A Última Gargalhada (1924): O orgulho e a queda de um porteiro em Berlim
Em ‘A Última Gargalhada’, um dedicado porteiro de um hotel de luxo em Berlim é rebaixado devido à idade avançada, passando a trabalhar como atendente de banheiro. O filme explora seu sofrimento ao tentar esconder a mudança de status de amigos e familiares

“Hoje você é o primeiro, respeitado, um ministro, um general, talvez um príncipe. Você sabe o que será amanhã?”
É com esse prólogo que Friedrich Wilhelm Murnau inicia a história de Hotelportier, a história de tantos ao longo dos anos, e que ainda se repetirá durante muito tempo. Hotelportier, como todos vós, jovens que leem essas poucas e rápidas linhas, envelheceu, e foi colocado de lado em sua função. Não era uma grande profissão, se pensarmos nos príncipes ou ministros ou generais citados por Murnau no prólogo, mas para o homem era algo que lhe dava prazer e orgulho. O orgulho do trabalho bem feito e com agilidade que todos fazem quando amam.
A cinematografia assinada por Karl Freund captura tanto seus momentos felizes quando ele sente-se garboso em sua farda quanto aqueles em que os olhos amargos do velho senhor nos enervam ao passar tanta angústia. A iluminação feita diretamente em seus olhos enfatizam esse sentido e fazem com quem sentimos o que ele também sente. Ser diminuído de posto devido à sua idade é algo que irá lhe matar com certeza, e é algo capturado em sua imensidão em cenas como esta. A luz, fracamente iluminando-o por trás, ele, encolhido em um canto, fazendo suas refeições em um banheiro é apenas um exemplo da excelente fotografia.
A câmera também enfatiza o desdém daqueles que já estão acostumados a substituir os mais velhos. O jogo de imagens, com sobreposições, e a câmera a seguir seus passos lentos e bêbados antecipa até mesmo o que os mais jovens julgam hoje como um novo cinema (tão visto na nouvelle vague). Vejam filmes antigos e verão que nada é novo, apenas transformado.
A vergonha de Hotelportier é tanta que ele rouba sua antiga farda para participar da festa de casamento de sua filha. Murnau não nos poupa de ver o desdém daqueles que logo percebem que ele não é mais o mesmo. Pensei cá comigo: a humanidade é desumana, sempre o foi, se não ri pela frente, o fará pelas costas, embora ainda haja humanidade em alguns. Enquanto servimos para algo e podemos nos defender, somos deuses, mas quando o tempo passa, a dependência do corpo cansado dita até onde podemos ir. Murnau foi fiel a essa frase dita no prólogo até o final.
Não contarei mais sobre o roteiro para que o leitor possa ser apresentado a essa obra que considero uma das maiores do expressionismo alemão. E ele ainda conta com a presença de um dos atores mais consagrados. Emil Jannings, um ator suíço que para quem não sabe foi o primeiro vencedor do Oscar de Melhor ator na América pelo filme Tentação da Carne e O Último Comando. Em A Última Gargalhada (Der Letzte Mann) ele mostra que domina a tela. O filme é ele e não consigo imaginar outro em seu lugar.
Charles Chaplin estava certo em sua biografia. Ele apenas constatou algo simples: vão-se os velhos, ficam os novos. Mas o que fazerem os velhos nos tempos que lhes restam? Murnau nos deu um final, que eu não contarei, mas que deveria ser possível. Poderia. Em um mundo ideal.