Casada com Teseu, Fedra apaixona-se pelo filho deste, Hipólito. Este a rejeita, e diante disso, uma vingativa Fedra o acusa injustamente de tê-la violado. A história traz algumas variações, e a primeira versão que se tem notícia foi de Eurípedes, mas dessa só restaram trechos. A outra veio de Sêneca, que traz um conteúdo mais explícito. A mais recente foi escrita por Jean Racine no século XVIII. Nesta há a inclusão de outra personagem, Arícia. Há ainda uma versão escrita por Eugene O’neill. Em comum, o mito de Fedra traz um aspecto fundamental de como pode se comportar alguém diante da rejeição.
O cinema trouxe algumas adaptações de Fedra, sendo as primeiras delas lançadas na década de 1910 na Itália: a primeira em 1910 e a segunda em 1919, baseadas nos textos de Jean Racine. Algumas das mais conhecidas incluem ainda uma adaptação da história dirigida por Delbert Mann, Desire under the Elms (1958), Wild Is the Wind (1957), Tribute to a Bad Man (1956) e Phoedra (1962). Vou me deter nesta última.
Phoedra (1962) traz Anthony Perkins interpretando o jovem seduzido pela madrasta. Curiosamente, o ator já tinha sido escalado para interpretar o personagem em Desire under the Elms (1958), atuando ao lado da esfuziante Sophia Loren. A magnitude da atriz italiana é um contraste a um quase tímido Perkins, que parece ser engolido em cena pela ganhadora do Oscar. Mais maduro em 1962, ele parece mais à vontade no filme dirigido por Jules Dassin.
Já falei em outras ocasiões o quanto admiro o trabalho de Anthony Perkins. A primeira vez que assisti a esse filme vinha de uma maratona de alguns de seus projetos mais subestimados. Posso dizer que surpreendi-me positivamente com este que me parece de alto nível comparando-se a obras nas quais ele seria jogado posteriormente graças ao querido e infame Norman Bates. O personagem dirigido por Alfred Hitchcock acabou por sagra-lo e condena-lo ao mesmo tempo, levando-o a uma série de personagens com o perfil problemático. Mas nessa época ele provavelmente não percebia o que iria lhe acontecer, pois ainda colhia os frutos do sucesso de Psicose.
O outro elemento do filme, o ator Raf Vallone é daqueles cujo rosto conhecemos de um punhado de filmes, e que estreou com um dirigido por Giuseppe De Santis, Arroz Amargo (1949). Mas a rainha do elenco atende pelo nome de Melina Mercouri, consagrada atriz grega que naquele período já estava casada com o diretor Jules Dassin. Ao seu lado faria algumas de suas melhores participações no cinema. Aqui ela exala toda a sexualidade incontida e inerente à personagem principal da tragédia. Ela é definitivamente a Fedra, uma mulher mais velha, experiente, mas que não consegue lidar com a rejeição do homem amado.
Profanação é um filme que sempre indico a quem me fala sobre a carreira limitada de Anthony Perkins ou que admire as tragédias e suas adaptações para as telas. Com momentos verdadeiramente grandes, Jules Dassin trouxe uma obra que utiliza-se de elementos fílmicos que ampliam todo o sentido da dor que seguirá à entrega avassaladora. Os ângulos enfatizam o drama, o belo uso de contrastes e posicionamentos trazem cenas mitológica e mostram a sensibilidade do diretor que também contou com uma belíssima trilha sonora assinada por Mikis Theodorakis. Com todos esses elementos, considero este um dos seus melhores trabalhos, e que merece ser conferido sem ressalvas.
* Revi esse filme à convite da Colecione Clássicos, que tem esse filme em seu catálogo. Quer dar uma conferida? Clique aqui.