22 de março de 2025

Os melhores filmes de Jean Cocteau

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Jean Cocteau é um dos grandes nomes do surrealismo. Ele se destacou em várias formas de arte, trazendo uma sensibilidade única que o posiciona entre os mais influentes artistas do mundo. Sua obra se manifestou com excelência nos palcos, nas telas de cinema e na literatura. Além de ser um poeta talentoso, ele também atuou como pintor e designer. Cocteau tinha uma maneira especial de expressar seu interior, e como ele mesmo dizia, sentia um prazer imenso em fazer filmes, pois esses poderiam transmitir ideias que nem sempre eram claras na forma escrita.


Ele é creditado em onze filmes, todos com elementos que se conectam de forma intensa ao surrealismo, um movimento que nasceu em Paris e abrangia diversas formas artísticas. O surrealismo chegou ao cinema na década de 1920, enfatizando imagens oníricas e realidades que, à primeira vista, podem parecer estranhas por não serem objetivas. Por causa dessa complexidade, o movimento nunca foi muito popular entre o público em geral. Se você tem dificuldades em lidar com um tipo de cinema que foge da realidade e explora o subconsciente, pode não se impressionar à primeira vista. Contudo, uma boa revisão e um olhar despretensioso podem ajudar a apreciar a beleza de algumas de suas obras mais icônicas.


No documentário Jean Cocteau: Autoportrait d’un inconnu (1983), percebo que ele era um homem feliz, que não sentia inveja de seus colegas e sempre celebrava os sucessos alheios. E ele certamente teve o privilégio de viver cercado por várias personalidades incríveis, como os pintores Pablo Picasso, Miró, Modigliani, Salvador Dalí, a estilista Coco Chanel, os atores Marlene Dietrich, Yul Brynner, Jean Marais, e escritores como Gertrude Stein, Jean Genet e Raymond Radiguet, que faziam parte de seu círculo próximo de amizades.


Você pode explorar um pouco da obra desse grande poeta por meio de uma coletânea recentemente lançada, que inclui quatro filmes significativos em sua carreira: Sangue de Um Poeta (Le sang d’un poète, 1932), A Bela e a Fera (La belle et la bête, 1946), Orfeu (Orphée, 1950) e O Testamento de Orfeu (Le testament d’Orphée, 1960). Abaixo, farei uma breve descrição de cada um deles:

Sangue de Um Poeta (Le sang d’un poète, 1932):

Com um caráter totalmente experimental, Sangue de Um Poeta é dividido em quatro atos. Repleto de simbolismos, ele narra a história de um poeta que atravessa um espelho e ingressa em outros mundos, observando através de portas o que seus olhos captam. É uma representação do mundo sob a perspectiva de um poeta, com suas variações, experiências e choques culturais. Não é necessário detalhar cada parte do filme, já que a construção do mesmo supera uma sequência lógica.

Algumas alegorias presentes em Sangue de Um Poeta também aparecem em outros filmes de Cocteau, como a passagem do poeta entre as portas. Ele adota um caráter experimental em várias cenas, o que o tornou imortal. Além disso, os improvisos são notáveis, especialmente considerando a limitação de recursos da época. Esse filme é considerado o primeiro de uma trilogia que inclui Orfeu (1950) e O Testamento de Orfeu (1960), que comentarei mais adiante. É interessante mencionar que os figurinos foram desenhados por Coco Chanel.

A Bela e a Fera (La belle et la bête, 1946):

Baseado no conto de Jeanne-Marie Leprince de Beaumont, A Bela e a Fera apresenta a famosa história conhecida pelo grande público através de adaptações mais recentes. Aqui, Josette Day interpreta a bondosa Bela, uma jovem que vive com o pai e as irmãs em uma fazenda. Com dificuldades financeiras, ela assume a responsabilidade da casa, já que suas irmãs se recusam a ajudar.

Após uma viagem, seu pai chega a um grande castelo pertencente à fera (Jean Marais) e, ao roubar uma rosa para Bela, acaba sendo ameaçado pela criatura. Para salvar seu pai, Bela decide tomar seu lugar e se mudar para o castelo do monstro. Com o tempo, ela percebe que existe um grande coração sob aquela aparência sombria.

Esse filme de fantasia segue uma narrativa linear e apresenta elementos que Cocteau utiliza em outras obras, como a cena em que Bela desliza sobre um carrinho, dando a impressão de que ela flutua. Esse efeito será repetido em Orfeu.

Os elementos de cena, como os candelabros segurados por braços majestosos e as paredes que acompanham Bela em seu percurso, assim como as transições entre mundos e as alegorias dos espelhos, mantêm a originalidade da obra de Cocteau.

Orfeu (Orphée, 1950)

Nos primeiros momentos do filme, o narrador (Jean Cocteau) nos avisa que esta é uma versão única do mito de Orfeu, o homem que ama profundamente Eurídice e que se arrisca a buscá-la no reino dos mortos. No entanto, o poeta aqui sofre por não conseguir mais escrever. Durante suas andanças, ele testemunha a morte de um jovem poeta e é convidado por uma bela princesa (María Casares) a acompanhá-lo.

No caminho, descobre que ela é, na verdade, a morte. De volta ao seu mundo, Orfeu não consegue esquecer a princesa e negligencia cada vez mais sua esposa, Eurídice. Ela, por sua vez, passa mais tempo com Heurtebise (François Périer), o motorista da morte. Com ciúmes de Eurídice, a morte decide levá-la, forçando Orfeu, com a ajuda de Heurtebise, a ir ao outro mundo, não apenas em busca de sua esposa, mas da própria morte.

Os espelhos nos aproximam da morte. Em um dos diálogos, somos alertados de que, se olharmos diretamente para alguém, veremos a morte se aproximando. O filme carrega simbolismos de sacrifícios em nome do amor e alegorias sobre a imortalidade do poeta, fazendo dele uma das melhores obras, não só de Cocteau, mas do cinema francês.

É interessante notar a força do elenco principal, formado por María Casares, Jean Marais, François Périer e Maria Déa. Mesmo com atuações sutis, conseguimos amar e odiar seus personagens em igual medida, demonstrando que, na década de 50, a direção de Cocteau estava mais refinada do que nunca.

Uma curiosidade: segundo o IMDb, os extras nas cenas iniciais, em um café de Paris, eram boêmios reais que frequentavam o local. Após as filmagens, que duraram dois dias, eles permaneceram lá.

O Testamento de Orfeu (Le Testament d’Orphée, ou ne me demandez pourquoi!, 1960)

No seu último filme, Jean Cocteau assume o papel de si mesmo. Ele atravessa diferentes mundos, buscando perguntas e respostas para várias questões, enquanto se depara com a incompreensão de outras, sendo julgado, condenado e se tornando imortal, como qualquer poeta.

Neste filme, vários personagens que marcaram presença em suas obras anteriores retornam, assim como amigos conhecidos, como Jean Marais, María Casares, Yul Brynner e Pablo Picasso. O Testamento de Orfeu é uma obra-prima para ser vista e revista com atenção, sempre à espera de novas surpresas. Você pode interpretar o testamento de Cocteau de diversas maneiras, mas não pode deixar de assisti-lo, seja para amá-lo ou para detestá-lo.

 

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