tem vida particular, dedica-se exclusivamente a fazer o bem, não tendo ambições financeiras e sendo bastante apegada às questões religiosas. Confesso que para mim é extremamente embaraçoso ver como essa figura é bastante explorada nos filmes do início do século passado e o quanto essa imagem contribuiu para que a base conservadora ampliasse o caráter subserviente dessas pessoas.
“Coloque-a numa escola para crianças de cor”, dirá uma ~ amável ~  Bea em determinado momento, para em seguida a servente aceitar de bom grado a proposta. Negros e brancos não devem se misturar, e isso é visto claramente quando as duas dividem o mesmo lar, mas com Delilah morando no subsolo. O problema de Peola é olhar-se no espelho e não entender porque deve manter a tradição de serventia, destinada à sua raça. É cruel como sua mãe tenta colocar em sua cabeça que deve aceitar os desígnios de Deus, um Deus que ela não consegue entender, mas também aceita que tenha feito pessoas que nasceram para servir e serem humilhadas. Neste sentido, Peola é o caráter subversivo de uma sociedade calcada na diferença de raça. E ela pagará por sua revolta quando após muito bater a cabela, entende qual é o seu papel na sociedade.  A questão religiosa de Delilah apoia suas convicções de aceitação, tanto que a única coisa que almeja, como cristã, é um funeral de rainha, prêmio por uma vida de mártir.


Por fim, tudo se torna absurdamente constrangedor se não entendemos que o filme é fruto de uma época. O racismo institucionalizado ainda era uma realidade na América dos anos 30, quando Imitação da Vida foi levado às telas sob a direção de John M. Stahl. A realidade dos negros não difere em absoluto da vivida por Delilah, personagem vivida por Louise Beavers, exceto naturalmente a visão que temos no filme, que é a de brancos sobre o que os negros deveriam sentir com relação à situação.

Naquele momento na história, a segregação racial era forte, e negros não podiam dividir os mesmos espaços que os brancos. Quando em transportes urbanos tinham que ceder seus lugares, não podiam dividir lugares nos bares, restaurantes e cinemas. Não podiam frequentar as mesmas escolas. E as que haviam, serviam para propagar a inferioridade de um povo.

Poucos anos depois, em 1940, a atriz Hattie McDaniel, uma atriz extraordinária e primeira mulher negra a receber o Oscar de Melhor atriz coadjuvante por sua participação em E o Vento Levou não pode estar entre os colegas, pois a segregação racial impedia que ela estivesse na mesma mesa de Vivien Leigh e Olivia de Havilland no Ambassador Hotel. Esse não foi seu único papel como empregada, e questionada o porque de aceitar sempre os mesmos papéis, ela respondeu: eu precisava sobreviver.

Dalilah também não pode dividir os mesmos espaços que Bea, que afirma ser sua amiga, e durante as festas que dá, recolhe-se ao seu compartimento, mantido no andar inferior.

Imitação da Vida é um filme feito por brancos com a visão deles do que deveria ser o comportamento de uma mulher negra. O princípio da discriminação visto ao longo de toda a produção começa já na abertura, com Louise Beavers aparecendo somente em quinto lugar nos créditos. Muito pouco para quem divide o protagonismo com Claudette Colbert e termina com o martírio de Peola, tão vítima quanto a mãe.

Imitação da Vida foi lançado pela Colecione Clássicos e pode ser adquirido diretamente no site da empresa. Aconselho-o a conferir essa obra e tomar suas próprias conclusões. Ela é vital para abrir um debate sobre um tema tão cruel quanto necessário.

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