Vidas Amargas (East of Eden, 1955)

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Em 1952 John Steinbeck, autor de As Vinhas da Ira, lançaria A Leste do Éden (East of Eden). O livro, dividido em dois volumes, trazia a história das famílias Hamilton e Trask, demorando-se no desenvolvimento da personagem Cathy Ames. A jovem considerada má, seguia seus instintos, utilizava-se de meios ilícitos para conseguir tudo o que queria e manipulava a todos ao seu redor. Incapaz de amar, Cathy se interessa por Charles Trask, mas acaba se casando com seu irmão: o doce Adam Trask. Temente a Deus, Adam desconhece o passado de sua amada, e pensa alcançar a felicidade com o nascimento dos filhos, Cal e Aron. Porém, é abandonado por Cathy, que não se adapta à vida de casada. Adam se torna um homem amargurado, mas que educa os filhos segundo os ensinamentos bíblicos.

Dois anos mais tarde, Steinbeck seria procurado por Elia Kazan. O diretor achava a história de várias gerações de famílias demasiada longa para o cinema, preferindo dedicar-se apenas à última parte da história: a que focava na rivalidade entre os dois irmãos e pela busca do amor do pai por parte de Cal. Enquanto Aron é o retrato da idealização de seu pai, um jovem justo porém inocente e passivo, Cal é ativo e sempre em busca de melhores soluções para os problemas. O único porém de sua personalidade é a extrema carência com relação ao pai. Cal sabe que não é o preferido, e tenta de todas as maneiras agradar aquele cujos olhos só repousam em seu irmão. Steinbeck foi convidado a colaborar com a adaptação para as telas, mas problemas pessoais acabaram afastando-o das filmagens. John Howard Lawson assumiria o roteiro. O autor gostou das modificações, apesar das mudanças serem muito significativas com relação à psique dos personagens principais e até mesmo à história.

Porém,  Steinbeck estava presente quando os atores começaram a serem testados. E ficou espantado quando viu James Dean entrar para seu primeiro teste: “Meu Deus, esse é o Cal!!!”, exclamou. Kazan também ficou admirado. Para ele não havia outro ator que pudesse interpretar Cal. James Dean era a personificação do personagem.

Elia Kazan, como todos os diretores, tem seus preferidos. Inicialmente ele pensou em colocar Marlon Brando e Montgomery Clift como os irmãos Trask. Porém, eles já estavam velhos demais para interpretarem adolescentes. Dentre os testes, um jovem Paul Newman, amigo de Dean, e que tentava o papel de Aron. Porém, quem passou foi Richard Davalos. Ironia do destino ou não, Richard não conseguiria grande destaque após este filme, enquanto que a carreira de Paul Newman iria deslanchar após a morte do amigo Dean.

Richard e Dean dividiriam inicialmente um apartamento durante as filmagens. Porém, o comportamento estranho de Dean acabou por afastar o amigo. Segundo Richard, Dean agia como seu personagem Cal, seguindo-o pelos cantos e rivalizando de uma maneira assustadora. O seu comportamento explica-se por ele ser adepto do método Stanislavsky.

O método seguido por vários jovens atores trazia do inconsciente os sentimentos mais guardados e contraditórios que pudessem ajudar a compor os personagens. Esse tipo de interpretação era aceito pelos jovens diretores, mas muitos atores antigos tinham dificuldades em se adaptar aos novos tempos. Um deles era Raymond Massey, escolhido para interpretar Adam. O ator ficou chocado por Dean não decorar a maior parte de suas falas, improvisar cenas e deixa-lo sem jeito em muitas ocasiões.

A cena mais constrangedora para Massey foi a em que Cal tenta trocar o dinheiro por seu afeto. Improvisando o movimento, Dean, chora enquanto o abraça. Atônito, Massey não sabia como agir. Ao perceber que Kazan parecia não ouvir suas queixas, chegou a ameaçar entrar na justiça, afinal, para ele seu personagem era o principal e não podia ser colocado assim de lado. Esses pequenos dramas de bastidores ajudaram a conferir um tom verossímil à disputa nas telas. E sem dúvida, as melhores cenas são as que os dois estão juntos na tela.

Expressar seus sentimentos de forma tão absurda faziam mal também a James Dean, que segundo vários membros da equipe, estava constantemente chorando. Richard Davalos também lembrou, vários anos depois, que ficou assustado na cena em que Cal bate em seu personagem. Segundo o ator, a expressão de ódio nos olhos do ator era tão grande que ele teve medo de apanhar de verdade. A única pessoa que conseguia aparentemente acalmar o jovem Dean era Julie Harris.

A sua personagem, Abra, deveria ter por volta de 16 anos, mas Julie já tinha 30 anos na época. Tal fato parecia se repetir na vida da atriz, que apenas dois anos antes tinha interpretado uma criança de 12 em  Cruel Desengano (The Member of the Wedding, 1952). Experiente nos palcos, Julie deu o tom correto à personagem confusa entre o amor por Aron e a paixão por Cal. Tal como o personagem abandonado pelo pai, ela se julga também má por se sentir atraída pelo cunhado. Abra não sabe lidar com seus sentimentos e parece ser a única que parece entender perfeitamente o drama de Cal.

Para quem leu o livro, a parte que mais faz falta é a da personagem Cathy, que é a principal em toda a história. Denominada como má desde o nascimento, ela não se adapta às convenções e age instintivamente. No filme, ela é interpretada magistralmente por Jo Van Fleet. Apesar do pouco tempo em tela, entendemos porque ela ganhou o Oscar de melhor atriz coadjuvante daquele ano. Sua Cathy traz uma mulher que prefere viver sua vida longe de tudo o que a prende. Em busca de respostas sobre suas origens, Cal vai à sua procura, e encontra mais desprezo.

Apesar de focar em apenas uma parte da história, Vidas Amargas é bem construído, e mostra as tensões de Cal tentando agradar ao pai. Cal não é mal em nenhum momento, e é deixado de lado sem que haja aparentemente um bom motivo (o livro explica isso melhor). Um dos motivos que também fazem o drama de Kazan funcionar é a trilha sonora de Leonard Rosenman. A sua indicação veio por recomendação de Dean, que o conhecera pouco tempo antes. Kazan ficou de fato impressionado o chamou para musicar o filme. A trilha incisiva amplia os sentimentos de angústia, raiva, aflição e amor pelos quais os personagens passam.

James Dean e Leonard Rosenman

Aquém do drama familiar, Vidas Amargas também toca em alguns temas como a xenofobia contra os alemães (ocorrida durante a guerra), e também pontua a questão bíblica das desventuras familiares. Os nomes dos personagens, assim como suas condutas parecem ser direcionados pelos personagens do livro cristão. Há mesmo uma discussão sobre a genética das condutas, já que Cal teria “puxado” ao espírito rebelde de sua mãe, enquanto Aron seria o retrato de seu pai.

Sem dúvidas, um dos melhores filmes de Elia Kazan. James Dean faria mais dois títulos: Juventude Transviada e Assim caminha a Humanidade. Em pouco tempo seria um dos rostos mais reconhecidos do cinema. O ator deveria ter ido à première realizada em Nova York em 5 de março de 1955, mas faltou à estréia que contou com a presença de Marilyn Monroe. Ele não sabia, mas seria o único filme que participaria que veria finalizado.

 

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