Carole Lombard, um Cometa Inesquecível

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Carole Lombard, ca. 1930s

De todas as histórias — verídicas, obviamente — de amor sobre astros e estrelas que li, nenhuma outra tocou-me tanto quanto à de Clark Gable e da sua mais que bela esposa Carole Lombard — coube a Mary Pickford e Douglas Fairbanks (a rainha e o rei de Hollywood) ficarem em segundo no pódio.

Parte graças ao fascínio que figura de Gable sempre exerceu sobre nós: os amantes da sétima arte. Outro tanto, pela luta vã daquela garota que desejava ter para si a criatura amada — Clark jamais deixou de sair com outras mulheres mesmo amando Lombard e estando casado com ela —, e que, morreria de forma estúpida pouco antes de ver na tela, com toda a certeza, uma obra-prima do cinema: To Be Or Not To Be (Ser Ou Não Ser, de 1942).

Parte deste relacionamento que fora capa de revistas e assunto nas rodas de amigos — tal como Jolie e Pitt em tempos atuais —, veio a ser exibido no filme Os Ídolos Também Amam (Gable and Lombard), que tempos atrás veio a passar na Rede Globo durante a madrugada.

Mesmo não sendo um filme à altura dos biografados — na verdade, existem momentos em que se torna monótono — Os Ídolos Também Amam possui diálogos inteligentes, além do que, mostra-nos facetas sobre o casal longe da vista do grande público e repórteres. Gable detestava suas orelhas. Lombard acreditava que tendo um filho poderia aplacar as escapulidas do marido. Entre beijos e juras, flashes e boatos, discussões ferrenhas rolavam, como por exemplo:

Adoraria ter um filho com as suas orelhas — ela lhe diz.

Deus livre o pequeno — responde o astro.

Sendo assim, recomendo-o nem que seja tão somente por curiosidade. Voltando.

Clark Gable, como outrora disse, sempre exerceu fascínio para aqueles que contato tiveram com sua obra — ora, quem poderia ter dado de forma tão magistral vida a Rhett Butler? —, mas, com o passar dos anos tomei partido por Carole, tornando-me fã incondicional dela — sei que provavelmente irás gritar: sacrilégio ou acuse-me de farsante —, mas seu cônjuge veio a ficar com a medalha de prata. De modo que, se pudesse conhecer um dos dois pessoalmente, não seria o eterno mister Butler meu escolhido.

Nascida em outubro de 1908, filha caçula do casal Frederick Peters e Elizabeth Knight — Jane Alice Peters (nome verdadeiro) —, despontou cedo para a dramaturgia. Estreou na grande tela com doze anos de idade no filme Um Crime Perfeito (A Perfect Crime, 1921). Nos anos seguintes, participou de dezenas de películas tidas como filmes B — atualmente chamadas: baixo orçamento —, que eram apresentadas em sessões duplas nos cinemas americanos. Explico: no início do cinema, você pagava a entrada e assistia dois filmes, sendo o primeiro um tipo A — Gilda, …E O Vento Levou, foram classificados nesta categoria — e ganhava de brinde um filme B — O Marujo Foi na Onda, com James Dean ou Gold Heels com a própria Lombard. Houve momentos na história da sétima arte que o filme B era superior ao A. Um bom exemplo: Casablanca. Incrível? Deixemos este para um artigo futuro.

Quando o som começou a caminhar lado a lado com os filmes, muitas estrelas caíram — e os produtores necessitavam de “novas” estrelas. Lombard — assinando já seus trabalhos com o pseudônimo que marcaria sua vida —, não sofreu com a transição do mudo para o falado. Na verdade o som veio até a ser-lhe benéfico. — Alta Voltagem (High Voltage, 1929) traz sua voz pela primeiríssima vez.

Howard Hawks — célebre diretor — tinha em suas mãos uma missão quase que impossível, onde encontrar uma atriz que pudesse contracenar com John Barrymore — considerado por muitos como um gênio da sétima arte —, sem ao mesmo tempo ser encoberta na tela pelo ídolo de muitos. Revendo alguns trabalhos da jovem Carole, optou por chamá-la para atuar com Barrymore. Tempos depois, revelou que tinha notado na pequena “um talento que andava sendo desperdiçado”. Sabe-se hoje que, as gravações não foram nada fáceis. Haws sob editar bem a película, fazendo com que do dia para noite o talento da jovem viesse a ser reconhecido — Lombard era reconhecida nas ruas por sua atuação em A Suprema Conquista (Twentieth Century). Corria o ano de 34 e este ainda prometia muito para ela, de forma positiva — o oposto que fora no anterior, quando divorciara-se do ator William Powell que conhecera durante as gravações de Man of The World — , sucederam We’re Not Dressing, Now and Forever, Lady By Choice, e Bolero ao lado de George Raft — um dos seus atuais pretendentes, outro era Gary Cooper.

