A Morte Cansada (1921)

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Fritz Lang foi um dos diretores fundamentais do expressionismo. O alemão nascido em 1890, desenvolveu uma carreira de destaque na Alemanha e na América, para onde partiu para uma curta temporada na década de 30. Dentre alguns de seus filmes de destaque posso citar O Testamento do Dr. Mabuse, Metropolis (1927) e M, o Vampiro de de Düsseldorf (1931). Este último lançou ao estrelato internacional Peter Lorre. Mas o primeiro filme que deu o pontapé inicial à sua carreira foi A Morte Cansada / Der Müde Tod, lançado em 1921.

Um casal de recém casados está a caminho de um pequeno vilarejo. Durante o trajeto, se assustam ao notar um homem estranho subir em seu coche. O homem é a morte, que também se dirige para a cidade para descansar. Chegando lá, a morte consegue comprar um terreno ao lado do cemitério. Lá constrói um grande muro.

O trio volta a se encontrar em uma taberna. Todos ao redor sentem uma repulsa ao estranho homem, que com sua capa preta parece espreitar o jovem casal. Assustada, a moça se retira do local, e ao retornar sabe por outros que seu noivo (Walter Janssen) foi levado pelo homem. Será em pânico que ela irá busca-lo em todos os cantos da cidade. Sem sucesso, encosta-se no muro da casa da morte e vê uma cena assombrosa: várias almas ultrapassam as paredes, e entre elas está o seu amado. Ela entra em estado de choque e é levada pelo farmacêutico para que descanse. Na casa do homem, a mulher lê uma frase que a levará a não desistir de seu noivo: “O amor é mais forte que a morte”.

Após tomar uma poção, ela consegue finalmente adentrar no mundo desconhecido da morte, que lhe espera e a leva a seus aposentos. Lá apresenta à moça as velas que regem a vida dos seres humanos, e revela que está cansado por seu árduo trabalho. Ao ver que a moça insiste em ver seu amado, propõe que ela salve uma das vidas, representadas por  três velas. Caso consiga, terá seu amado de volta. Em seguida, teremos o desenvolvimento de três histórias de amor. A primeira ambientada na Arábia, a segunda na Itália e a terceira na China.  Conseguirá nossa heroína vencer a morte?

O muro sem portas e aparentemente intransponível é a peça chave desse drama com elementos que remetem à religiosidade. A história não trata somente da eterna luta perdida entre a vida e a morte, mas traz a ilusão de que o amor sempre poderá vencê-la. Durante a exibição, percebemos um debate sobre o divino e o humano, retratados pelos personagens da mulher e da morte. Enquanto a primeira traz um sopro de esperança e força, movidos pelo sentimento mais forte que existe, a segunda apresenta-se desamparada, cansada, e injustiçada por fazer sua obrigação. A morte parece sofrer mais do que os humanos que sentem a falta das pessoas queridas. Em seu olhar aparentemente gélido, repousa algo tão humano que chega a nos assustar. A morte também deseja ser derrotada. A morte é a mais humana das personagens.

Encaixado no expressionismo, o drama não foi bem recebido em sua terra por trazer justamente elementos que mostravam culturas de outras nacionalidades. Alguns consideram esse um motivo que faz com que A Morte Cansada não seja de fato um filme do movimento. Mas ele acaba se encaixando justamente quando nos deparamos com sua fuga da realidade. Há algo mais expressionista do que isso? A iluminação extremamente escura com contrastes de acordo com o estado de alma acaba por retratar o estado psicológico de suas personagens. A loucura da mulher que busca incessantemente seu amado, e a própria narrativa fantástica acabam referenciando o movimento de uma maneira absurda. É de vital importância os cenários, que se mostram universais justamente para enfatizar o amor em todos os povos. Os casais habitam em vários continentes, e não se apegam também à questão temporal.

Além das questões estéticas, há dois elementos chave para que o roteiro flua de maneira contínua: Lil Dagover e Bernhard Goetzke. Dagover tinha pouca experiência no cinema, mas já tinha trabalhado ao lado do diretor em Die Spinnen (1919). Foi uma das atrizes que continuaram a atuar com sucesso mesmo após a transposição do cinema mudo para o falado. Ela atuou até a década de 70. Goetzke, me perdoe o trocadilho, dá vida à morte, emprestando a seus gestos duros uma quase doçura e compaixão. Um dos atores mais importantes da Alemanha, soube como ninguém trazer um equilíbrio entre o sombrio e a compaixão.

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* A Morte Cansada está sendo lançada pela Obras Primas do Cinema através do Box Expressionismo Alemão. Além deste filme, o box traz também Fausto (1926), O Castelo Vogelöd (1921), A Caixa de Pandora (1929), O Gabinete do Dr. Caligari (1920) e mais de 2 horas de extras. Você pode adquiri-lo clicando na imagem abaixo:

 

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