O Colecionador (1965)

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O Colecionador, de John Fowles, traz um dos personagens mais perturbadores da história da literatura. O suspense que se tornou um best-seller desde seu lançamento em 1963 traz a história de Freddie Clegg, um jovem frustrado que enriquece de uma hora para a outra após ganhar na loteria. Cheio de conflitos psicológicos, tem uma personalidade excêntrica, coleciona borboletas e não tem amigos. Apaixona-se platonicamente por Miranda, uma estudante de artes, e passa a persegui-la por todos os cantos até saber de todos os seus hábitos.

O ápice da obsessão chega quando ele decide fazer com ela o que faz com suas borboletas: sequestrando-a, leva-a para uma propriedade que comprara e a deixa em um quarto fechado. Aparentemente Freddie nutre um grande descompromissado amor pela jovem. É quase carinhoso, cobre-a com pequenos luxos e a melhor comida. Em sua gaiola de ouro, Miranda conta os dias, e começa a duvidar que sairá viva dali. Para Freddie, a situação é extrema, mas, para sua cabeça perturbada, é necessária, já que não tem amigos ou qualquer pessoa que o ame. Parece desesperador pensar que, por causa da narrativa, e como as coisas são conduzidas, chegamos a ter pena do personagem. E é aí que nos sentimos culpados, pois Freddie é o perfeito manipulador. Miranda, para ele é apenas algo que ele adquire, um bibelô, um objeto, ou uma borboleta, como frisei logo acima. Amor não aprisiona, e sim liberta. Mas Freddie não parece entender.

Dois anos depois do lançamento do livro, The Collector chegava às telas. William Wyler, um diretor com uma imensa bagagem nas costas (dirigiu O Morro dos Ventos Uivantes, Ben-Hur e A Princesa e o Plebeu e outros grandes sucessos) estava às voltas com as gravações de A Noviça Rebelde. Porém, estava visivelmente desapontado com o trabalho, não queria mesmo dirigir um musical. Alguns indícios indicam que um dos motivos que o fizeram abandonar tudo foi seu interesse pelo roteiro de O Colecionador. Naquele momento específico, parecia bem mais interessante ao veterano diretor um suspense psicológico do que um musical. Abandonou o primeiro e dedicou-se ao segundo, que traria Terence Stamp e Samantha Eggar como os personagens principais.

Para uma obra que fale sobre abusos, é incrível a maneira como Samantha Eggar foi tratada durante a produção. Terence Stamp revelou anos depois que Wyler não permitia que qualquer membro da equipe fosse simpático com ela, e aconselhou a todos que a desprezassem. A atriz comia separado do grupo e passou dificuldades físicas extremas na cena da chuva. Para o veterano diretor, que na época tinha 63 anos, era perfeitamente aceitável tratar mal uma atriz para que sugasse dela sua melhor interpretação. Curioso é que nesse tempo em que escrevo sobre filmes, tenho visto experimentos deste tipo feitos somente com mulheres e crianças. E imagino quantas devam ter passado por tal pesadelo em nome da “arte”. Espero que o cenário tenha mudado um pouco de lá pra cá. E mesmo o fato de Samantha ter sido indicada por sua participação não é o suficiente para justificar tais atos.
Tirando o abuso cometido pelo diretor e sua equipe, ainda é um filme primoroso. A fotografia, tendo-se em vista que a ação se passa em sua maioria em dois ou três cenários, amplia a sensação de claustrofobia. Tudo é frio e escuro, assim como a interpretação sombria de Terence Stamp. A composição do personagem feita por Stamp contribuiu para que ele deixasse em nós essa sensação angustiante de culpa. Seu Freddie me lembrou de longe alguns outros personagens como o Cal Trask de East of Eden (1955) e Norman Bates. Não por acaso, personagens com sérias dificuldades de relacionamento. O ritmo lento é cortado somente com a chegada do último e inevitável ato. E é ali que sentimos quem de fato é Freddie.
O filme dirigido por William Wyler, assim como o livro, deixa-nos com sentimentos contraditórios. Freddie Clegg é de fato uma problemática figura com dificuldades de auto estima e com grandes problemas psiquiátricos. O colecionador é um grande livro trazido às telas. Dificilmente um remake seria bem aceito nos dias de hoje.

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