Um ponto interessante sobre Bolero: Carole havia sido convidada para participar do filme Aconteceu Numa Noite (It Happened One Night), mas, rejeitou o papel de Ellie Andrews, para atuar ao lado George Raft — o ator ao qual ela contracenaria em Aconteceu Numa Noite seria Clark Gable, de modo que, coube a Claudette Colbert ocupar a vaga.

Logo depois, em 1935, consolida-se de vez como uma das grandes comediantes do seu tempo no filme Hands Across The Table. O roteirista Robert Riskin propõe-lhe casamento. Todavia, não aceita visto que seria incapaz de viver ao lado de um homem que não desejasse ter filhos um dia.

Outro amor surge em sua vida, o cantor Russ Columbo. Ambos pareciam feitos um para o outro — gostavam de pescar, jogar tênis e de piadas de duplo sentidos. Decidiram contrair matrimônio. Porém uma tragédia haveria de pôr fim aos planos de união neste mesmo ano. Enquanto admirava uma pistola em um antiquário, Columbo sem querer disparou esta. O projétil ricocheteou, vindo descansar no crânio do jovem pretendente.

Os repórteres foram implacáveis sobre a “viúva”. O romance com triste final era notícia principal de todos os folhetins. Perguntas e mais perguntas foram feitas à atriz que apenas repetia que “Columbo fora meu grande amor”.

Independente do que houvera, o estúdio exigia que ela cumprisse seus compromissos — outros duas películas tiveram sua participação: The Gay Bride e Rumba.

São ótimos trabalhos — principalmente Rumba —, mas, não demonstram a intensidade dramática dos anteriores. Lombard cumpriu o contrato, desaparecendo nos meses seguintes.

Longe dos holofotes — ou pelo menos tentando. Logo após a morte de Columbo, não houve mais as famosas festas na sua residência —, ela então preparou-se para o seu papel mais importante — na opinião de muitos, sua melhor interpretação — em My Man Godfrey (1936) ao lado do ex-marido William Powell e dos grandes nomes da sua época, saber: Alice Brady, Mischa Auer, Eugene Pallette e claro Gail Patrick.

My Man Godfrey resgata a atriz de outros tempos — refeita do desastre e mais concentrada do que nos filmes anteriores — recebe indicação ao Oscar de Melhor Atriz.

Nada é Sagrado (Nothing Sacred), é o único filme Technicolor da artista. Em cores, é possível perceber toda a magnitude de sua beleza. Nada é Sagrado ainda tem o toque mágico na produção de um dos grandes gênios do cinema o lendário David O. Selznick.

Neste ano também, os caminhos de Gable e Lombard haveriam de ser cruzar novamente. Excetuando o episódio de Aconteceu Numa Noite, ambos haviam trabalhado lado a lado em No Man Of Her Own (1932), todavia ela ainda estava perdidamente apaixonada do Powell e Gable estava a milionária Ria Lagham — obviamente mantendo um caso aberto com Joan Crawford. O que impressionou a muitos, visto que, segundo comentários nas entre-salas “nenhuma das atrizes conseguia lutar contra o magnetismo de Clark”. Joan Blondel foi além “só as mortas não se sentem atraídas por Gable”. A lista de seus casos amorosos é imensa. Reza a lenda que certa vez estava ele ao lado de um amigo — isto, pouco antes de morrer em novembro de 1960 — em um dos famosos corredores da MGM, onde os cartazes de todos os filmes produzidos ficam em quadros na parede — admirando um por um — pelo jeito, tinham tempo de sobra —, sendo que ao final comentou com o amigo:

Uma maravilhosa exposição de belas mulheres, não?

Oh sim, realmente — concordou o segundo.

Gable sorriu, completando: É… e eu tive todas.

Grace Kelly, Jean Harlow, Joan Crawford estavam neles — sem falar de Gardner e Loretta Young, talvez um dos rostos mais belos da história do cinema junto com Pier Angeli —, idem Claudette Colbert — sua parceira em Aconteceu Numa Noite, que segundo Nigel Cawthorne (autor de A Vida Sexual dos Ídolos De Hollywood) fazia parte do grupo de lésbicas que amantes eram de Marlene Dietrich. Talvez Gable estivesse apenas brincando ou Colbert houvesse omitido a verdade. Permanece o mistério. Mas, voltemos ao que interessa.

