O dia em que David Niven tentou tirar sua vida

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Na primeira pesquisa sobre David Niven me veio uma matéria relativamente antiga, publicada em 2009 e assinada por Marcus Dunk para o site dailymail. Tal matéria fala sobre o lançamento de um livro que contava fatos sobre a vida do ator nascido em 1 de março de 1910.

As informações me chocaram, pois conhecia o ator apenas de maneira superficial, e pelas biografias oficiais. O que tenho a dizer é que sua vida não foi tão fácil quanto pensava, e que ele teve que conviver com várias dificuldades ao longo de sua vida, a começar pelo nascimento.

Achei melhor traduzir o texto original de Marcus Dunk, respeitando sua autoria. As partes em vermelho são observações minhas, e adicionarei algumas fotos ilustrativas:

“Ele era um líder e uma lenda de Hollywood, cujo encanto sem esforça mostrava uma vida dourada e glamourosa. Como as luzes da idade de ouro de Hollywood, o ator britânico David Niven era famoso por nunca se levar a si ou sua fama à sério.

No entanto, sob esse exterior leve, emerge agora outro David Niven, um homem atormentado pela depressão, que foi assombrado por toda a vida pela ilegitimidade e pelo abuso sexual que sofreu quando ainda era uma criança.

Foi tão grave o seu desespero que ele confessou, pouco antes de sua morte em 1983, que tentara se matar atirando em si mesmo, e só não morreu porque a arma falhou. De acordo com Michael Munn, amigo e biógrafo de Niven, que conduziu uma série de entrevistas com ele pouco antes da morte do ator, a tentativa de suicídio ocorreu após a trágica morte de sua primeira esposa, Primula Rollo.”

Primula, David e filhos

Obs de Carla Marinho:. Tyrone Power e sua então esposa Annabella estavam dando uma festa em 21 de maio de 1946. Nela havia vários convidados famosos, dentre eles David e sua esposa. Durante um jogo de esconde esconde, ela confundiu uma porta de adega com um armário e acabou caindo um lance de escadas. Após ouvir seu grito, Tyrone e os convidados a socorreram, mas ela não resistiu, morrendo no dia seguinte e deixando dois filhos.

“De acordo com Munn, Niven perdeu toda a razão. ‘Eu decidi explodir meu cérebro’, admitiu o ator poucos meses antes de morrer. ‘Peguei uma arma e coloquei na minha boca, e com apenas um pensamento para meus filhos, sabendo que era imperdoável, puxei o gatilho. E a coisa sangrenta não disparou. Eu estava estranhamente calmo até então. Depois disso comecei a tremer. Eu não sabia porque a arma não disparou.

Eu sabia tudo sobre armas, mas não conseguia entender porque não tinha disparado. Acho que posso ter pensado que isso pode ter sido Deus dizendo-me para continuar vivendo pelo bem de meus filhos. Cheguei até a pensar que podia ter sido Primula que fez a arma falhar.

Esse lado trágico e sombrio foi um que Niven trabalhou duro para manter escondido de seu público adorado. Mesmo em sua biografia autorizada “The Moon’s a Balloon” (O Outro Lado da Lua), e assinada por Sheridan Morley em 1971 evitava-se tocar em certos assuntos.

Com dois  filhos pequenos

‘Mantenha o circo dentro de você’, uma vez lhe aconselhou ao jovem Robert Wagner. ‘Não leve nada a sério demais, tudo acabará no final.’ Mas no início, no entanto, havia pouco de circo na vida de Niven.

Nascido James David Graham Niven, em 1910 em Londres. O futuro ator era o mais novo dos quatro filhos de William Niven, um rico proprietário de terras morto em ação em Gallipoli em 1915. Pouco depois, sua viúva, Henrietta Niven, casou-se com o político conservador Sir Thomas Comyn-Platt. Os dois tinham um caso antigo e Sir Thomas era o verdadeiro pai de David, embora ele se recusasse a reconhecê-lo publicamente por medo de um escândalo.

‘Meu pai não era meu pai’, admitiu Niven antes da morte. ‘Quando soube daquilo, comecei a ter aversão a ele e me senti perdido, pois para mim, meu pai real foi tirado de mim na guerra, e agora eu tinha um padrasto que nem podia admitir que eu era dele.’

