A Montanha dos Sete Abutres (1951) | Sobre o Monstro que nos Habita

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A Montanha dos Sete Abutres (Ace in the Hole, 1951), de Billy Wilder: Charles Tatum (Douglas) é um jornalista que usa de meios ilícitos para fazer notícia. Leia mais em nossa matéria. Com Jan Sterling, Porter Hall, Frank Cady.

Jornalismo: Um tema que Billy Wilder conhecia de perto

Billy Wilder começou sua vida profissional como jornalista. Sempre com um humor afiado, dizia ter escolhido a profissão por achar bonito usar uma credencial na faixa do chapéu e uma capa de chuva burberry. Só tinha um problema: ele não tinha dinheiro para comprar nenhuma delas, mas aprendeu muito durante os anos em que correu atrás de notícias.
Dentre seus conhecimentos, estava o fato de segurar por tempo suficiente uma notícia, e divulgar na última hora, para que não desse tempo de modificarem seu conteúdo. Quando roteirista já consagrado, ele detestava que mudassem uma vírgula de seus textos. Em 1951, já na América, ele revisitou sua antiga profissão através de uma história que, mais de 65 anos depois, permanece atual: quantos de nós não conhecemos os Charles Tatum, premiados e alçados à categoria de vencedores?

A história foi concebida tendo em vista algumas questões que de fato ocorreram e que chamaram a atenção da imprensa: como o sequestro do bebê Lindemberg, a notícia sobre uma garotinha presa em um poço e também uma notícia sobre um homem preso em uma caverna. Esse ficou marcado como o primeiro trabalho que ele fazia após a separação de seu colaborador Charles Brackett.

A dupla que se eternizara em vários sucessos anteriores se separava naturalmente, sem brigas, por um desgaste na relação. Wilder, que não sabia trabalhar sozinho, contava dessa vez com a ajuda de mais quatro mãos:  Lesser Samuels e Walter Newman assinariam com ele o roteiro.

A Montanha dos Sete Abutres e uma atuação magnífica de Kirk Douglas

Charles Tatum (Kirk Douglas), um jornalista mal visto por seus ex-companheiros e decadente, chega na pequena cidade de Albuquerque, Novo México. Oferece seus trabalhos a um pequeno jornal local e vê com ressalvas a maneira como trabalham por lá. O tempo passa e nenhuma novidade surge para que ele finalmente dê um up em sua carreira e retorne para Nova York. Indo cobrir mais um evento sem importância, para seu carro para abastecer e descobre que Leo Minosa, um mineiro, está preso em uma mina desativada. A partir daí, Charles vê uma ótima oportunidade de ascender na profissão. E inicia um circo midiático em torno do acidente, que toma proporções gigantescas.

É assustador o fato do personagem trazer a tona vários aspectos que vemos na mídia de nossa década e de sempre. É através de um quase didático discurso, que Charles nos revela que a notícia da morte de uma pessoa choca muito mais do que de várias, afinal as pessoas gostam de nomes e se comovem mais facilmente ao identifica-las. Além disso, ele nos discursa sobre a capacidade da imprensa em plantar notícias quando estas não existem e a espetacularização de pequenos acontecimentos que acabam se tornando gigantes também com a tentativa de comoção. Esta se reflete em dinheiro que entra e a fama instantânea para muitos.

Engana-se quem acha que A Montanha dos Sete Abutres fala apenas sobre a mente doentia e manipuladora de um jornalista. Não, ele fala sobre a capacidade do ser humano em se corromper. É incrível como tudo ao seu redor fede, inclusive o fotógrafo que lhe acompanha, e que parece deliciado com cada novidade e aprendizado que surge. A manipulação da informação deixa que um homem sofra em detrimento de um furo de reportagem. Mas para isso, Charles contará com a cumplicidade da esposa de Leo Minosa (Jan  Sterling), uma mulher cansada de viver em um lugar sem atrativos, e do xerife (Ray Teal) que busca a reeleição.
Aparentemente, em meio a todo show pirotécnico, temos a impressão que apenas os pais de Minosa parecem se importar. Sim, eles se importam, mas também acabam sendo levados por todo o circo, servindo sanduíches, cobrando ingressos cada vez mais caros  e ganhando dinheiro das pessoas que chegam ao local. Se Charles Tatum é a mola que leva todos a esse estado decadente de afeição, tampouco quem vai ao local parece interessado no pobre homem que padece na montanha. É triste, mas não há uma só alma que esteja interessada na vida daquele homem. Antes, parecem querer um pouco de distração, comer, beber, se divertir, mesmo que isso custe a vida de um ser.
O filme não chegou a ter o sucesso esperado e Wilder se magoou com a péssima recepção. O diretor chegou a pensar que o conteúdo era forte demais para a sociedade da década de 50, que o lançara cedo demais. O que aconteceu é que muitos não aceitaram a cutucada geral, e naquele momento magia preferiam filmes leves e que ampliassem a felicidade que a América queria passar.
Houve uma tentativa de mudança do nome original, de Ace in the Hole para The Big Carnival, mas nem isso serviu para que A Montanha dos Sete Abutres conseguisse bons resultados. Era tarde demais e o diretor partiu para outros projetos. Foi na Europa que ele foi consagrado e somente em 2008 entrou para a lista de melhores dos Estados Unidos.
Dizem que para ser considerado um clássico, precisa trazer inovações e ter elementos que o tornam ainda atuais. Com esses aspectos sombrios, temos diante de nós uma das maiores obras primas que o cinema produziu.
Uma história atual, e que nos faz refletir não só sobre a ação dos caça notícias, mas a nossa, como pessoas que alimentamos esse circo, compartilhamos e vibramos intimamente com pequenos dramas pessoais. Um filme assustadoramente atual e que continua a mexer com nossos sentimentos acerca de nós mesmos, 65 anos depois de seu lançamento.
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