Lombard e Gable vieram a se reencontrar em uma festa no ano de 36 — uma única música ao qual dançaram juntos, nenhuma palavra dita, um simples adeus com os olhos, foi necessário para desequilibrar o já nada equilibrado casamento de Clark — Ria afastara-se dele, por não suportar seu relacionamento extra-conjugal com Joan, apesar de legalmente ainda estarem casados. Segundo relata-se, Carole o deixou sozinho na pista antes que do acorde final. Para muitas estrelas e aspirantes ao estrelado presentes, era como se Lombard tivesse dado uma “bofetada na cara de Gable”. O que se sabe é que, simplesmente foi embora logo em seguida, não dando oportunidade para mais nenhuma mulher dançar com ele — nem mesmo, Crawford que revoltada tomou uma taça de champagne num único gole — logo ela, que dizia terem um relacionamento aberto, sem ciúmes, possessividade e coisa tal!

O que se sabe a seguir é que o relacionamento deslanchou de tal forma, que ambos eram figurinhas fáceis dos repórteres. Ria Lagham fazia-se de cega, surda e muda, não guardava mais esperanças de viver ao lado de Gable, mas, também não desejava o divórcio — a verdade é que estando na casa dos cinqüenta não poderia competir com garotinhas de vinte cinco que lançavam-se aos pés do marido.

A gota de água ocorreu dois anos depois (1938) quando a revista Photoplay publicou um artigo com o sugestivo título: “Os Maridos e Esposas Descasados de Hollywood”, que afirmava que Lombard e Gable viviam juntos, no entanto, sem terem contraído matrimônio.

Ultrajada Lagham chamou os repórteres e foi taxativa: não havia problemas para dar o divórcio a Gable, contanto que ela recebesse o merecido — ou seja, muito dinheiro.

Grande parte da fortuna de Clark veio a ser lapidada com o divórcio em questão. Selznick desejava Gable em …E O Vento Levou, mas este fora taxativo dizendo não querer fazer filme algum naquele momento. Todavia, entrando em falência procurou o diretor dizendo ter pensado melhor no assunto. Selznick apenas sorriu, tinha plena certeza que nenhum outro poderia interpretar Rhett Butler. Alguém discorda?

Ao contrário de Gable, Lombard sonhava em fazer a protagonista de …E O Vento Levou. O romance era uma obra-prima, conhecido do público e, provável candidato ao sucesso. Tinha certeza que conseguiria obter o papel — conhecia Selznick. Paulette Goddard também — Chaplin estava lutando para que ela conseguisse interpretar a famosa personagem. Por fim, Vivien Leight ganhou a aposta. Triste, sobrou para Lombard dividir as telas ao lado de Cary Grant In Name Only.

Em sete de março de trinta e nove, é concedido o divórcio a Clark Gable. Lombard e ele casam-se em vinte e nove de março daquele ano, indo morar em uma fazenda. Os amigos afirmavam que jamais ele amou outra mulher que não fosse ela. Carole sonhava em ter um filho — mas, infelizmente não conseguiam —, por mais de uma vez, afirmou aos jornais que largaria a carreira para se tornar numa legítima dona de casa, isto é, se viesse a ter um herdeiro.

Alfred Hitchcock convida-a para fazer parte do elenco de Senhor e Senhora Smith (1941). Lombard aceita. O filme como era de se esperar, foi um tremendo sucesso — abrindo o leque da atriz para o terror e suspense.

Senhor e Senhora Smith foi o penúltimo trabalho de Carole. Logo depois ela, participou do seu derradeiro intitulado Ser Ou Não Ser (To Be Or Not To Be).

Dirigido por Ernest Lubitsch — adaptado por este e Edwin Justus Mayer a partir do original de Melchior Lengyel — Ser Ou Não Ser (To Be Or Not To Be, 1942), veio ao grande público dois meses após a morte de Lombard — sendo que o mesmo, contava ainda com outras grandes estrelas da época, a saber: Jack Benny, Robert Stack, Felix Bressart e Lionel Atwill, entre outros.

Uma das grandes comédias da década de quarenta, é detentora de uma das aberturas mais interessantes da história do cinema: um Adolf Hitler surge na tela e após ser cumprimentado por seus soldados que dizem “Heil Hitler”, responde um “Heil me”. Obviamente, o filme era uma sátira ao ditador. Lembro que, naquele ano, os Estados Unidos já haviam declarado guerra aos nazistas.