Incomodado e incomodando seus pais, eles decidiram envia-lo a um internato particular em Worthing, para que David tivesse a disciplina que precisava. O ator admitiu que o local representou uma das piores experiências de sua vida, principalmente devido ao abuso sexual ‘sádico’ que sofreu dos meninos mais velhos.

Ele passou por diversas escolas até que foi aceito na Faculdade Militar de Sandhurst, onde desenvolveu o charme e os modos polidos que iriam lhe servir. Mas ele logo ficou entediado com a vida militar. A gota d’água foi uma palestra entediosa que o impediu de se encontrar com uma mulher para jantar. Ao final, o general perguntou se havia alguma dúvida e David lhe disse:’Você poderia me dizer em quanto tempo vai terminar essa palestra? Eu tenho um trem para pegar’.

David foi preso por insubordinação e depois fugiu pela janela e foi embora para a América. Lá trabalhou em várias ocupações antes de tentar ser ator. Foi promotor de rodeio e até limpador de rodeio. Com seu charme natural, ele começou a fazer algumas peças, e depois de conhecer Samuel Goldwyn, conseguiu papéis em filmes como The Charge Of The Light Brigade, The Prisoner Of Zenda e, Wuthering Heights onde conheceu Laurence Olivier.

Niven aproveitou Hollywood, as festas e belas mulheres. E rapidamente se tornou amigo íntimo de Errol Flynn e só se afastou dele quando Flynn admitiu que dormia com ‘qualquer coisa que se move’. A guerra acabou com a vida tranquila de todos e Nivel volou para a Grã-Bretanha para se alistar. Lá se juntou a uma unidade de comando secreta e participou de ataques no litoral.

Com Errol durante as filmagens de The Dawn Patrol (1938)

Ele estava envolvidos nos embates do dia D e ao falar com Munn, no final de sua vida, admitiu que a lembrança dos campos de concentração retornavam regularmente à sua memória: ‘mesmo agora eu posso sentir o fedor em minhas narinas, e meu estômago embrulha. Sinto que isso nunca me deixará.’

Mas para o mundo exterior ele era apenas uma estrela de cinema. Casou-se com Primmie Rollo, filha de um advogado britânico, voltou à Hollywood, e sua carreira decolou. Foi quando aconteceu o terrível acidente que tudo mudou. Sua vida ficou fora de controle. ‘Eu tive uma doença bizarra. Eu fazia sexo para esquecer a dor. Sexo e bebida, mas eu preferia sexo. E pagava muito por isso. Mas muitas vezes não precisava, porque havia muitas estrelas dispostas a dormir com quem pudesse ajuda-las’.

E uma dessas conquistas teve sua própria carreira brilhante à frente. ‘Eu só lembro de me acordar de manhã no quarto de um amigo com a pior ressaca e, ao meu lado, essa estrela chamada Marilyn Monroe.’

Susan e David Niven, vencedores do Oscar de 1958

Mas o trabalhou proporcionou outra saída, e Niven era orgulhoso de seu profissionalismo, mesmo enquanto estava em desespero. ‘Em 40 anos nunca cheguei atrasado ou bêbado. E eles me pagam o suficiente, então o mínimo que posso fazer é chegar sóbrio, estar no tempo certo e conhecer as falas.’

As experiências da guerra lhe ensinaram a manter o controle mesmo sobre pressão. E durante o resto de sua vida, incluindo um infeliz segundo casamento com a modelo Hjordis Paulina Tersmeden e sua última doença debilitante, ele manteve o controle.

‘Vejo que o meu propósito na vida é fazer dele um lugar mais feliz para se estar.’ E é só agora que estamos descobrindo o quanto David Niven ficou escondido para alcançar esse objetivo.

Fonte: dailymail

Obs1.: O ator faleceu em 29 de julho de 1983, aos 73 anos, de esclerose Lateral Amiotrófica, doença que sofreu durante três anos. Ele não conseguiu completar as memórias passadas a Munn que mesmo assim resolveu lançar o livro com as informações obtidas.

Obs2: Infelizmente o livro de Michael Munn, “David Niven: The Man Behind the Balloon” (O Homem por trás do balão, numa tradução livre) não foi lançado no Brasil, mas pode ser adquirido a Amazon. 

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