O título é uma referência a peça de Shakespeare (Hamelt), ao qual Josef Tura (Jack Benny) e Maria (Carole Lombard) estão ensaiando com sua trupe de artistas poloneses.

Ser ou Não Ser, não foi bem aceito a princípio pelo público — o próprio pai de Benny abandonou a sala de cinema, enojado ao vê-lo usando um uniforme nazista —, o diretor Lubitsch passou a ser considerado “persona non grata”, e os principais veículos de comunicação, afirmavam que uma comédia sobre um assunto tão sério era de mau gosto. Na noite de estréia, a falecida atriz foi ovacionada com aplausos e, fora à única ao qual a imprensa não criticou. Um outro jornalista comentou que: “…é algo inaceitável o que foi feito em Ser Ou Não Ser, Lubitsch está rindo da desgraça do povo polonês”.

Mesmo assim, o filme teve indicações ao Oscar como melhor música e fotografia.

Algo interessante sobre Ser Ou Não Ser, é que inicialmente, uma cena fora retirada no dia lançamento da película, quando Sobinski Stanislav (Robert Stack, no papel), um aviado apaixonado por Maria (Lombard), convida-a para dar um passeio, ela responde: “Por que não? Afinal, o que poderia acontecer em um avião”. A atriz morreria em uma queda de avião. Esta cena veio a ser restaurada anos depois, quando o filme passou a ser preservado pelo National Film Registry dos Estados Unidos — outro clássico protegido pela NFR é O Nascimento de Uma Nação.

Ser Ou Não Ser, sobreviveu à prova de fogo dos anos, tanto que em oitenta e três, teve um remake com Mel Brooks no papel principal, e estreou na Brodaway em setembro de dois mil e oito numa nova adaptação de Nick Whitby. Para os que não tem acesso ao DVD importado, boa parte do filme está em disposição no site youtube.

Os Últimos Momentos

Gable e Lombard não estavam no melhor momento de sua vida pessoal naquele ano. Havia instantes de reencontro, mas, o desejo de ter um filho sem conseguir — por parte de Carole —, ruía a já desestruturada vida familiar de ambos — sem contar, a presença constante de Joan Crawford no meio dos dois —, de modo que, resolvera se engajar em campanhas em prol do exército americano.

Pouco antes de pegar o avião que a levaria para morte — sua mãe estava junto com ela —, reuniu diversos fãs para uma foto e pediu para que todos fizessem em “V” de vitória com os dedos. O vôo que pegara tinha destino seu lar no intuito de reencontrar Gable e quem sabe, mudar o rumo da sua triste vida.

Vinte e dois mortos. Trinta e três anos.

Clark recebeu um telegrama, nele escrito estava: “Nenhum sobrevivente. Todos mortos instantaneamente”.

Desconsolado embebedou-se, procurou Crawford, passou a noite com esta, mas, logo ao amanhecer caiu em prantos culpando-se por estar com outra mulher na noite em que “seu grande amor partira”. Procurou a morte. Um acidente de moto quase o leva. Depois, alistou-se na aeronáutica no intuito de ter maior sorte na guerra. Sobreviveu, fisicamente.

Mesmo tendo outros casos e até um filho, os amigos insistiam que ele nunca mais fora o mesmo, inclusive Joan Crawford: “Naquela noite, ele foi para outro mundo e, jamais retornou”.

Crawford de certa forma o perdera — mesmo tendo futuros reencontros com ele, até o falecimento do ator —, mas, a morte de Lombard permitira que ela atuasse em They All Kissed The Bride no seu lugar.

Carole descansa ao lado de sua mãe (Elizabeth Peters) no Estado da Califórnia — precisamente no Forest Lawn Memorial Park Cemetery —, na lápide lê-se Carole Lombard Gable.

Em noventa e nove, o American Film Institute, incluiu-a na lista das cinqüenta maiores lendas do cinema americano. Tem uma estrela na calçada da fama (6930).

Como herança deixou seus filmes, pequenas preciosidades para serem vistas e revistas — por curiosos, fãs de cinema e, principalmente aspirantes a atrizes.

Gable morreu em 1960. Deixou um filho, um último trabalho ao lado de Marilyn Monroe e um vazio danado na grande tela que até hoje, preenchido não foi.

Dizem que desde este dia, pode-se ver duas estrelas lado ao lado no céu, já que, na terra não mais podem brilhar.

Colaboração: Ricardo Steil — Itajaí/SC

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